Dicker. Anunciado como ‘o melhor que veio da Suíça desde Federer’,
vendeu 2 milhões de cópias mas dividiu a crítica
Mais jovem escritor da Flip, o suíço quer escrever livros únicos, que marquem os leitores e os estimulem a ler mais
PARATY, RJ — Desde que chegou ao Rio, na última sexta-feira, o escritor
suíço Joël Dicker vem coletando ideias para seu próximo romance. No Pão
de Açúcar, ao notar a antiga Ilha da Trindade, imaginou um protagonista
vivendo sozinho na área preservada.
Nas várias churrascarias que visitou, notou os nomes dos
garçons de diferentes origens e pensou no que trouxe as famílias de cada
um ao país. Não à toa, o autor do calhamaço de quase 600 páginas “A
verdade sobre o caso Harry Quebert” (Editora Intrínseca), que vem à Flip
discutir “Fabulação e mistério” com a neozelandesa Eleanor Catton hoje,
tornou-se um defensor das narrativas intrincadas e do entretenimento na
literatura.
A história de um escritor prodígio americano
que acaba investigando um crime de que é suspeito seu mentor, Harry
Quebert, em uma cidadezinha litorânea dos Estados Unidos, já vendeu mais
de dois milhões de livros.
Além de render a Dicker o
Grande Prêmio do Romance da Academia Francesa, em 2012, e levá-lo à
final de outro prêmio francês, o Goncourt. A crítica no Brasil, Estados
Unidos e Inglaterra, no entanto, dividiu-se a respeito do suspense
recheado de metalinguagem e sucesso de público.
— Quando
os jornalistas perguntaram aos jurados da Academia Francesa por que um
livro de suspense mereceu o prêmio, um deles respondeu que não lia um
livro que não fosse entediante há muito tempo. Desde os anos 1950, os
franceses deixaram de considerar livros com boas histórias como
literatura. É como se negássemos a tradição de nomes como Émile Zola,
Victor Hugo e Guy de Maupassant. O que eram eles senão contadores de
histórias? — questiona Dicker.
Há dois anos promovendo “A
verdade sobre o caso Harry Quebert” pelo mundo, Dicker não parece
afetado pelo bloqueio criativo de que sofre o protagonista do livro,
Marcus Goldman. Depois de um segundo livro de sucesso, Goldman não
consegue escrever em seu apartamento luxuoso em Nova York. Decide
visitar na fictícia Aurora, em New Hampshire, seu professor de faculdade
e melhor amigo Harry Quebert — também ele um autor consagrado pela
obra-prima “As origens do Mal”, de 1975. Ele retorna a Nova York sem
nada até que descobre pela TV que o corpo de uma adolescente, Nola, que
havia desaparecido no ano em que o clássico de Harry foi lançado, fora
enterrada no jardim do professor. Harry, ainda por cima, revela ter tido
um caso com Nola. Marcus começa a investigar a história acreditando na
inocência do amigo e, no meio do caminho, escreve um livro homônimo ao
que temos em mão. A metalinguagem e os comentários sobre a indústria dos
livros permeiam toda a obra.
‘Eu sou um escritor jovem. Já cometi muitos erros
e vou continuar cometendo’
- Joël DickerFlip 2014
—
Eu não considero “A verdade...” um livro de suspense. Não costumo ler
livros desse gênero e, originalmente, na França, ele não foi vendido
assim. Mas os editores estrangeiros conversaram sobre qual seria a
melhor forma de vendê-lo e decidiram por essa estratégia. Para mim, um
livro de suspense tem sua estrutura inteira baseada no crime. Não se
sustenta sem isso. Se você tirasse o crime do meu livro, teria a
história das relações entre Marcus e Harry, Harry e Nola, Nola e o pai.
É, na verdade, uma narrativa sobre relacionamentos.
UM ESCRITOR METÓDICO
Durante
a entrevista, o escritor de 29 anos, um dos convidados mais jovens da
Flip, se revelou metódico e destacou algumas regras que norteiam sua
escrita. Uma delas é que a literatura deve entreter os leitores, pois,
segundo Dicker, o dever de um escritor nos dias de hoje é tornar os
livros tão atraentes quanto o cinema e os videogames.
—
Não competimos só com outros livros, mas com computadores, cinema...
Enquanto isso, a literatura é vista como algo velho, empoeirado. Nas
escolas francesas que visitei após o lançamento do livro, muitos alunos
comentavam “você é o primeiro escritor vivo que lemos”. Por isso fico
empolgado com a valorização de autores como Eleanor Catton, que trazem
novos pontos de vista a discussões em festivais como a Flip. Não quero,
porém, vender só um produto. Quero escrever livros únicos, que marquem
os leitores e os estimulem a ler mais livros.
Outra regra
de Dicker é que todos os nomes dos personagens devem ter um valor para a
história. Do editor americano de Dicker aos críticos nos Estados
Unidos, a escolha de nomes incomuns no país chamou atenção. O crítico do
“Washington Post” Richard Lipez chegou a dizer que nomes como Perry
Galahowood e Stephanie Larjinjiak pareciam anagramas ou erros de
digitação. Já outros críticos viram no personagem Benjamin Roth,
advogado de Marcus Goldman, uma referência ao escritor americano Philip
Roth.
— Eu sou um escritor jovem. Já cometi muitos erros e
vou continuar cometendo. Mas espero melhorar a cada livro. Não pensei
que veriam o advogado como uma referência a Philip Roth, embora ele seja
uma influência literária para mim. Foi talvez o único nome que eu
escolhi sem pensar muito e agora me arrependo. Com todos os outros fiz
diferente e os defendi quando o meu editor americano disse que eles não
pareciam americanos o suficiente. Como o Brasil, os Estados Unidos são
feitos de imigrantes e não há só Johns e Peters por lá.
Nascido
e criado em Genebra, Dicker passava os verões com a família no estado
do Maine, nos Estados Unidos. Daí tirou a ambientação da história. Para
seu próximo livro, cogita uma narrativa que se passe na sua cidade
natal, onde se tornou uma estrela. Na Europa, o slogan de Dicker virou
“o melhor que veio da Suíça desde o tenista Roger Federer”. Como alguns
críticos, os próprios pais do escritor — a mãe trabalha em uma livraria e
o pai é professor de literatura no Ensino Médio — levaram mais tempo
para serem convencidos de seu talento.
— Logo que meu
livro saiu, minha mãe só pedia uma cópia por vez e a escondia nas
prateleiras entre outros escritores. Até que um dia ela passou por outra
livraria em Genebra e viu na vitrine vários dos meus livros com
recomendações de leitores e outros livreiros. Só assim ela decidiu que
daria o mesmo destaque aos meus livros.
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