sexta-feira, 18 de julho de 2014

Cristo na Europa - Uma fecunda interrogação

Capa

«O Cristianismo é uma presença estranha ou representa
 o fundamento da Europa?» 

Esta é a interrogação a que o cardeal Christoph Schönborn se propõe responder no livro “Cristo na Europa – Uma fecunda interrogação”, que a Paulinas Editora lançou recentemente.

A obra, de que apresentamos um excerto a poucas horas das eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam no próximo domingo em Portugal, resulta de uma conferência proferida em 2010 pelo autor, atual arcebispo de Viena (Áustria), na Universidade Católica da América, em Washington (EUA), sobre o tema “Cristianismo – Presença estranha ou fundamento do Ocidente?”.

Cristo na Europa – Uma fecunda interrogação

Card. Christoph Schönborn

O Cristianismo é uma presença estranha ou representa o fundamento da Europa? A minha resposta será a de que o Cristianismo é as duas coisas! Eis o fio do meu raciocínio. 

Por um lado, o Cristianismo é uma das raízes da Europa e, até certo ponto, o futuro do continente, no contexto mundial, depende dele; a Europa continua consciente desse facto. Todavia, tal consciência tem vindo a decrescer de forma alarmante. Por outro lado, o Cristianismo é, para muitos, um elemento estranho num mundo determinado pela razão, pelo Iluminismo e pelos princípios democráticos.

A minha tese baseia-se no facto de que esta Europa – e todo o mundo ocidental – não sobreviverá sem a estranheza conferida pelo Cristianismo. Por outras palavras, a Europa só pode desempenhar o seu papel no âmbito das culturas se considerar o Cristianismo, esse corpo estranho, como parte integrante da sua identidade.

No entanto, a Europa não estará porventura a despedir-se do debate entre as culturas mundiais? Demograficamente, por exemplo. E esta realidade não está também ligada ao facto de a Europa se ter tornado o continente menos religioso do mundo? A este propósito, gostaria de citar duas perspetivas judaicas.

Jonathan Sacks, rabino chefe da Grã-Bretanha, crê que a cultura do «consumismo e da gratificação instantânea» dos desejos materiais é responsável pela derrocada do índice de natalidade na Europa. «A Europa está a morrer», declarou Sacks (segundo os meios de comunicação, a propósito de um discurso que proferiu em Londres durante um convénio de teologia, em 2009), porque a sua população é demasiado egoísta para criar filhos. «Estamos a sofrer o equivalente moral da mudança climática, e ninguém fala disso.»

O mais alto representante do Judaísmo na Grã-Bretanha descreveu a Europa como a região mais secularizada do mundo. Ao mesmo tempo, ela representa o único continente que tem vindo a registar um declínio populacional. O rabino chefe Sacks entrevê uma clara relação entre a prática religiosa e a elevada importância atribuída à vida familiar. «Para onde quer que se dirija o olhar, em qualquer localidade do mundo, observando as comunidades judaicas, cristãs ou muçulmanas, verificar-se-á, em média, que o elemento mais religioso e mais numeroso da comunidade é representado pelas famílias.»

Ser pais requer «um grande sacrifício» de dinheiro, de atenção, de tempo e de energia emotiva. Sacks interrogou-se: «Na atual cultura europeia, onde é que encontramos espaço para o conceito do sacrifício realizado por amor às gerações ainda por nascer?» O rabino chefe compara o desenvolvimento da Europa ao declínio da antiga Grécia, com os seus «céticos e cínicos».

Sacks prossegue dizendo que o credo religioso é fundamental para a coesão da sociedade: «Deus regressou – afirma ele – e a Europa, no seu conjunto, ainda não o entendeu.» Esta, continua Sacks, é a sua «única e maior forma de cegueira cultural e intelectual».

Uma segunda observação de âmbito judaico é feita por Joseph Weiler, professor de Direito Europeu na Universidade de Nova Iorque, e judeu ortodoxo. No seu maravilhoso livro Uma Europa Cristã, Weiler interroga-se sobre a razão pela qual os europeus têm tanto medo de reconhecer a evidência de que a Europa tem raízes cristãs. Fala de uma cristianofobia europeia. Além disso, vê uma relação entre essa perda de memória e o desenvolvimento demográfico da Europa.

Um terceiro dado: em outubro de 2007, os presidentes das conferências episcopais católicas da Europa encontraram-se em Fátima para a sua assembleia plenária anual. O tema centrava-se na questão da família na Europa. Um de nós afirmou sem rodeios que, para ele, como para muitos dos presentes, o assunto representava uma situação dramática. Poderá chegar um momento, no futuro próximo, em que a maior parte da sociedade europeia se dirigirá ao Cristianismo dizendo: «Tu és um corpo estranho no meio de nós. Os teus valores não são os nossos. Os valores Europeus não são os valores cristãos. Tu não nos pertences!»

E se assim fosse? Se isso se tornasse realidade? Seria assim tão surpreendente? O Judaísmo não teve, porventura, a mesma sensação de estranheza em relação aos antigos reinos do Oriente e, mais tarde, em relação ao Cristianismo? Porventura não se encontra tal estranheza inclusive no coração da cristandade? 

«Não vos acomodeis a este mundo» (Rm 12,2). O apóstolo Paulo adverte assim a Igreja de Roma. Na última ceia, Jesus disse: «Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim» (Jo 15,18). «Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos carnais, que combatem contra a alma» (1 Pe 2,11). 

Os cristãos sentem-se como estrangeiros neste mundo, sendo por ele desprezados e rejeitados. Mas aceitam essa estranheza: «Para nós, a cidade a que pertencemos está nos céus» (Fl 3,20). Ao mesmo tempo, anseiam pela cidade futura (cf. Heb 13,14), a Jerusalém celeste.

Esses «estranhos» não são uma seita que se separa do resto do mundo. Eles querem dar forma ao mundo e mudar as relações humanas mediante a mudança das pessoas. Chamam a tal conversão metanóia e, na qualidade de «estranhos», estão muito empenhados em construir uma sociedade mais humana.

Como se configura hoje tal situação? Terá sido a singular mistura de esperança na vida futura e de empenho pelo qui ed ora que conferiu à Europa o seu caráter específico? Ou será que a Europa só começa a encontrar a sua identidade depois de se ter libertado do paradoxo do Cristianismo e da dependência das Igrejas? Como se liga tudo isso às raízes cristãs da Europa? (...)

Um corpo estranho na Europa, mas também uma raiz: eis a estimulante posição do Cristianismo na Europa secularizada. A Europa é muitas vezes crítica em relação ao Cristianismo, e isso deve ser considerado positivo. 

A Europa poderia ter necessidade da saudável inquietação da voz profética da Palavra, mas o Cristianismo também tem necessidade de que a voz da Europa levante questões críticas como resposta. Trata-se de uma permuta que faz bem ao Cristianismo. Desperta-o e desafia-o. Põe em questão a sua credibilidade. E porquê? Porque creio que, no fundo, a Europa anseia por um cristianismo autêntico.
 ----------------------
Card. Christoph Schönborn
In Cristo na Europa - Uma fecunda interrogação, ed. Paulinas 
Fonte: Site português:  http://www.snpcultura.org/Cristo_na_europa_uma_fecunda_interrogacao.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário