sexta-feira, 21 de agosto de 2015

CLARICE LISPECTOR - Coletânea de Clarice Lispector ganha destaque na capa de suplementos literários pelo mundo


'A literatura do Brasil precisava de uma porta-estandarte', diz Benjamin Moser criador da antologia 'The complete stories'
 Obra traz 85 contos de Clarice e tem gerado dezenas de resenhas com elogios no exterior, feito inédito entre brasileiros Foto: Arte de André Mello
Obra traz 85 contos de Clarice e tem gerado dezenas de resenhas com elogios no exterior, feito inédito entre brasileiros - Arte de André Mello


RIO — Depois de apresentar a história de Clarice Lispector ao mundo, em 2009, com a premiada biografia “Why this world: a biography of Clarice Lispector” (no Brasil publicada como “Clarice,”, pela Cosac Naify), o escritor americano Benjamin Moser conseguiu, agora, outra proeza: fazer com que as pessoas de fato leiam a obra da escritora brasileira.

Alguns dos melhores críticos literários do mundo já o fizeram. E o resultado tem sido surpreendente. Com a recém-lançada coletânea “The complete stories” (New Directions), que reúne 85 contos da autora, editada por Moser e traduzida para o inglês por Katrina Dodson, foram publicadas, nas últimas semanas, dezenas de resenhas com elogios rasgados à obra de Clarice em alguns dos principais suplementos literários do mundo. Só nos Estados Unidos, a “New York Book Review” a pôs na capa, um feito inédito entre escritores brasileiros; o “Wall Street Journal” a chamou de “Virginia Woolf brasileira”; a “Vanity Fair” enunciou: “Chegou afinal o momento da brilhante escritora brasileira. Quase 40 anos depois de sua morte, os leitores não se cansam dela. E como não amá-la?”. Além disso, desde ontem acontece em Nova York a Clarice Week, série de eventos em homenagem à autora, que segue até o dia 27.

A “porta-estandarte da literatura brasileira”, como brinca Moser, no entanto, não ganhou o posto só pelo talento. Por trás de cada publicação, cada evento, cada crítica espantada diante de “uma escritora da América Latina tão criativa quanto um Jorge Luis Borges” está o lobby afetivo dele mesmo, o autointitulado presidente da escola de samba Unidos de Clarice Lispector, que conta ao GLOBO seus truques para ganhar esse carnaval.

Quantas resenhas positivas já recebeu “The complete stories”?
São dezenas, entre veículos nacionais e locais. Tenho tido a agradável surpresa de todos os dias acordar com uma crítica elogiando os contos dela. E ainda virão muitas outras.

Qual a mais importante simbolicamente?
Alcançar a capa da “New York Book Review” é uma coisa himalaica. Não há espaço mais importante no mundo dos livros do que esse. É uma coisa que muitos bons autores americanos jamais conseguem em toda a carreira. É a coroação da Clarice. Nunca nenhum brasileiro chegou lá, e não dá para desprezar a importância disso.

Como foi possível conseguir essa repercussão?
Você tem sete dias para escutar minha resposta? (risos) Comecei a esboçar esse projeto no ano em que a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) homenageou a Clarice, em 2005. Ela era totalmente desconhecida fora do Brasil. Ouvi de muitas pessoas: “Clarice é conhecida na França”. Não, não era, era um pouco conhecida na América Latina, mesmo assim, no ambiente acadêmico. E assim você não chega à capa do jornal “Le Monde”. Nem no Brasil todo mundo gosta de Clarice. Mas quem gosta fica louco o resto da vida. O que fiz foi listar as pessoas que eu poderia empolgar.
 

Para biógrafo americano, Clarice é uma escritora da América Latina tão criativa 
quanto um Jorge Luis Borges - Agência O Globo
Quem eram essas pessoas?
Essa coisa de Clarice, quem é sensível a ela, quem fica dedicado a essa obra e a essa autora... São pessoas que eu reconheço. Até pela cara (risos). Eu sei quem são. Falando com elas, dá para perceber. Há muita gente que sabe que ela é um grande nome e que a leria como uma intelectual, mas que faria uma leitura cerebral. Mas não é assim que a gente lê Clarice. Quem gosta mesmo gosta dela emocionalmente, a entende de forma muito direta. Eu encontrei com essas pessoas em lugares diversos. O Colm Tóibín (escritor irlandês), por exemplo, eu encontrei num casamento, na Itália, e disse a ele: “Vou te agarrar! Quero você, você entende, você é da seita”. E eu tive razão. Ele é justamente esse tipo de pessoa (Tóibín depois escreveu a introdução da edição americana de “A hora da estrela”).

Como você reconhece um “clariciano” à distância?
Tenho um radar que não falha. Depois de muitos anos, já sei quem vai fazer uma resenha mais científica, meio seca, e quem vai fazer com entusiasmo, empolgação... Eu conheço muita gente, de muitos lugares. Toda vez que vou a algum lugar, procuro entregar meus livros. Eu mantenho minhas listas em dia, é um trabalho como o de um publicitário. Eu comparo a uma campanha política: você junta pessoas para fazer uma mudança na sociedade. É uma campanha para levar um autor que não existia, por conta das traduções, a lugares que o receberiam com ânimo. Depois de dez anos, essa explosão de agora é o resultado de muitos anos desse tipo de campanha.

Há pouco entusiasmo na divulgação dos escritores brasileiros no mundo?
Sim. A literatura do Brasil precisava de uma porta-estandarte. Já há Machado de Assis, evidentemente, mas falo de uma escritora mais moderna, do século XX. O talento do escritor não é necessariamente o mesmo talento de quem sabe lidar com a mídia. Vou falar algo que não sei se vai soar chato: muita gente despreza esse trabalho de publicidade. Eu nunca desprezei. Você pode ter o melhor livro do mundo, mas, se ninguém lê, de que adianta? Clarice é uma autora que eu queria compartilhar.

Mas como fazer com que leiam? Identificar um “clariciano” e entregar o livro é uma coisa, outra é fazer com que as pessoas de fato leiam um livro de 700 páginas...
Vai demorar muito, eu sei. O livro está sendo lançado oficialmente agora e, por enquanto, foi lido por críticos. Mas eu queria que as pessoas primeiro soubessem o nome dela. Quem ela é. Quando comecei, nem isso sabiam. Eu parti do nada. Hoje já sabem. Ler Clarice é o próximo passo. Absorver é o seguinte. Ainda acho que o Brasil não absorveu Clarice.

O que quer dizer?
Não é uma coisa que acontece de sexta-feira para segunda. Tenho muitos amigos no Brasil que leram Clarice para o vestibular e dizem: “Naquele momento eu não estava pronto”. É a primeira vez que uma mulher descreve todas as fases da vida de uma mulher. Parece radical essa conclusão, mas refleti sobre isso quando escrevia a introdução de “The complete stories”. Ela pode ser lida por pessoas de todas as idades, é como os grandes músicos, os grandes pintores.

Essa ânsia do elogio estrangeiro não é o nosso complexo de vira-latas? Por que é tão importante que ela seja elogiada fora do Brasil?
Todo mundo gosta do elogio da mãe, da avó, porque elas gostam da gente. Mas, quando o elogio vem de fora, é diferente. É outra resposta de sete dias. Outro dia me chamaram de brasilianista, o que não sou. O meu compromisso com Clarice é pessoal, foge à etiqueta “nacional”. Eu vivo em vários países, sinto-me em casa em muitas línguas, não gosto desse rótulo. A cultura é o que faz de nós humanos, independentemente de ser do Uruguai ou do Japão. Agora, a coisa do complexo de vira-latas, claro, é típica de países coloniais, e não é à toa. Aqui nos EUA também temos isso, fazer sucesso em Paris, para um artista de Chicago, sempre é um grande sonho... Eu nunca pretendi ser porta-voz da Clarice no Brasil, onde já é conhecida, eu sempre quis levá-la para fora. O Brasil pensa demais no que é “da gente” e no que é “de fora”. Isso é coisa para a alfândega (risos). Não me interessa.

Você considera seu trabalho com Clarice encerrado?
Não terminei com Clarice ainda, ainda tenho uma década pela frente só de Clarice.

O que falta?
Na Holanda eu vou lançar agora. Há outras coisas que estão surgindo na Inglaterra, Alemanha, Itália. Sem falar do Brasil. É um compromisso eterno. Um casamento até que a morte nos separe. Mas acho muito lindo perceber que o fato de Clarice estar “bombando” no mundo inteiro possa ser uma notícia boa nessa onda de más notícias para o Brasil. O mundo já está farto de más notícias, já sabemos de todos os problemas do mundo, quero contar boas notícias.

Ainda há informações que você busque sobre ela?
Sempre tem, é uma vida. O que eu contei dela é uma parte pequena. Mas não quis chatear o mundo com 80 volumes sobre Clarice. Eu vou descobrindo coisas sempre, como essa conclusão a que cheguei enquanto escrevia a introdução do livro, de que falei anteriormente. Mas dos pequenos causos, de gente que já a encontrou em restaurantes, coisas assim, já me aposentei.

Quais dicas você daria para promover um escritor brasileiro no exterior?
Outra resposta de sete dias. É bom trabalhar numa coisa que te empolgue. É isso que vai te ajudar a sobrepor os muitos obstáculos que surgirão. É muito fácil desistir porque você se sente muito insistente. Eu sou muito insistente por conta desta senhora. Os milhões de e-mails que eu mandei na minha vida por conta de Clarice Lispector... Soa meio vago, mas o amor é fundamental.

Quais foram as negativas que você ouviu?
“Por que tanto trabalho por uma pessoa de quem ninguém ouviu falar?” foi o que mais ouvi. É muito difícil encontrar energia positiva para sobrepor tantos entraves. Agora todo mundo vê as maravilhas, mas tive milhões de rejeições. Cada vez que eu conheço uma pessoa eu falo dela, eu tenho uma coluna de jornal em que estou sempre escrevendo sobre ela. Algumas vezes, admito, fiquei de saco cheio.

Você está escrevendo a biografia da escritora e crítica Susan Sontag (1933-2004). Ela tem ciúmes da Clarice?
Ela tem, muito. Ontem eu trabalhei o dia inteiro em detalhes sobre a Clarice Week e tinha que encontrar no almoço uma pessoa para uma entrevista sobre Sontag. Eu juro que ouvi ela dizendo: “Finalmente, você não me esqueceu, com essa outra dondoca aí!” São dois espíritos iluminados. Eu lido com elas todos os dias. Mas às vezes tem me atrapalhado com a Sontag, sim, preciso terminá-la. Mas este trabalho é como fazer ginástica: quanto mais energia você emprega, mais você tem.
-------------
REPORTAGEM  por Mariana Filgueiras / Fonte

Um comentário:

  1. Tudo aquilo que nos remeta e, concernente, diga respeito à Grandecíssima Obra Literária erigida e legada por Clarice Lispector, ainda, será pouco, tamanha a Dimensão de proporções exponencialmente devastadoras e avassaladoras, conquanto nos mantenhamos estritamente à observar os campos da Inovação e da Criatividade Ímpar, advindos do Cerne da Obra de Autora, deveras singular e inusitada. Saudações Cordiais, do Planta do Deserto, a quem, basta, tão somente, o orvalho do alvorecer...

    ResponderExcluir