Rubem Alves*
Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da
educação, filosofia da educação, didática — mas, por mais que me
esforce, não consigo me lembrar de qualquer referência à educação do
olhar, ou à importância do olhar na educação, em qualquer um deles.
Disse a Cecília Meireles: “O sentido está guardado no rosto com que te miro”. Não te miro com os meus olhos. Te miro com o meu rosto. É o rosto que desvenda o mistério do olhar. O rosto da mãe revela à criança o segredo do seu olhar. E o rosto da criança revela à mãe o segredo do seu olhar. O rosto do professor revela ao aluno o segredo do seu olhar.
“O meu lábio zombeteiro faz a lança dele refluir”: dito pela Adélia
Prado. Lança? Metáfora para o falo ereto. Mas o lábio zombeteiro a
torna um macarrão cozido... A lança, humilhada, se encolhe, torna-se
incapaz do ato do amor. Há uma relação metafórica entre a lança fálica e
a inteligência.
Como a lança fálica, a inteligência ou se alonga e se levanta
confiante para o ato de conhecer ou se encolhe, flácida e impotente. O
olhar de um professor tem o poder de fazer a inteligência de uma criança
ficar ereta ou flácida... O lábio zombeteiro do professor faz a
inteligência do aluno refluir.
Educação não é a transmissão de uma soma de conhecimentos.
Conhecimentos podem ser mortos e inertes: uma carga que se carrega sem
saber sua utilidade e sem que ela dê alegria. Educar é ensinar a pensar,
isso é, a brincar com os conhecimentos, da mesma forma como se brinca
com uma peteca.
Quando o conhecimento é vivo ele se torna parte do nosso corpo: a
gente brinca com ele e sente feliz ao brincar. A educação acontece
quando vemos o mundo como um brinquedo e brincamos com ele como uma
criança brinca com a sua bola. O educador é um brincalhão...
Nossos currículos pressupõem que todo conhecimento é bom. Se isso
fosse verdade teríamos de aprender tudo o que há para ser aprendido — o
que é tarefa impossível. Quem acumula muito saber só prova um ponto: que
é um idiota de memória boa. Não faz sentido aprender a arte de escalar
montanhas nos desertos, e nem a arte de fazer iglus nos trópicos. Na
vida a utilidade dos saberes se subordina às exigências práticas do
viver. O mar é longo, a vida é curta.
Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos
a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da
nossa palavra. O professor, assim não morre jamais...
Nas escolas as crianças são submetidas ao “jugo” dos saberes:
programas. “Jugo” é canga. Fala-se, mesmo, em “grade” curricular — coisa
de prisão. A educação segue o caminho inverso: começa não com os
programas mas com a criança que vive seu momento presente. Saberes que
permanecem não são impostos. Eles crescem da vida. Dizia Nietzsche:
“Aquele que é um mestre, realmente um mestre, leva as coisas a sério —
inclusive ele mesmo — somente em relação aos seus alunos”.
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* Educador. Escritor.
Fonte: Correio Popular online, 13/07/2014
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