Samuel Pinheiro Guimarães*
O diplomata brasileiro, Samuel
Pinheiro Guimarães, em artigo especial para o Brasil de Fato, faz uma
análise da crise no Brasil, o avanço de setores conservadores e o papel
do governo federal; bem como aponta as saídas e desafios das forças
progressistas.
18/08/2015
1. A
sociedade brasileira está diante de uma ofensiva conservadora que se
aproveita de entrelaçadas crises na economia, na política, nas
instituições do Estado, na imprensa e nos meios sociais para fazer
avançar seus objetivos;
2. A suposta crise econômica
ofereceu pretexto para implantar um programa neoliberal de acordo com o
Consenso de Washington: privatização, abertura comercial e financeira,
ajuste orçamentário, flexibilização do mercado de trabalho, redução do
Estado, tudo com a aprovação do sistema financeiro nacional, por um
Governo eleito pela esquerda;
3. A crise da corrupção,
cujo maior evento é a Operação Lava Jato, mas também a Operação
Zelotes, esta inclusive de maior dimensão, está servindo para destruir a
engenharia de construção, onde se encontra o capital nacional de forma
importante, com atuação internacional, e para preparar a destruição de
organismos do Estado tais como a Petrobras, o BNDES, a Caixa Econômica, a
Eletrobrás etc. a pretexto de que os eventos de corrupção neles
investigados seriam apenas o resultado de serem estas entidades
estatais;
4. Sua privatização, que corresponderia a
sua desestatização/desnacionalização, eliminaria, segundo eles, a
possibilidade de corrupção;
5. A crise do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal se desenvolve em várias esferas;
6.
O Supremo Tribunal Federal tolera que um de seus membros interrompa, há
mais de um ano, sob o pretexto de vista, uma ação, cujo resultado já
está definido por 6 votos a 1, sobre a ilegalidade do financiamento
privado de campanhas, fenômeno que está na origem da corrupção do
sistema eleitoral em todos os Partidos e veículo para o exercício da influência corruptora do poder econômico na política e na Administração;
7.
O objetivo deste juiz é aguardar até que o Congresso aprove emenda
constitucional, já em tramitação por obra do Presidente da Câmara, que
torna legal o financiamento privado de campanhas;
8.
A teoria do domínio do fato, uma aberração jurídica, acolhida pelo STF,
reverte o ônus da prova e, mais, torna qualquer indivíduo responsável
pelos atos de outrem sob suas ordens sem que o acusador ou o juiz tenha
necessidade de provar que o acusado conhecia tais fatos;
9.
O sistema do Ministério Público permite a qualquer Procurador
individual desencadear processos com base até em notícias de jornal
contra qualquer indivíduo, vazar de forma seletiva
estas acusações para a imprensa, que as reproduz, sem nenhum respeito
pelos direitos dos supostos culpados e sem nenhuma perspectiva de
reparação do dano causado pelas denúncias do Procurador nem pela
imprensa que as divulgou, caso se verifique a improcedência das
acusações;
10. A Polícia Federal exerce suas funções
com extrema parcialidade, de forma midiática, criando, na sociedade a
presunção de alta periculosidade de indivíduos que prende para
investigação e se arvorando em poder independente do Estado;
11.
Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia Federal na
Câmara dos Deputados, a Polícia Federal recebe recursos regularmente da
CIA, do FBI e da DEA, no montante de USD 10 milhões anuais, depositados
diretamente em contas individuais de policiais federais;
12. A crise política
decorre da decepção e do inconformismo do PSDB e de seus aliados com a
derrota nas urnas em 2014 o que o leva a procurar, por todos os meios,
erodir a credibilidade e a legitimidade do Governo Dilma Rousseff e, por
via transversa, do Governo Lula e assim minar as possibilidades de
vitória de uma eventual candidatura de Lula em 2018;
13.
Contam os partidos e políticos conservadores com a campanha sistemática
da televisão, jornais e revistas, com base em denúncias vazadas, com a
campanha de intimidação na Internet, com as manifestações populares, com
o desemprego crescente causado pela política de corte de investimentos e
de elevação estratosférica de juros, os maiores do mundo, para fazer
baixar os índices de aprovação do Governo e da Presidenta e poder
argumentar com a legitimidade e a necessidade de depô-la pelo
impeachment;
14. A crise na imprensa
e nos meios de comunicação se desenvolve em um ambiente em que as
televisões, rádios, jornais e revistas recebem paradoxalmente enormes
recursos do Governo para a ele fazer oposição sistemática, erodir a
confiança da população no sistema político e nos partidos, em especial
nos partidos progressistas, de esquerda, poupando os partidos
conservadores tais como o PSDB, que recebeu tantas doações para sua
campanha de 2014 quanto o PT e das mesmas empresas ora acusadas pelo
juiz Moro;
15. A crise social se
desenvolve na Internet, onde circula todo tipo de ofensa racista,
homofóbica, antifeminina, antiprogressista e fascista, contra os
políticos e partidos de esquerda, gerando um clima de hostilidade e ódio
e estimulando a agressão física
16. No Congresso,
os setores mais conservadores elegeram grande número de deputados e,
tendo conquistado a Presidência da Câmara dos Deputados, fazem avançar, a
toque de caixa, sem nenhuma atenção à necessidade de debate pelos
parlamentares e pela sociedade, uma ampla pauta de projetos
conservadores que inclui, entre os principais, a redução da maioridade
penal, a ampliação do uso de armas, o financiamento privado das
campanhas;
17. O objetivo máximo desta grande ofensiva política e econômica conservadora
é a tomada do poder através do impeachment da Presidenta Dilma e/ou a
desmoralização do PT que leve a sua derrota fragorosa nas eleições de
2016, a qual preparará sua derrota final e “desaparecimento” nas
eleições de 2018;
18. O processo político do
impeachment da Presidenta Dilma não avança por estarem o PSDB e PMDB
divididos quanto a sua conveniência no atual momento do calendário
político e econômico;
19. Os três possíveis
candidatos do PSDB à Presidência da República, quais sejam, Aécio Neves,
Geraldo Alckmin e José Serra tem opiniões diferentes sobre sua
conveniência;
20. A Aécio Neves interessa o
impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer por crime eleitoral,
declarado pelo TSE, logo que possível pois isto levaria a uma eleição em
90 dias onde espera que, como presidente nacional do PSDB e candidato
que teria perdido a eleição devido a “fraude”, agora se beneficiaria
devido a sua campanha persistente pela ilegitimidade dos resultados
eleitorais de 2014, o que o faria o candidato do PSDB com melhor
perspectiva de vitória;
21. A Geraldo Alckmim
interessa que o processo político, econômico e social desgaste longa e
duradouramente o Governo Dilma e o PT até que as eleições municipais se
realizem em 2016, com fragorosa derrota do PT e do PMDB e que tenha
tempo de construir sua candidatura, com base no Governo de São Paulo,
enquanto a candidatura de Aécio se enfraqueceria com o tempo como
resultado de eventuais denúncias;
22. A José Serra
interessa também que o impeachment não ocorra agora, que o Governo se
desgaste para que tenha tempo de reconstruir sua imagem e eventualmente
possa se candidatar pelo PSDB em 2018 ou até mesmo pelo PMDB, que
insiste em ter candidato próprio mas sem nome hoje viável. Afinal, Serra
foi fundador do PMDB e voltaria a sua casa, construindo sua candidatura
junto à classe média nacional, através de sua atuação no Senado, com
toda cobertura favorável da imprensa;
23. Para o
PMDB, o impeachment da Presidenta representa o fim de um Governo onde
ocupa a Vice-Presidência e ao qual dá apoio enquanto que um longo
processo de desgaste da Presidenta, do Governo e do PT também o
atingiria como partido aliado, enquanto a imprensa desgasta sua imagem
na opinião pública como partido oportunista e corrupto;
24.
Os interesses de Michel Temer, de Renan Calheiros e de Eduardo Cunha
são divergentes. Cunha acredita poder ser o candidato do PMDB à
Presidência, assumindo a liderança da ofensiva conservadora no Congresso
e o papel de defensor do Congresso, mas enfrenta o desgaste das
denúncias de corrupção. Michel Temer sabe que a condenação por crime
eleitoral de Dilma Rousseff pelo TSE também o arrastaria enquanto que a
condenação de Dilma pela rejeição das contas de 2014 pelo TCU e pelo
Congresso o levariam à Presidência. Renan disputa com Temer influência
no PMDB e imagina poder ser candidato em 2018 com o enfraquecimento dos
demais;
25. No PT, a situação é talvez ainda mais grave;
26.
O programa econômico conservador, ao cortar investimentos públicos e as
despesas de custeio do Governo, aumenta o desemprego e afeta a demanda o
que reduz as perspectivas de lucro, contrai os investimentos privados,
estabelece a desconfiança nos “mercados” e reduz as receitas normais
tributárias, aumentando o déficit público;
27. Ao
aumentar a taxa de juros, o Governo (Banco Central) aumenta as despesas
do Governo e a relação dívida/PIB, reduz a atividade econômica e as
perspectivas de lucro e provoca a queda da arrecadação. Ao não conseguir
o aumento de receitas normais pela dificuldade em elevar tributos,
passa a apelar para a venda de ativos o que é uma forma disfarçada de
privatização, com resultados apenas temporários;
28.
Ao provocar o desemprego, ao apoiar medidas desfavoráveis aos
trabalhadores como alterações no seguro desemprego, no abono salarial e
outras, e ao provocar a redução do crescimento o Governo mina a sua base
de apoio social e político e as bases sociais e políticas do PT;
29.
A retração da demanda, o aumento das taxas de juros, a contração das
atividades do BNDES, a redução das oportunidades de investimento, a
perspectiva de aumento de tributos afetam os interesses dos empresários e
aumenta o seu descontentamento com o Governo e sua política;
30.
Não há liderança no PT além de Lula que, por seu lado, não vê como
abandonar o programa econômico do Governo Dilma sem acelerar sua queda,
mas reclama da incapacidade da Presidenta para o exercício da política;
31.
As pesquisas de opinião podem vir a revelar níveis de rejeição muito
superiores aos que ocorreram na véspera do impeachment de Collor. Caso
os níveis de aprovação caiam abaixo de 5%, o desânimo e a desmobilização
dos movimentos sociais e dos sindicatos, a perplexidade dos
congressistas, a posição dos candidatos a prefeito em 2016, as contínuas
denúncias do Ministério Público (na realidade de procuradores
individuais) contra políticos vinculados ao PT e contra o próprio Lula, a
agressividade social e intimidatória conservadora podem gerar situação
de gravíssimo perigo político para sobrevivência da democracia;
32.
O Governo, apático, atordoado e intimidado, parece acreditar em sua
pureza que fará que, ao final, sobreviva, único puro, à tempestade de
denúncias que atingem políticos e partidos sem compreender que o
objetivo da ofensiva conservadora não é lutar contra a corrupção e
moralizar o país mas sim derrubá-lo e recuperar a hegemonia completa na
sociedade e no Estado;
33. O Governo se retrai, não
age politicamente nem mobiliza os movimentos sociais e os setores que
poderiam apoiá-lo no enfrentamento a esta ofensiva conservadora que fará
o Brasil recuar anos em sua trajetória de luta contra as desigualdades e
suas vulnerabilidades, e de construção de um país mais justo, menos
desigual, mais democrático, mais próspero e mais soberano;
34. É urgente a mobilização de todas as forças sociais
progressistas para combater o desemprego causado pelo programa de
ajuste, que está, isto sim, gerando imensa crise econômica e social,
para defender a democracia e seus representantes legítimos, para
defender as conquistas dos trabalhadores, para defender a empresa
nacional, para defender o desenvolvimento do país, para defender a
soberania nacional e a capacidade de autodeterminação da sociedade
brasileira;
35. Para defender o Brasil.
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*Diplomata
brasileiro, foi secretário-geral das Relações Exteriores do Ministério
das Relações Exteriores e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República do Governo Lula.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/32702 - acesso 20/08/2015
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