Fonte: http://goo.gl/JUvg63
“A juventude
aparece hoje como um valor em si mesmo. Na política, e a nível social
em geral, dizer que um político ou uma força política são jovens já
significa um atributo positivo”, afirma Pablo Vommaro (foto), autor do livro “Juventudes y políticas na Argentina e América Latina”, primeiro volume da coleção “As juventudes argentinas hoje: tendências, perspectivas, debates” (Grupo Editor Universitário). Pós-doutor em Ciências Sociais e pesquisador do Clacso, Vommaro destaca – em conversa com o jornal Página/12
– aspectos que identifica como as ramificações de um processo de
“juvenilização” e afirma que muitas disputas políticas, que são de
natureza ideológica, aparecem hoje sob a forma de “disputas
geracionais”: a nova política contra a velha.
Por que você propõe um “enfoque geracional” para estudar as juventudes e suas relações com as formas políticas?
Em parte, tem a ver com o deslocamento de duas conceituações que,
ainda que pareçam antigas, continuam em operação, sobretudo, no sentido
comum e em algumas políticas públicas. Por um lado, uma concepção dos
jovens em uma dimensão mais biologicista: a juventude apenas como ciclo
de vida.
A segunda questão que é importante considerar é a concepção da
juventude enquanto moratória. Ou seja, enquanto suspensão do ciclo de
vida, como um parêntese: não é criança, nem adulto, ainda não é cidadão,
ainda não é pai, ainda não é trabalhador. Está em um momento
propedêutico de introdução para quando for grande.
A perspectiva geracional permite se deslocar dessas duas
conceituações e, em segundo lugar, permite incorporar uma série de
dimensões sociais, culturais, históricas e relacionais que permite
encarar a juventude como uma produção social.
Este conceito mais maleável de juventude é o que permite identificar um processo de “juvenilização” na sociedade?
Totalmente, e eu acredito que é um dos processos mais estruturais,
que permite também entender o lugar importante da juventude hoje na
política. Eu acredito que no mundo contemporâneo há dois processos que
são a juvenilização e a feminização da sociedade.
A feminização tem a ver com um montão de atributos supostamente
femininos que hoje em dia estão difundidos por todas as dimensões
sociais. E a juvenilização responde a uma crescente importância e
valorização do juvenil no conjunto da vida social, não apenas dos jovens
como sujeitos, mas de atributos que podemos interpretar como juvenis.
Tanto nas dimensões culturais, nas pautas de consumo, estilos de vida,
na força de trabalho e em outros âmbitos, como as sexualidades ou as
migrações e, claro, na política.
A juventude é hoje um atributo valioso para a política?
Hoje, o juvenil se tornou um valor positivo, que gera adesões e
simpatias. Podemos dizer que a juventude aparece como um valor em si
mesmo. Na política, e a nível social em geral, dizer que um político ou
uma força política são jovens significa um atributo positivo. E é bom
pensar como isso foi construído, porque há 30, 40 anos, o que se
valorizava na política? A experiência. É o típico discurso de Perón, de Balbín:
“Eu sei governar e como já governei, quero continuar governando”. Hoje
em dia, salvo exceções, é “eu sou jovem, eu não sei de política”. O
paradoxal é Miguel Del Sel: “Eu sou um ator que não sei
ser deputado, não me interessa a política, não quero ser político:
votem em mim para governador porque não sou um político”.
Então, há uma questão de uma produtividade do jovem, há uma leitura
de conflitos políticos de cunho geracional. Ou seja, conflitos que na
realidade são de modelos políticos, de objetivos, de ideologia, que não
se apresentam como disputas ideológicas ou modelos políticos:
apresentam-se como disputas geracionais: a nova política contra a velha
política.
Os anos 1990 não foram anos de apatia e desmobilização juvenil, como se costuma dizer?
Os anos 1990 não foram um momento de apatia, nem de descompromisso,
nem de desinteresse militante. Foram um momento de recomposição
militante. Pode-se ver um ciclo em que nos anos 1980, e fortemente a
partir de 1983, há uma primavera de participação democrática que se
costuma ler como participação de juventudes partidárias: a Coordenação radical, a Juventude Universitária Intransigente, o MAS, a Juventude Universitária Peronista.
Porém, também há uma forte militância de bairro e uma militância em
movimentos como são os de direitos humanos, que não são estritamente
partidários. Pensa-se que os anos 1980 foram um momento de grande
participação política, com a crise da dívida, as leis de impunidade e um
montão de coisas que demonstraram que com a democracia não se comia,
não se educava e não se curava, ocorre um desencantamento cidadão muito
forte.
Então, veio o menemismo prometendo que recomporia
essa confiança. E vem os anos 1990 como um momento de resistência ao
neoliberalismo, mas com descompromisso, como uma resistência
fragmentada, a partir da individualidade, e com o aumento da pobreza,
desemprego, ruptura dos laços sociais. Tudo isso existiu e é um ponto,
mas os anos 1990 também foram um momento de ressignificação política, em
que a política nos bairros, a política de proximidade, a discussão da
representação sobre a participação e tudo o que emerge ou explode em
2001 começou a se gestar.
Então, eu diria que os anos 1990 não foram um momento de
descompromisso, mas, sim, de geração de outras formas de compromisso
político, alternativas ao sistema político e seus canais instituídos da
política.
O que aconteceu com os jovens após a crise de 2001?
Tudo isso que destaquei continua existindo, mas há também um retorno a
uma confiança no Estado e a um reencantamento com o público, que conta
com dois aspectos: por um lado, uma nova centralização no Estado como
arena de disputa ou como ferramenta de mudança social. Se nos anos 1990
se militava contra o Estado, após 2003, e claramente a partir de 2008,
há muitas juventudes que militam pelo Estado, para o Estado ou a partir
do Estado. E isso não tem apenas a ver com as juventudes kirchneristas,
mas com várias forças partidaristas em nível provincial e distrital.
Mas, também há um segundo processo que tem a ver com a ampliação do
público, com a aparição do público no estatal. Por exemplo, hoje surge
uma política pública que para ser eficiente precisa ser executada a
partir dos territórios e tem que se aliar com organizações sociais. Um
Estado já não pode operar quase nenhuma política pública sem que haja
pessoas que a militem.
Essa é uma das explicações possíveis do por que o kirchnerismo tanto enfatiza a juventude como um de seus pilares?
Sem dúvida. No kirchnerismo coexistem ao menos dois discursos sobre a
juventude que são bem interessantes, porque parecem contraditórios, mas
coexistem sem muito conflito. Por um lado, o que eu chamo de a juventude futuro:
uma apelação aos jovens como os dirigentes do futuro: “Vocês são meu
substituto”. Esse discurso, que é muito mais clássico, coexiste com o da
juventude presente, que é: “vocês possuem hoje a responsabilidade, assumam hoje a responsabilidade”.
Então, hoje o ministro da Economia é jovem, há lugar para os jovens
na lista de deputados. Estes discursos contraditórios também moldam
alguma política pública: há algumas políticas públicas que estão
pensando mais em formar os jovens para amanhã e outras que estão
pensando mais em como os jovens podem participar hoje.
Em seu livro, você destaca que houve uma ampliação de
direitos e políticas públicas que alcançaram os jovens, mas que, por sua
vez, continua mantendo um enfoque “adultocêntrico” na efetivação destas
medidas. A que se refere?
Acredito que as políticas públicas de juventude têm, sobretudo, duas
deficiências fundamentais: continuam sendo ‘adultocêntricas’ e não são
integrais. O ‘adultocêntrico’ tem a ver com políticas
públicas de juventude pensadas a partir do mundo adulto, sem
participação ou com participação subordinada dos jovens em sua
formulação. Sempre uso o exemplo das políticas de gênero: hoje é
impensável que qualquer política de gênero não conte com a participação
das mulheres em seu planejamento. Contudo, naturaliza-se que os adultos
formalizem políticas para os jovens. Tem muito a ver com a forma de
envolver a participação direta, não de jovens isolados, mas do
protagonismo de coletivos juvenis. Pensar em quais são as capacidades, o
que sabem fazer essas juventudes e como se pode aproveitar essas
capacidades para potencializar ou fortalecer uma política pública. E
como incorporar também as concepções que os jovens possuem sobre
determinados temas nas políticas públicas. Por exemplo, muitas políticas
de emprego continuam pensando em reinserir o jovem ou em melhorar sua
empregabilidade no mercado de trabalho, mas não se centram na concepção
que os jovens possuem hoje a respeito do trabalho, que é muito diferente
daquela de alguns anos atrás: é um trabalho que é muito mais vinculado à
satisfação de necessidades imediatas e ao consumo do que ao trabalho
como um percurso de vida, que me traz uma satisfação pessoal. Isto não é
incorporado nos planos de emprego e faz com que muitos planos
fracassem.
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A entrevista é de Delfina Torres Cabreros, publicada por Página/12, 31-07-2015. A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU online, 03/08/2015
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