«O Cristianismo é uma presença estranha ou
representa
o fundamento da Europa?»
Esta é a interrogação a que o
cardeal Christoph Schönborn se propõe responder no livro “Cristo na
Europa – Uma fecunda interrogação”, que a Paulinas Editora lançou
recentemente.
A obra, de que apresentamos um excerto a poucas
horas das eleições para o Parlamento Europeu, que se realizam no
próximo domingo em Portugal, resulta de uma conferência proferida em
2010 pelo autor, atual arcebispo de Viena (Áustria), na Universidade
Católica da América, em Washington (EUA), sobre o tema “Cristianismo –
Presença estranha ou fundamento do Ocidente?”.
Cristo na Europa – Uma fecunda interrogação
Card. Christoph Schönborn
O Cristianismo é uma presença estranha ou
representa o fundamento da Europa? A minha resposta será a de que o
Cristianismo é as duas coisas! Eis o fio do meu raciocínio.
Por um lado, o Cristianismo é uma das raízes da
Europa e, até certo ponto, o futuro do continente, no contexto mundial,
depende dele; a Europa continua consciente desse facto. Todavia, tal
consciência tem vindo a decrescer de forma alarmante. Por outro lado, o
Cristianismo é, para muitos, um elemento estranho num mundo determinado
pela razão, pelo Iluminismo e pelos princípios democráticos.
A minha tese baseia-se no facto de que esta
Europa – e todo o mundo ocidental – não sobreviverá sem a estranheza
conferida pelo Cristianismo. Por outras palavras, a Europa só pode
desempenhar o seu papel no âmbito das culturas se considerar o
Cristianismo, esse corpo estranho, como parte integrante da sua
identidade.
No entanto, a Europa não estará porventura a
despedir-se do debate entre as culturas mundiais? Demograficamente, por
exemplo. E esta realidade não está também ligada ao facto de a Europa
se ter tornado o continente menos religioso do mundo? A este propósito,
gostaria de citar duas perspetivas judaicas.
Jonathan Sacks, rabino chefe da Grã-Bretanha,
crê que a cultura do «consumismo e da gratificação instantânea» dos
desejos materiais é responsável pela derrocada do índice de natalidade
na Europa. «A Europa está a morrer», declarou Sacks (segundo os meios
de comunicação, a propósito de um discurso que proferiu em Londres
durante um convénio de teologia, em 2009), porque a sua população é
demasiado egoísta para criar filhos. «Estamos a sofrer o equivalente
moral da mudança climática, e ninguém fala disso.»
O mais alto representante do Judaísmo na
Grã-Bretanha descreveu a Europa como a região mais secularizada do
mundo. Ao mesmo tempo, ela representa o único continente que tem vindo a
registar um declínio populacional. O rabino chefe Sacks entrevê uma
clara relação entre a prática religiosa e a elevada importância
atribuída à vida familiar. «Para onde quer que se dirija o olhar, em
qualquer localidade do mundo, observando as comunidades judaicas,
cristãs ou muçulmanas, verificar-se-á, em média, que o elemento mais
religioso e mais numeroso da comunidade é representado pelas famílias.»
Ser pais requer «um grande sacrifício» de
dinheiro, de atenção, de tempo e de energia emotiva. Sacks
interrogou-se: «Na atual cultura europeia, onde é que encontramos
espaço para o conceito do sacrifício realizado por amor às gerações
ainda por nascer?» O rabino chefe compara o desenvolvimento da Europa
ao declínio da antiga Grécia, com os seus «céticos e cínicos».
Sacks prossegue dizendo que o credo religioso é
fundamental para a coesão da sociedade: «Deus regressou – afirma ele – e
a Europa, no seu conjunto, ainda não o entendeu.» Esta, continua Sacks,
é a sua «única e maior forma de cegueira cultural e intelectual».
Uma segunda observação de âmbito judaico é feita
por Joseph Weiler, professor de Direito Europeu na Universidade de Nova
Iorque, e judeu ortodoxo. No seu maravilhoso livro Uma Europa Cristã,
Weiler interroga-se sobre a razão pela qual os europeus têm tanto medo
de reconhecer a evidência de que a Europa tem raízes cristãs. Fala de
uma cristianofobia europeia. Além disso, vê uma relação entre essa perda de memória e o desenvolvimento demográfico da Europa.
Um terceiro dado: em outubro de 2007, os
presidentes das conferências episcopais católicas da Europa
encontraram-se em Fátima para a sua assembleia plenária anual. O tema
centrava-se na questão da família na Europa. Um de nós afirmou sem
rodeios que, para ele, como para muitos dos presentes, o assunto
representava uma situação dramática. Poderá chegar um momento, no
futuro próximo, em que a maior parte da sociedade europeia se dirigirá
ao Cristianismo dizendo: «Tu és um corpo estranho no meio de nós. Os
teus valores não são os nossos. Os valores Europeus não são os valores
cristãos. Tu não nos pertences!»
E se assim fosse? Se isso se tornasse realidade?
Seria assim tão surpreendente? O Judaísmo não teve, porventura, a
mesma sensação de estranheza em relação aos antigos reinos do Oriente e,
mais tarde, em relação ao Cristianismo? Porventura não se encontra tal
estranheza inclusive no coração da cristandade?
«Não vos acomodeis a este mundo» (Rm 12,2). O
apóstolo Paulo adverte assim a Igreja de Roma. Na última ceia, Jesus
disse: «Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a
mim» (Jo 15,18). «Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e
peregrinos, vos abstenhais dos desejos carnais, que combatem contra a
alma» (1 Pe 2,11).
Os cristãos sentem-se como estrangeiros neste
mundo, sendo por ele desprezados e rejeitados. Mas aceitam essa
estranheza: «Para nós, a cidade a que pertencemos está nos céus» (Fl
3,20). Ao mesmo tempo, anseiam pela cidade futura (cf. Heb 13,14), a
Jerusalém celeste.
Esses «estranhos» não são uma seita que se
separa do resto do mundo. Eles querem dar forma ao mundo e mudar as
relações humanas mediante a mudança das pessoas. Chamam a tal conversão
metanóia e, na qualidade de «estranhos», estão muito empenhados em construir uma sociedade mais humana.
Como se configura hoje tal situação? Terá sido a singular mistura de esperança na vida futura e de empenho pelo qui ed ora que
conferiu à Europa o seu caráter específico? Ou será que a Europa só
começa a encontrar a sua identidade depois de se ter libertado do
paradoxo do Cristianismo e da dependência das Igrejas? Como se liga
tudo isso às raízes cristãs da Europa? (...)
Um corpo estranho na Europa, mas também uma
raiz: eis a estimulante posição do Cristianismo na Europa secularizada. A
Europa é muitas vezes crítica em relação ao Cristianismo, e isso deve
ser considerado positivo.
A Europa poderia ter necessidade da saudável
inquietação da voz profética da Palavra, mas o Cristianismo também tem
necessidade de que a voz da Europa levante questões críticas como
resposta. Trata-se de uma permuta que faz bem ao Cristianismo.
Desperta-o e desafia-o. Põe em questão a sua credibilidade. E porquê?
Porque creio que, no fundo, a Europa anseia por um cristianismo
autêntico.
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Card. Christoph Schönborn
In Cristo na Europa - Uma fecunda interrogação, ed. Paulinas
In Cristo na Europa - Uma fecunda interrogação, ed. Paulinas
Fonte: Site português: http://www.snpcultura.org/Cristo_na_europa_uma_fecunda_interrogacao.html
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