Carlos Gerbase*
A obra de Michel Houellebecq pode ser acusada de várias coisas, mas
nunca de submissão. Aí está um autor que não tem medo de afrontar as
convenções literárias, as tradições culturais, as regras da boa educação
e até a convicção humanista – partilhada pela esquerda e por uma
parcela significativa da direita democrática – de que devemos lutar por
um mundo melhor. Houellebecq não acredita num mundo melhor. Ele escreve
sobre um mundo cada vez pior e ainda ri disso. Ele é quase intragável,
ele é quase insuportável, ele é quase detestável, e por isso é, também,
imprescindível.
O lançamento de seu livro mais recente, Submissão, teve a sorte (comercial) e o azar (estético) de coincidir com o ataque à Charlie Hebdo, e muita gente acha que o enredo é sobre o terrorismo fundamentalista. Não é. O personagem principal do romance, professor universitário na Sorbonne Nouvelle Paris 3, acompanha a ascensão política e a vitória nas urnas (com o apoio da esquerda, que assim evita um governo da Frente Nacional) de um presidente islâmico que imediatamente inicia uma reforma cultural na França. O regime laico é substituído por um estado guiado por preceitos religiosos e generosamente abastecido por petrodólares.
Para quem acha que Houellebecq é fantasioso demais, lembro de recente proposta de deputado federal brasileiro para emendar a nossa constituição, que passaria a dizer que todo o poder emana de Deus (e não do povo, como está escrito desde 1988). Não passou. Por enquanto. Na França ficcional de Houellebecq tudo vai passando e se tornando cotidiano, aos poucos, numa lógica aparentemente democrática, e por isso muito assustadora.
Contudo, Submissão não é um livro de terror. Não tem sangue, nem sustos, nem vilões terríveis. É uma narrativa de suspense em torno de um dos personagens mais pulhas, egoístas e desprezíveis de todos os tempos, que reflete sobre o que está acontecendo a partir de um niilismo negativo e conformista (o positivo, como ensina Nietzsche, é direcionado à mudança e à superação). O professor criado por Houellebecq nos ensina que o ser humano médio, submetido às manipulações adequadas, é capaz de aceitar qualquer coisa em troca de um bom salário e duas esposas submissas.
O lançamento de seu livro mais recente, Submissão, teve a sorte (comercial) e o azar (estético) de coincidir com o ataque à Charlie Hebdo, e muita gente acha que o enredo é sobre o terrorismo fundamentalista. Não é. O personagem principal do romance, professor universitário na Sorbonne Nouvelle Paris 3, acompanha a ascensão política e a vitória nas urnas (com o apoio da esquerda, que assim evita um governo da Frente Nacional) de um presidente islâmico que imediatamente inicia uma reforma cultural na França. O regime laico é substituído por um estado guiado por preceitos religiosos e generosamente abastecido por petrodólares.
Para quem acha que Houellebecq é fantasioso demais, lembro de recente proposta de deputado federal brasileiro para emendar a nossa constituição, que passaria a dizer que todo o poder emana de Deus (e não do povo, como está escrito desde 1988). Não passou. Por enquanto. Na França ficcional de Houellebecq tudo vai passando e se tornando cotidiano, aos poucos, numa lógica aparentemente democrática, e por isso muito assustadora.
Contudo, Submissão não é um livro de terror. Não tem sangue, nem sustos, nem vilões terríveis. É uma narrativa de suspense em torno de um dos personagens mais pulhas, egoístas e desprezíveis de todos os tempos, que reflete sobre o que está acontecendo a partir de um niilismo negativo e conformista (o positivo, como ensina Nietzsche, é direcionado à mudança e à superação). O professor criado por Houellebecq nos ensina que o ser humano médio, submetido às manipulações adequadas, é capaz de aceitar qualquer coisa em troca de um bom salário e duas esposas submissas.
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* Escritor.
Fonte: ZH online, 13/08/2015
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