Marcelo Gleiser*
Aprendemos que estamos sós no Universo e
somos importantes porque somos únicos
Algo de extraordinário ocorreu na Europa no final do século 17 e no
século 18: a explosão intelectual chamada Iluminismo. Filósofos,
cientistas, artistas participaram de uma revolução no pensamento na qual
a razão e os direitos do homem estavam acima de qualquer coisa.
É bem verdade que alguns desses filósofos seriam hoje considerados
racistas, especialmente por colocar o homem branco no ápice da
sociedade. Mas, de forma geral, a mensagem do chamado Projeto Iluminista
era criar uma civilização global, com valores morais universais
compartilhados por todos.
A ideia era criar uma moral secular, separada da religião, especialmente
do fanatismo religioso. O Iluminismo foi uma guerra declarada contra os
excessos da religião e do nacionalismo cego.
Adam Smith, por exemplo, defendia não só o patriotismo ao país, mas
também um patriotismo como parte da "grande sociedade da humanidade", o
que Immanuel Kant chamou de "patriotismo global".
Einstein, bem mais tarde, foi influenciado por essas ideias ao declarar
que as fronteiras entre países deveriam ser abolidas: "A única salvação
para a civilização e a raça humana está na criação de um governo
mundial, onde a segurança das nações é fundamentada na lei", disse em
entrevista ao "New York Times" em setembro de 1945, ao final da Segunda
Guerra Mundial.
Agora que estamos no século 21, podemos revisitar essas ideias, baseados
na nova realidade da globalização da informação; se não atingimos um
governo mundial --a ONU não tem o poder legislativo sobre outros países e
mal consegue manter a paz em regiões turbulentas--, temos uma outra
perspectiva emergente: a do cidadão planetário.
No meu livro "Criação Imperfeita", sugeri que a astronomia moderna
proporciona uma nova visão da humanidade, que chamei de humanocentrismo.
O humancentrismo é uma inversão do copernicanismo, que diz que quanto
mais aprendemos sobre o Universo, menos importantes somos. Hoje, quando
telescópios espaciais como o satélite Kepler descobrem milhares de
outros planetas, aprendemos algo de muito importante sobre quem somos e,
mais ainda, sobre o nosso planeta.
Mesmo que existam outros planetas com as propriedades da Terra, vemos
como nosso planeta é único. Ao estudarmos a história da vida na Terra,
aprendemos como nós, humanos, somos únicos. A evolução de seres
unicelulares a seres multicelulares e, finalmente, a seres
multicelulares inteligentes, sobrepujou uma série de barreiras.
Aprendemos que, se houver vida inteligente em outros planetas, será rara
e distante. Estamos sós, e somos importamos porque somos únicos.
Se os sábios do Iluminismo soubessem disso, teriam declarado a
centralidade do homem junto ao Cosmo como um todo. Um conjunto de
moléculas capaz de se questionar sobre a existência deve também celebrar
e respeitar sua existência.
E como nossa existência depende do nosso planeta, devemos também
celebrá-lo como único. A razão humana, que nos levou a compreender nosso
lugar no Cosmo, leva a uma nova moralidade, independente da religião: a
igualdade de todas as criaturas e a preservação da vida e do nosso
planeta.
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