sexta-feira, 21 de agosto de 2015

FRANCISCO SALZANO - Quatro perguntas

 
Aos 87 anos, mais de 60 deles dedicados à ciência, o geneticista Francisco Salzano é uma das maiores referências na área – e tem especial interesse pela origem americana. Dono de honrarias como a Ordem do Mérito Científico Brasileiro e uma vaga na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, o pesquisador conversou com Zero Hora em sua sala na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O senhor viu teorias sobre a ocupação americana surgirem e serem derrubadas. O que mudou nesses anos?

Principalmente a tecnologia. Existem desde o século 19 hipóteses e também especulações sobre a origem do homem americano. Essas investigações tomaram um rumo mais eficiente, digamos, a partir dos estudos de genômica – em vez de estudar só um determinado fator genético, a gente estuda praticamente todo o material genético dos indivíduos.

A comprovação desses laços descendentes da Oceania contraria ou embasa hipóteses já existentes?

A ideia de que poderia ter havido alguma entrada de material fora da Ásia é antiga, mas ela era baseada principalmente em migrações através do Pacífico que, tanto quanto a gente possa avaliar agora, não foram possíveis. Outra alternativa foi proposta há duas décadas por um pesquisador brasileiro, Walter Neves, que através do exame da morfologia sugeriu que, além dessa entrada de pessoal da Ásia, teria havido também uma outra contribuição genética de um grupo mais antigo em termos evolucionários. E isso se refletiria em semelhanças com material de grupos não-asiáticos. As recentes descobertas podem até embasar essa teoria.

Como esses povos do sudeste da Ásia conseguiram chegar até aqui?

Até pouco tempo, os estudos genômicos apontavam sempre para uma só migração, basicamente da Ásia, e portanto não davam confirmação a essa hipótese de um negócio mais antigo. E agora encontramos que, em cerca de 2% dos genomas de alguns dos grupos que estudamos, se verificou essa assinatura genética: um sinal de uma população não asiática. Então, a interpretação que estamos fazendo é de que isso deve ser um resquício daquele grupo ancestral que se manteve ao longo dos tempos, inclusive participando do genoma desses povos asiáticos.

O que ainda é preciso descobrir para, enfim, desvendar essa origem?

São necessários novos estudos em material antigo. Nosso estudo é baseado em material recente, de pessoas vivas, e o grande desenvolvimento técnico dessas últimas décadas é a possibilidade de se estudar de maneira apropriada o DNA antigo, que provém de material de 10, 20 mil anos atrás. Isso abre novas perspectivas para toda a área da evolução humana. E não só em relação ao povoamento das Américas, mas toda uma área de investigação paleoantropológica mundial. Mas, por enquanto, as interrogações continuam. É próprio da ciência: quanto mais se estuda, mais se encontram novos problemas. Ainda falta responder muita coisa.
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Fonte: Zero Hora, caderno:Planeta Ciência, pág.6, 21/08/2015.
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