César Hidalgo – "Para que o conhecimento circule, não basta recorrer à
internet.
É preciso que um país esteja aberto a receber gente e empresas
de fora
e a inserir seus produtos numa cadeia global"
(David Sella/MIT/VEJA)
O físico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) diz que o grande motor do desenvolvimento é a capacidade da sociedade de armazenar e processar o conhecimento
Expoente do exponencial Media Lab, um dos mais inovadores centros de
estudos do conhecimento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT), nos Estados Unidos, o físico chileno César Hidalgo ganhou renome
por traduzir em gráficos engenhosos grandes massas de informação. Seu
campo de estudo é ainda mais amplo. Em 2009, em parceria com o
economista venezuelano Ricardo Hausmann, de Harvard, ele pôs de pé um
índice para medir a complexidade econômica. Isso o levou a uma
empreitada ambiciosa. No recém-lançado Why Information Grows (Por que a
Informação Aumenta), ele segue a trilha aberta por Robert Solow,
ganhador do Nobel de Economia, para quem não há crescimento sustentável
sem educação e conhecimento.
Quais são as consequências práticas de tentar entender os
mecanismos do crescimento econômico pela ótica da tecnologia da
informação?
O conceito de informação que utilizo não é o da linguagem cotidiana -
aquilo que encontramos em uma página de jornal ou em um tuíte. Meu
conceito vem da física, a disciplina em que me formei. Informação, nesse
contexto, é um sinônimo aproximado de ordem, de estrutura. No mundo das
coisas criadas pelo homem, tanto um cesto de vime quanto um carro
movido a energia elétrica são portadores de informação. Eles são
constituídos de tais e tais materiais, processados desta ou daquela
maneira, construídos de certa forma. O que varia é a complexidade da
informação. No carro elétrico, ela é muito maior que no cesto de vime.
Por que alguns grupos humanos só são capazes de produzir cestos,
enquanto outros são capazes de construir carros?
Como um grupo do primeiro tipo pode se transformar em um do segundo?
A forma de raciocínio que proponho lança luz sobre essas perguntas,
ao desvelar como uma sociedade acumula e processa informação e como
traduz isso em riqueza material. As economias mais pujantes são
justamente as mais eficientes nesse campo. Dito de outra maneira, o
crescimento de uma economia deriva do aumento da informação embutida
nela.
Pode-se resumir tudo em melhorar a educação?
Sim e não. Associar investimentos em educação a desenvolvimento é uma
armadilha, porque a complexidade econômica requer mais que isso. Para
um país se desenvolver, não basta ter gente educada. É preciso ter gente
educada e capaz de trabalhar de maneira coordenada com outras pessoas e
equipes. Voltando ao exemplo anterior, um cesto de vime pode ser feito
por uma única pessoa. É um saber que se passa de pai para filho. A
cadeia de conhecimento envolvida na criação de um carro elétrico é
imensamente maior. Em meu livro, estudo os casos de Gana e Tailândia.
Entre 1960 e 2010, Gana investiu mais em educação e alcançou um nível de
escolaridade melhor que o da Tailândia. Mas a estrutura produtiva de
Gana, ou seja, o que essas pessoas eram capazes de fazer quando se
reuniam em equipe, não era de alta complexidade. Eram produtos muito
simples, às vezes rudimentares. O esforço educacional em Gana não se
traduziu em aumento de sua complexidade econômica. A Tailândia, apesar
de ter uma média educacional mais baixa, cresceu muito mais rápido,
porque outros elementos culturais favoreciam o trabalho em equipe, a
combinação de conhecimento em cadeias produtivas e mercadorias finais
muito mais complexas.
Em que circunstâncias o investimento educacional é mais produtivo?
Um país não se desenvolve sem alguns pressupostos materiais, como um
bom sistema de transporte e comunicações, e sem níveis mínimos de
segurança pública, segurança jurídica e respeito aos contratos. Enfim,
fatores que afetam a capacidade de criação e execução de pessoas
trabalhando em grupo. O Brasil desenvolveu, nos últimos anos, políticas
louváveis de redução da desigualdade e desenvolvimento social. Mas o
melhor gestor da inclusão social não é o Estado. Os países onde a
desigualdade é mais baixa são justamente aqueles em que o grau de
complexidade econômica é mais alto. As economias de alta complexidade,
ou seja, aquelas em que os fatores econômicos, educacionais e
tecnológicos se entrelaçam em relações de interdependência e de
subordinação, põem em funcionamento um círculo virtuoso altamente
inclusivo.
Como medir a complexidade de uma economia?
Desde 2009, desenvolvo, com colegas de diversas disciplinas, um
indicador sobre isso, o Economic Complexity Index (ECI). Ele tem uma
versão brasileira, o DataViva,
fruto de uma parceria entre o MIT e o governo do Estado de Minas
Gerais. O índice atribui um peso à informação contida em cada produto,
do material à tecnologia e aos processos de gestão necessários para que
ele seja criado. A complexidade dos produtos de uma região revela muito
mais sobre ela do que o produto interno bruto (PIB), pois reflete os
investimentos em educação e o tempo de escolaridade da população. São
José dos Campos, em São Paulo, o berço da Embraer, é um centro produtor e
exportador de aviões. Portanto, juntam-se ali pessoas que entendem de
física, outras que sabem desenhar fuselagens e asas ou que dominam a
tecnologia da informação. A análise da complexidade de cidades como São
José dos Campos e dos produtos que saem delas serve de base para
estabelecer políticas que aumentem o potencial de crescimento de muitas
regiões.
O PIB não mede essas complexidades?
O PIB é uma medida agregada, que consiste na soma de produtos e
serviços em uma economia. Ele não considera os elementos que fazem um
país funcionar. O PIB pode ser exatamente o mesmo para uma economia que
produza carros e aviões e outra que exporte bananas e carvão, ainda que
elas tenham um DNA completamente diferente. O PIB não discerne a
capacidade produtiva de uma região, e isso faz dele um indicador
incompleto.
As nações de economia mais complexa são mais resistentes às crises periódicas do capitalismo?
Sim. Pelo indicador de complexidade, podemos saber se um país tem
estrutura produtiva capaz de absorver os investimentos e transformá-los
em riqueza. Muitos países apresentam renda per capita alta e crescimento
razoável, mesmo sem ter indústrias ou capacidade tecnológica. É o caso
da Grécia antes da crise. No outro extremo, situam-se a China e a Índia,
países de baixa renda per capita mas de economia complexa e amplos
recursos tecnológicos e de conhecimento especializado. Os investimentos
na China e na Índia se traduzem rapidamente em crescimento econômico que
evolui rumo a uma situação de equilíbrio estável entre produção e
renda. A Grécia, por seu turno, derreteu quando o dinheiro deixou de
entrar. Não há muita dúvida sobre qual modelo tem mais capacidade de
sobreviver aos grandes solavancos financeiros.
Parte do trabalho do MIT Media Lab é criar maneiras de
apresentar dados complexos e conhecimento em gráficos. Qual é a
importância da visualização de dados no processo de apreensão da
informação?
Somos programados biologicamente de tal forma que visualizar imagens
funciona muito melhor para a captação de informações do que ouvir,
sentir ou interpretar códigos alfabéticos ou numéricos. Os seres humanos
precisam ver para crer. Usada da maneira adequada, a visualização é
muito mais eficiente do que limitar-se às palavras. Transformar em
imagens os volumes gigantescos de dados que circulam pelo mundo digital
torna muito mais fácil entender seu significado. As ferramentas de
visualização de dados que produzimos no Media Lab permitem a gestores de
empresas ou administradores de cidades entender mais rapidamente
fenômenos muito complexos.
A perda de espaço da indústria para o setor de serviços é a
característica definidora da economia brasileira atual. Do ponto de
vista do índice de complexidade, isso é ruim?
O processo constante de desindustrialização do Brasil, combinado com o
aumento das barreiras comerciais, é um retrocesso. No começo deste
século, o país exportava muito mais maquinário, produtos químicos e
ônibus do que hoje. O peso desse tipo de exportação diminuiu em relação
ao das matérias-primas. Exportar commodities e ter um setor de serviços
vibrante não é, em si, uma condenação à ruína. Mas priorizar isso em
detrimento de desenvolver uma indústria eficiente e mundialmente
competitiva é um erro grave. O Brasil, a meu ver, deveria reavaliar a
prática de dar benefícios eternos a indústrias incapazes de competir com
os produtos importados. A retirada dos benefícios em um ritmo
suficientemente lento para evitar quebradeira criaria um efeito
revolucionário no país.
A abordagem ideológica das questões econômicas ainda tem lugar?
Argumentações ideológicas têm como premissa o fato de que a verdade
absoluta existe e está registrada no livro de algum economista ou
filósofo morto. Isso freia a liberdade de pensamento e a execução de
políticas pragmáticas em qualquer área do conhecimento, em especial na
economia. A argumentação científica, por outro lado, pressupõe que o
ponto de partida para tudo é a ignorância, e não o dogma.
A complexidade que se vê no Vale do Silício, nos Estados Unidos, é a prova de que sua teoria está certa?
O que se observa no Vale do Silício é uma interação altamente
complexa entre grupos, e não entre expressões individuais de
conhecimento. A educação de qualidade, o estímulo e as oportunidades se
combinaram ali para o surgimento de numerosos grupos de excelência. O
Vale se tornou um sistema tão complexo de produção de conhecimento que
seu funcionamento independe de um indivíduo qualquer. A melhor cabeça
poderia desaparecer agora de lá e isso não faria a menor diferença. O
sistema continuaria funcionando e aprimorando-se. A questão mais
interessante que o exemplo nos propõe é por que, havendo tanto dinheiro e
a mesma educação de qualidade em outras regiões dos Estados Unidos, não
surgiram outros polos tão inovadores. Por que o corredor tecnológico de
Boston, com tantas universidades de primeiro nível, foi superado pelo
Vale do Silício? Por que o Brasil é menos desenvolvido que os Estados
Unidos? A resposta é a mesma. Tudo depende da forma como as pessoas e as
empresas se integram em redes complexas.
Há atalhos para uma economia saltar da condição de baixa para alta complexidade?
Infelizmente, esse é um processo que requer tempo e esforço. Nos
países mal servidos de tecnologia, o dinheiro e as oportunidades
gravitam em torno de indústrias velhas. A abertura comercial e a
liberdade para o fluxo de pessoas e ideias são a receita para quebrar o
marasmo. Para que o conhecimento circule, não basta recorrer à internet,
é preciso que um país esteja aberto a trabalhar com grupos de outras
nações, esteja apto a receber empresas de outros lugares e, da mesma
forma, consiga inserir seus produtos numa cadeia global. É vital
entender a economia como um armazenador e processador de dados. A
economia só cresce se a capacidade de processamento se amplia, agregando
pessoas qualificadas, empreendedoras e que confiam umas nas outras.
Por que a confiança é importante?
A confiança diminui o custo de transação. Com ela, é mais fácil
interagir, os vínculos são mais sólidos e mais duradouros. Só assim é
possível participar de redes amplas, acumular conhecimento e,
eventualmente, atingir graus mais altos de complexidade. Sociedades com
baixo grau de confiança organizam-se em redes sociais menores e mais
frágeis, em que menos informação circula e a chance de fazer coisas
complexas é menor. A corrupção, sobretudo combinada com a impunidade, é o
indicador mais forte da falta de confiança em uma sociedade. É o veneno
que mata o desenvolvimento e a inovação.
---------------
Por: Ana Clara Costa
Fonte: Revista Veja on line, 16/08/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário