Devolver dinheiro para bancos não pode ser solução para crise, pois é sua continuação, revela Bauman em entrevista a Laura Britt e Petros Panayotídis, do Monitor Mercantil, publicada nesta quinta-feira (20).
“A metade do problema é o excessivo consumismo, o esbanjamento que
predomina. E é por isso mesmo que nenhum provável partido de poder não
promete aos seus eleitores que combaterá o consumismo”, continua o
sociólogo polonês, vice-reitor da London School of Economics, que se define um pessimista a curto prazo em relação ao futuro da sociedade.
A entrevista é de Laura Britt e Petros Panayotídis, publicada no sítio Monitor Mercantil, 20-08-2015.
Eis a entrevista.
A Grécia e o Sul Europeu atravessam uma prolongada crise
econômica e são atingidos, incessantemente, por severas medidas de
frugalidade. Qual é a opinião do senhor sobre tudo isto que está
acontecendo?
As medidas são ligadas com os empréstimos que foram solicitados. É
importante, contudo, alguém verificar para qual objetivo são utilizados
os empréstimos que foram concedidos à Grécia. Se foram utilizados para recapitalização dos bancos, então, simplesmente, alimenta-se a raiz do problema e as políticas de frugalidade
continuarão irredutíveis. As crises econômicas destinam-se não com a
destruição de riqueza, mas com sua redistribuição. Em cada crise existem
sempre alguns que ganham mais dinheiro em detrimento de outros. Nos
EUA, por exemplo, após a crise observa-se uma lenta recuperação, mas 93%
do Produto Interno Bruto (PIB) adicional criado beneficiou, somente, 1% da população.
Em seus livros, o senhor muitas vezes refere-se ao consumismo
da atual, pós-nova sociedade. Em que grau existe conciliação entre
consumismo e medidas de frugalidade?
Após 1970, existiu uma dominante cultura de poupança
e os homens não gastavam dinheiro, a menos que o tivessem ganho
anteriormente. Após 1970 e com a colaboração de políticos como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e, teóricos com o Milton Friedman (Escola de Chicago), o sistema capitalista percebeu que, havia terreno virgem que poderia ser conquistado. Rosa Luxemburgo
foi aquela que havia dito que, ‘o capitalismo rejuvenesce por
intermédio de novas regiões virgens’. Mas, previu equivocadamente que,
‘quando o sistema conquistar todas as regiões virgens, desabará’.
Porém, aquilo que não previu era que o capitalismo adquiriria a
capacidade de criar, tecnicamente, regiões virgens e apoderar-se delas. E
uma destas são os homens que não têm dívidas. Assim, foram inventadas
as cartas de crédito. Então, conformou-se uma cultura diferente daquela de poupança. Já agora, poderá alguém gastar o dinheiro que não ganhou ainda.
A fase de grande crescimento econômico, que durou desde os meados da
década de 1970 até o início do século XXI baseou-se sobre esta pressão
para endividamento. E quando alguém era devedor a
reação dos bancos não era como antigamente, de enviarem o encarregado de
cobrança, mas, ao contrário, enviavam uma carta muito gentil, com a
qual, ofereciam um novo empréstimo, para resgatar o anterior!
Isto prosseguiu durante três décadas até que Bill Clinton
(então presidente dos EUA) introduziu os empréstimos hipotecados de
alto risco, significando que até os homens que não poderiam cobrir seus
gastos poderiam contrair empréstimos habitacionais. Finalmente, esta
situação atingiu o inviável e, assim, foi criada a crise financeira. Apesar de tudo isso, a economia capitalista parece resistir. Temos o exemplo do movimento Ocupem Wall Street, o qual atraiu a atenção da mídia internacional. Mas o único lugar em que não foi sentida era a própria Wall Street, a qual continua funcionando com a exatamente mesma forma!
E este é problema. Predomina a ideia no cérebro, também, da senhora Angela Merkel
(chanceler alemã) e dos outros políticos, que a única forma é apoiar os
bancos para terem condição de concederem mais empréstimos. Mas esta é
uma política de andar às cegas, considerando que a região virgem do
capitalismo já está esgotada. Quem pudesse endividar-se, já
endividou-se! Até, inclusive, os netos de vocês já estão endividados,
não resta dúvida nenhuma. Eles – seus netos – continuarão pagando os 30
anos da orgia consumista. E enquanto, no início a
região virgem dos homens que endividavam-se resultava gigantescos
lucros, gradualmente, esses lucros foram reduzidos e agora são mínimos,
de acordo com a lei do desgaste de desempenho. Aquilo que acontece na Grécia agora é que o país investe em fantasmas.
Qual é a saída?
Me pedem para responder a uma pergunta, a qual, homens muito inteligentes, como Stiglitz (Joseph,
Prêmio Nobel de Economia), têm dificuldade para responderem. É muito
difícil serem encontradas soluções radicais. E aquilo que me preocupa, é
que, entre as instituições políticas de que dispomos, não existe sequer
uma em condição de proporcionar soluções de longo prazo. Todos os
governos são submissos às – de acordo com o Dr. R.D.Laing
– duplas instituições que, no caso dos governos, para utilizar uma
analogia, são constituídas das pressões que recebem. Por um lado para
serem reeleitos, devem ouvir as reivindicações do povo – querendo ou sem
querer – e prometerem que irão atendê-lo. Por outro, todos os governos –
de direita e de esquerda – são incapazes de cumprirem seus compromissos
pré-eleitorais, por causa das bolsas de valores e dos bancos.
Por exemplo, quando a senhora Merkel e o senhor Sarkozy (Nicolas,
então presidente da França) encontraram-se numa sexta-feira para
trocarem idéias sobre o memorando da Grécia, tomaram e também divulgaram
algumas decisões que os fizeram tremer durante o fim de semana inteiro
até abrirem as bolsas de valores na segunda-feira. Não sei se a opinião
do Dr. Laing está certa ou errada com a relação a família, mas julgo que tenho razão quando sustento que vigora no caso dos governos.
O mundo vota por decepção. Temos cada vez mais frequentes
alternativas entre direita e esquerda. No âmbito da mesmo crise, o
esquerdista Zapatero (José Luis Rordiguez, ex-primeiro-ministro da Espanha) foi derrotado pelo direitista Mariano Rajoy, enquanto, na França, o direitista Sarkozy foi derrotado pelo socialista François Hollande.
Isto, exatamente, é o que quero dizer com o termo duplas instituições.
Por um lado, a pressão da massa de eleitores e, por outro, o capital
mundial, bolsas de valores e investidores que superam (em poder)
qualquer governo.
Até, inclusive, os EUA estão superendividados. Imaginem os credores
do governo norte-americano (China é o maior) exigirem resgate imediato
de dívida. A economia norte-americana despencará num piscar de olhos. Em
condições de duplas instituições, tanto na psicologia, quanto na macroeconomia, não existe escape bem-sucedido. Deve ser mudado o sistema inteiro desde os alicerces, e isto demanda tempo.
Sim, precisa-se de solução radical. Qual é a opinião de vocês sobre
os movimentos do Sul Europeu? Nós esperamos que os movimentos de base
parecem sendo apoiados cada vez mais. É a primeira vez em que na Grécia
observam-se semelhanças com os meados da década de 1970, após a queda da
ditadura. Existe um ‘cerrar de fileiras’ dos cidadãos e julgamos que isto é um muito bom prenúncio e esperançoso. É a única esperança.
No Diário de um Ano Mau, o escritor sul-africano Coetzee
reexamina os princípios básicos que ordenam nosso pensamento, os
alicerces de nossa imaginação, que consideram-se fundamentais. Os
aceitamos silenciosamente. Kutsi não tem certeza e diz:
“Se queremos guerra, teremos guerra. Se queremos paz, podemos
adquiri-la. Se decidirmos que as nações devem agir em regime de
antagonismos e não de colaboração amigável, isto será feito”.
Consequentemente, qualquer mudança é viável. É questão de vontade
política. Em lugar de empresas privadas, podemos ter parcerias. Conforme
disse em meu discurso por ocasião de minha nomeação para o cargo de
vice-reitor de LSE (London School of Economics), meu
tema era análise sociológica do movimento trabalhista britânico. Como
desde a sua decadência no final do século XIX consolidou-se e adquiriu
poder no século XX. Não aconteceu graças aos bancos e sequer foi
financiado por instituições. Mas foi apoiado pela Associação dos Consumidores Rothschild,
que foi a primeira associação de consumidores no século XIX. Seus
membros decidiram deixar de adquirir das lojas, para não terem que pagar
os capitalistas, mas, distribuírem as arrecadações da associação aos
seus membros e as comunidades locais.
Rothschild não era o único, existiam outros, também.
Existiam o fundos de ajuda mútua que, com um pagamento mínimo, os
membros em caso de dificuldades poderiam contrair empréstimos para não
recorrem aos bancos. Estes fundos não eram especuladores. E,
consequentemente, não são produtos da imaginação de Kutsi, mas é viável o
fato de serem realizadas mudanças. Mas pressupõem revolução em nível de
cultura e da forma de pensar. Se, finalmente, a mudança da forma de
pensar já começou, é um lento processo a longo prazo que deve derrotar
adversários fortíssimos. Assim, quando falamos em soluções, o problema
maior não é o que encontraremos, mas, o que é necessário de ser feito. E
nisto podemos conseguir conjugação de pontos de vista. A questão é quem
o fará.
Talvez os cidadãos indignados?
Seguramente, não os partidos políticos de qualquer
coloração. E muito menos os governos, que não controlam a economia cujas
forças são mundiais. Os Estados, por definição são obrigados a agirem
nos âmbitos de fronteiras físicas e institucionais. A economia não
ocupa-se mais com o nível local, a legislação da nação, as preferências
ou sistema de valores de seus habitantes. Assim que for constatado
choque, pegam os laptop, os iPad e iPhones e transferem-se em países como o Bangldesh, onde encontram fácil acesso em mão-de-obra que custa US$ 2 por dia. Existe aquilo que o sociólogo espanhol Manuel Castels denomina ‘espaço dos fluxos’
(space of flows). Milhões de dólares são transferidos, apertando apenas
uma tecla no computador. Assim, então, por um lado temos o poder que é
liberado do controle político e, por outro, temos a política que,
incessantemente, sofre e déficit de poder, de vez que, o poder
desaparece no ‘espaço dos fluxos’.
O senhor quer dizer que a política é local, enquanto, o poder é mundial…
Exatamente. O mais fraco elo não é a comunidade, a
cidade ou qualquer outra forma de localização, mas, o próprio estado,
que é preso na armadilha entre dois fogos, da nação por um lado e, dos
mercados por outro. E as iniciativas que vocês mencionaram nascem no
nível subnacional. As instituições do nível nacional
(partidos políticos, governo, parlamento e outros) não podem enfrentar
esta dupla pressão. Já os cidadãos, em seu esforço para protegerem-se
das consequências destas forças anônimas dos mercados, reagem de forma
tradicional, isto é, organizam-se com seus conhecidos, vizinhos e todos
aqueles com os quais percebem juntos que a melhoria de seu espaço físico
terá repercussão positiva em todos e não é jogo de antagonismo com vencedores e vencidos.
Fala-se muito nestes dias sobre redes sociais…Sabem,
enfrento este termo com descrença. As redes sociais estão relacionadas
com a comunicação e a comunicação engloba, simultaneamente, a dinâmica
da ligação e a dinâmica do desligamento. Prefiro falar
sobre comunidade, porque este termo contém o sentido do compromisso,
algo que não vigora no caso das redes sociais. Hoje, qualquer um pode
ter centenas de amigos em uma rede online e, simplesmente, em algum
momento, encerrar a comunicação com alguns, sem ser preciso explicar a
razão ou pedir desculpa.
Como poderá ocorrer a mudança? Como é possível o sistema do
mercado permanecer tão estável em um ambiente de liquidez generalizada,
para utilizar os próprios termos do senhor?
Como lhes disse, não vejo alguma autoridade capaz de
impor algo diferente e, creio que, para existir passarão décadas, não é
algo que surgirá até as próximas eleições. A única solução radical que vejo é a consolidação de uma forma de vida, que tornará o sistema existente fora de uso. Quer dizer, encerrar-se o ceticismo
de alguém contrair empréstimo para adquirir automóvel ou em nível de
estados, de recorrerem ao endividamento para reduzirem os tributos para
os muito ricos e adotar-se uma forma de vida que proporcionará – em
algum grau – segurança para todos. Assim, em ambiente semelhante, os
especuladores não poderão fazer muito.
Quer dizer uma forma anticonsumista de vida?
Exatamente. A metade do problema é o excessivo consumismo,
o esbanjamento que predomina. E é por isso mesmo que nenhum provável
partido de poder não promete aos seus eleitores que combaterá o
consumismo. Não falamos, naturalmente, para frugalidade,
mas para mudança da forma de pensar e de forma de vida, com ênfase na
satisfação das necessidades e não a satisfação dos consumidores. O
mundo, então, não esbanja dinheiro para adquirir diversos gadgets como, por exemplo, você adquirir um novo telefone celular, enquanto o antigo continua funcionando perfeitamente.
Qual o senhor considera que será o papel dos intelectuais neste esforço?
O intelectualismo já tornou-se,
também, um produto que vende-se e compra-se e isto vale para todos,
tanto conservadores, quanto progressistas. Antigamente, vamos dizer na
década de 1930, existiam intelectuais com algum sonho, comunista ou até fascista. Hoje, os intelectuais com algum sonho são muito poucos.
Esta falta relaciona-se com a forma de ser e a comercialização do conhecimento?
Os processos da comercialização, da desregulação,
do individualismo caracterizam todos os lados da atual sociedade.
Assim, não existem mais ‘centros de peso’, pontos de encontro e
‘fábricas de solidariedade’. O mundo não tem percebido que vivemos a revolução industrial. Consequentemente, se agora vivemos uma pós-líquida revolução, somente seus filhos deverão conscientizar-se. Tudo é disperso, líquido.
Isto é excepcionalmente interessante!
O filósofo greco-francês Cornélios Castoriádis,
quando – por motivo de suas posições radicais – foi perguntado se sua
meta era mudar o mundo, respondeu: ‘Nem pensar. Nunca passou pela minha
cabeça mudar o mundo. Aquilo que desejo é mudar a humanidade por si só, a
exemplo de como já se fez tantas e tantas vezes no passado’. Esta é a
ótica de homem otimista.
O senhor concorda com esta avaliação, em análise final?
Não terei tempo de vê-la, porque será a longo prazo.
Contudo, espero que o século XXI será dedicado à religação de poder e
política, dentro de uma ação de silogismo e metas comuns. A diferença
entre posição otimista e pessimista é, pela minha opinião logicamente
equivocada, considerando que esgota todas as possibilidades. Quem é o otimista? Aquele que acredita que o mundo como está aqui e agora, é o melhor possível. Quem é o pessimista? Aquele que pensa de que talvez o otimista tem razão. Existe, também, Castoriádis
entre as duas posições, que diz que um outro mundo é viável e espera
que, em algum momento, isto será realizado. Quanto a mim, sou pessimista
em curto prazo e otimista em longo prazo. Não vejo mudanças radicais
muito em breve, mas estou seguro de que estão no programa.
---------
Fonte IHU online, 26/08/2015
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário