'A literatura do Brasil
precisava de uma porta-estandarte', diz Benjamin Moser criador da antologia
'The complete stories'
Obra traz 85 contos de Clarice e tem gerado dezenas de
resenhas com elogios no exterior, feito inédito entre brasileiros - Arte de
André Mello
RIO — Depois de
apresentar a história de Clarice Lispector ao mundo, em 2009, com a premiada
biografia “Why this world: a biography of Clarice Lispector” (no Brasil
publicada como “Clarice,”, pela Cosac Naify), o escritor americano Benjamin
Moser conseguiu, agora, outra proeza: fazer com que as pessoas de fato leiam a
obra da escritora brasileira.
Alguns dos melhores
críticos literários do mundo já o fizeram. E o resultado tem sido
surpreendente. Com a recém-lançada coletânea “The complete stories” (New
Directions), que reúne 85 contos da autora, editada por Moser e traduzida para o
inglês por Katrina Dodson, foram publicadas, nas últimas semanas, dezenas de
resenhas com elogios rasgados à obra de Clarice em alguns dos principais
suplementos literários do mundo. Só nos Estados Unidos, a “New York Book
Review” a pôs na capa, um feito inédito entre escritores brasileiros; o “Wall
Street Journal” a chamou de “Virginia Woolf brasileira”; a “Vanity Fair”
enunciou: “Chegou afinal o momento da brilhante escritora brasileira. Quase 40
anos depois de sua morte, os leitores não se cansam dela. E como não amá-la?”.
Além disso, desde ontem acontece em Nova York a Clarice Week, série de eventos
em homenagem à autora, que segue até o dia 27.
A “porta-estandarte
da literatura brasileira”, como brinca Moser, no entanto, não ganhou o posto só
pelo talento. Por trás de cada publicação, cada evento, cada crítica espantada
diante de “uma escritora da América Latina tão criativa quanto um Jorge Luis
Borges” está o lobby afetivo dele mesmo, o autointitulado presidente da escola
de samba Unidos de Clarice Lispector, que conta ao GLOBO seus truques para
ganhar esse carnaval.
Quantas
resenhas positivas já recebeu “The complete stories”?
São dezenas, entre
veículos nacionais e locais. Tenho tido a agradável surpresa de todos os dias
acordar com uma crítica elogiando os contos dela. E ainda virão muitas outras.
Qual a mais
importante simbolicamente?
Alcançar a capa da
“New York Book Review” é uma coisa himalaica. Não há espaço mais
importante no mundo dos livros do que esse. É uma coisa que muitos bons autores
americanos jamais conseguem em toda a carreira. É a coroação da Clarice. Nunca
nenhum brasileiro chegou lá, e não dá para desprezar a importância disso.
Como foi
possível conseguir essa repercussão?
Você tem sete dias
para escutar minha resposta? (risos) Comecei a esboçar esse projeto no
ano em que a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) homenageou a
Clarice, em 2005. Ela era totalmente desconhecida fora do Brasil. Ouvi de
muitas pessoas: “Clarice é conhecida na França”. Não, não era, era um pouco
conhecida na América Latina, mesmo assim, no ambiente acadêmico. E assim você
não chega à capa do jornal “Le Monde”. Nem no Brasil todo mundo gosta de
Clarice. Mas quem gosta fica louco o resto da vida. O que fiz foi listar as
pessoas que eu poderia empolgar.
Para biógrafo americano, Clarice é uma
escritora da América Latina tão criativa
quanto um Jorge Luis Borges - Agência O
Globo
Quem eram
essas pessoas?
Essa coisa de
Clarice, quem é sensível a ela, quem fica dedicado a essa obra e a essa
autora... São pessoas que eu reconheço. Até pela cara (risos). Eu sei
quem são. Falando com elas, dá para perceber. Há muita gente que sabe que ela é
um grande nome e que a leria como uma intelectual, mas que faria uma leitura
cerebral. Mas não é assim que a gente lê Clarice. Quem gosta mesmo gosta dela
emocionalmente, a entende de forma muito direta. Eu encontrei com essas pessoas
em lugares diversos. O Colm Tóibín (escritor irlandês), por exemplo, eu
encontrei num casamento, na Itália, e disse a ele: “Vou te agarrar! Quero você,
você entende, você é da seita”. E eu tive razão. Ele é justamente esse tipo de
pessoa (Tóibín depois escreveu a introdução da edição americana de “A hora
da estrela”).
Como você
reconhece um “clariciano” à distância?
Tenho um radar que
não falha. Depois de muitos anos, já sei quem vai fazer uma resenha mais
científica, meio seca, e quem vai fazer com entusiasmo, empolgação... Eu
conheço muita gente, de muitos lugares. Toda vez que vou a algum lugar, procuro
entregar meus livros. Eu mantenho minhas listas em dia, é um trabalho como o de
um publicitário. Eu comparo a uma campanha política: você junta pessoas para
fazer uma mudança na sociedade. É uma campanha para levar um autor que não
existia, por conta das traduções, a lugares que o receberiam com ânimo. Depois
de dez anos, essa explosão de agora é o resultado de muitos anos desse tipo de
campanha.
Há pouco entusiasmo
na divulgação dos escritores brasileiros no mundo?
Sim. A literatura do
Brasil precisava de uma porta-estandarte. Já há Machado de Assis,
evidentemente, mas falo de uma escritora mais moderna, do século XX. O talento
do escritor não é necessariamente o mesmo talento de quem sabe lidar com a
mídia. Vou falar algo que não sei se vai soar chato: muita gente despreza esse
trabalho de publicidade. Eu nunca desprezei. Você pode ter o melhor livro do
mundo, mas, se ninguém lê, de que adianta? Clarice é uma autora que eu queria
compartilhar.
Mas como fazer
com que leiam? Identificar um “clariciano” e entregar o livro é uma coisa,
outra é fazer com que as pessoas de fato leiam um livro de 700 páginas...
Vai demorar muito, eu
sei. O livro está sendo lançado oficialmente agora e, por enquanto, foi lido
por críticos. Mas eu queria que as pessoas primeiro soubessem o nome dela. Quem
ela é. Quando comecei, nem isso sabiam. Eu parti do nada. Hoje já sabem. Ler
Clarice é o próximo passo. Absorver é o seguinte. Ainda acho que o Brasil não
absorveu Clarice.
O que quer
dizer?
Não é uma coisa que
acontece de sexta-feira para segunda. Tenho muitos amigos no Brasil que leram
Clarice para o vestibular e dizem: “Naquele momento eu não estava pronto”. É a
primeira vez que uma mulher descreve todas as fases da vida de uma mulher.
Parece radical essa conclusão, mas refleti sobre isso quando escrevia a
introdução de “The complete stories”. Ela pode ser lida por pessoas de todas as
idades, é como os grandes músicos, os grandes pintores.
Essa ânsia do
elogio estrangeiro não é o nosso complexo de vira-latas? Por que é tão
importante que ela seja elogiada fora do Brasil?
Todo mundo gosta do
elogio da mãe, da avó, porque elas gostam da gente. Mas, quando o elogio vem de
fora, é diferente. É outra resposta de sete dias. Outro dia me chamaram de
brasilianista, o que não sou. O meu compromisso com Clarice é pessoal, foge à
etiqueta “nacional”. Eu vivo em vários países, sinto-me em casa em muitas línguas,
não gosto desse rótulo. A cultura é o que faz de nós humanos, independentemente
de ser do Uruguai ou do Japão. Agora, a coisa do complexo de vira-latas, claro,
é típica de países coloniais, e não é à toa. Aqui nos EUA também temos isso,
fazer sucesso em Paris, para um artista de Chicago, sempre é um grande sonho...
Eu nunca pretendi ser porta-voz da Clarice no Brasil, onde já é conhecida, eu
sempre quis levá-la para fora. O Brasil pensa demais no que é “da gente” e no
que é “de fora”. Isso é coisa para a alfândega (risos). Não me
interessa.
Você considera
seu trabalho com Clarice encerrado?
Não terminei com
Clarice ainda, ainda tenho uma década pela frente só de Clarice.
O que falta?
Na Holanda eu vou
lançar agora. Há outras coisas que estão surgindo na Inglaterra, Alemanha,
Itália. Sem falar do Brasil. É um compromisso eterno. Um casamento até que a
morte nos separe. Mas acho muito lindo perceber que o fato de Clarice estar
“bombando” no mundo inteiro possa ser uma notícia boa nessa onda de más notícias
para o Brasil. O mundo já está farto de más notícias, já sabemos de todos os
problemas do mundo, quero contar boas notícias.
Ainda há
informações que você busque sobre ela?
Sempre tem, é uma
vida. O que eu contei dela é uma parte pequena. Mas não quis chatear o mundo
com 80 volumes sobre Clarice. Eu vou descobrindo coisas sempre, como essa
conclusão a que cheguei enquanto escrevia a introdução do livro, de que falei
anteriormente. Mas dos pequenos causos, de gente que já a encontrou em
restaurantes, coisas assim, já me aposentei.
Quais dicas
você daria para promover um escritor brasileiro no exterior?
Outra resposta de
sete dias. É bom trabalhar numa coisa que te empolgue. É isso que vai te ajudar
a sobrepor os muitos obstáculos que surgirão. É muito fácil desistir porque
você se sente muito insistente. Eu sou muito insistente por conta desta
senhora. Os milhões de e-mails que eu mandei na minha vida por conta de Clarice
Lispector... Soa meio vago, mas o amor é fundamental.
Quais foram as
negativas que você ouviu?
“Por que tanto
trabalho por uma pessoa de quem ninguém ouviu falar?” foi o que mais ouvi. É
muito difícil encontrar energia positiva para sobrepor tantos entraves. Agora
todo mundo vê as maravilhas, mas tive milhões de rejeições. Cada vez que eu
conheço uma pessoa eu falo dela, eu tenho uma coluna de jornal em que estou
sempre escrevendo sobre ela. Algumas vezes, admito, fiquei de saco cheio.
Você está
escrevendo a biografia da escritora e crítica Susan Sontag (1933-2004). Ela tem
ciúmes da Clarice?
Ela tem, muito. Ontem
eu trabalhei o dia inteiro em detalhes sobre a Clarice Week e tinha que
encontrar no almoço uma pessoa para uma entrevista sobre Sontag. Eu juro que
ouvi ela dizendo: “Finalmente, você não me esqueceu, com essa outra dondoca aí!”
São dois espíritos iluminados. Eu lido com elas todos os dias. Mas às vezes tem
me atrapalhado com a Sontag, sim, preciso terminá-la. Mas este trabalho é como
fazer ginástica: quanto mais energia você emprega, mais você tem.
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REPORTAGEM
por Mariana Filgueiras / Fonte
Tudo aquilo que nos remeta e, concernente, diga respeito à Grandecíssima Obra Literária erigida e legada por Clarice Lispector, ainda, será pouco, tamanha a Dimensão de proporções exponencialmente devastadoras e avassaladoras, conquanto nos mantenhamos estritamente à observar os campos da Inovação e da Criatividade Ímpar, advindos do Cerne da Obra de Autora, deveras singular e inusitada. Saudações Cordiais, do Planta do Deserto, a quem, basta, tão somente, o orvalho do alvorecer...
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