“O que nos salvará é a honradez, a honestidade, a transparência, a
justiça, a bondade. A espiritualidade profunda, que, é claro, respeita a
missa, mas que encontra vida e futuro na ceia. Como disse São João da Cruz:
‘a ceia que recria e apaixona’"
Jesus instituiu a eucaristia em uma ceia, não em uma missa. Quer dizer, Jesus instituiu a eucaristia em uma refeição partilhada, não em um ritual religioso. E sabemos que Jesus acrescentou: “Fazei isto em memória de mim” (1 Cor 11, 24. 25; Lc 22, 19 b). A memória de Jesus está inseparavelmente unida ao fato de realizar o que realizou Jesus. E qualquer um que leia os evangelhos sabe que, exatamente nos evangelhos e em 1 Cor 11, 23-26,
a eucaristia está associada à refeição partilhada. Nos seis relatos da
multiplicação dos pães, especialmente no do evangelho de João (6), e na última ceia de Jesus
com seus apóstolos, eucaristia e companhia são realidades
inter-relacionadas. Ou seja, a eucaristia está vinculada ao fato de
partilhar com outras pessoas o que se tem para comer. A eucaristia não
está vinculada – nem somente, nem principalmente – a um ritual sagrado
que se observa exatamente de acordo com o estabelecido nas normas.
No entanto, acontece que, com o passar do tempo, a eucaristia se
tornou um ritual sagrado e deixou de ser uma ceia partilhada. Não é
possível saber exatamente quando isto aconteceu. Parece que ocorreu no
século III. O fato é que assim, mais uma vez e em um assunto de tanta
importância como este, a Religião se sobrepôs ao Evangelho. Uma desventurada mudança, que ocorreu muitas vezes na Igreja,
e que é a causa de um fenômeno muito frequente e que muitas vezes nem
percebemos. Porque certamente somos mais fiéis à Religião do que ao Evangelho.
E olha que – como estamos vendo – a religiosidade está em crise. O que é verdade. Temos desprezado a Religião. Contudo, temos desprezado ainda mais o Evangelho.
Afinal de contas, missas, casamentos, batizados, comunhões, confrarias,
padres e bispos, nós continuamos tendo. Mas, e os ensinamentos de Jesus
sobre a honradez, a justiça, a sinceridade, sobre o dinheiro e a
riqueza, sobre a sensibilidade diante do sofrimento humano, sobre a
liberdade diante dos poderes que oprimem e dominam as pessoas mais
fracas e desamparadas?
Se aqui falo sobre estas coisas, não é porque eu pretenda que
substituamos as missas por ceias. Isto nem é possível. Também não
resolveria as coisas. O problema mais sério, que nesse exato momento
temos, é que vemos que a economia melhora, mas não temos políticos que
saibam administrar as coisas de forma que essa melhora sirva para todos,
especialmente para aqueles que mais precisam. E as coisas se
acanalharam até o extremo de preferir – ou assentir – que nossos mares
sejam um imenso cemitério de desesperados, desde que esses desesperados
não venham nos incomodar. Aqui, não falo apenas da Espanha ou da Europa.
Falo do mundo todo.
É claro que há pessoas boas. Muito mais do que imaginamos. Diante do
fracasso da economia, da política, das mais avançadas tecnologias,
inclusive também diante da incapacidade das religiões para remediar
tanta dor, cresce e cresce o número de pessoas que para isto não veem
outra solução a não ser a busca de nossa mais profunda humanidade. O que
nos salvará é a honradez, a honestidade, a transparência, a justiça, a
bondade. A espiritualidade profunda, que, é claro, respeita a missa, mas
que encontra vida e futuro na ceia. Como disse São João da Cruz: “a ceia que recria e apaixona”.
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Texto: escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em seu blog Teología sin Censura, 05-08-2015.
A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU online, 07/08/2015
Foto; Fonte: http://goo.gl/kogz9x |
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