Eugene Kaspersky
Presidente de uma das maiores empresas
de antivírus do mundo,
crê que ameaças na internet
atingiram escala inédita
Entrevista com Eugene Kaspersky
Presidente da Kaspersky Labs
Uma das mais conhecidas empresas de antivírus do mundo, a russa Kaspersky,
foi acusada na semana passada de espalhar ameaças falsas de vírus por
dez anos para prejudicar seus concorrentes. De passagem por São Paulo
para um evento, o presidente da empresa, Eugene Kaspersky, conversou com o jornal O Estado de S. Paulo.
O sr. negou a acusação de práticas desleais. De onde acha que surgiu essa denúncia?
Eugene Kaspersky:
Esse tipo de matéria costuma sair logo depois de uma grande revelação
de espionagem por parte de países ocidentais, como Estados Unidos da
América (EUA) ou Israel. Em outras ocasiões, fui acusado de ser um
espião russo. Para fazer o que me acusam eu teria que ter engenheiros,
especialistas em antivírus, em bancos de dados, em infraestrutura. É um
grupo de pessoas, trabalhando o tempo todo, por cerca de 10 anos, para
fazer isso, e mantendo segredo. Seria muito caro!
Como é sua relação com o governo russo?
E.K.: Há
muitos tipos de relações com governos, e com departamentos de governos,
incluindo com o Brasil. Há muitos departamentos governamentais lidando
com o cibercrime e órgãos nacionais de cibersegurança com os quais
mantemos contato. É claro que estamos em contato com os órgãos russos.
Assim como os de vários países europeus, das Américas do norte e do sul,
da Ásia. A Scotland Yard é nosso cliente. Nós fazemos treinamentos com
eles. E aí existem os setores de inteligência, os espiões, mantemos
distância destes.
Que serviços a empresa presta para o governo brasileiro?
E.K.: Várias
instituições em vários níveis, municipal, estadual e federal, usam
nossos produtos como usuários. Agora temos colaborações para procurar
ameaças sendo desenvolvidas aqui no Brasil. Temos um laboratório de
análise de malwareaqui que nos permite coletar e capturar
informações em primeira mão. Conseguimos rapidamente coletar amostras e
podemos mandar para Moscou para análise posterior e isso ajuda no
desenvolvimento de produtos.
Este
ano tem sido pródigo em ciberataques, incluindo o que atingiu cerca de
100 bancos, revelado em fevereiro. Estamos vivendo um aumento do
cibercrime?
E.K.: O
cibercrime está cada vez mais profissional. Já tem uma experiência
acumulada, aprenderam com erros, prisões, cooperam em nível
internacional, trocam e vendem tecnologias, bancos de dados roubados
entre países. Nada nisso é novo, mas a escala não para de crescer.
E o que isso pode significar em termos de ameaças à segurança na rede?
E.K.: Ataques que resultam em danos na infraestrutura física. Até agora aconteceram apenas dois casos desse tipo: o Stuxnet
(que invadiu usinas nucleares na Índia e Irã, em 2010) e um ataque a
uma siderúrgica alemã no fim do ano passado, onde sistemas de controle
foram manipulados a ponto de impedir o fechamento de um alto-forno, o
que causou grandes danos à empresa.
Você acredita que governos e autoridades estão se preparando para esse tipo de ocorrência?
E.K.: Infelizmente,
não. Existem três estágios para lidar com o problema. O primeiro é
entender que ele existe, e a maioria entende isso. O segundo é
desenvolver uma estratégia para lidar com ele e o terceiro é colocá-lo
em prática. A maior parte dos governos está no primeiro estágio. Eles
têm as informações, mas não sabem o que fazer, incluindo o governo
norte-americano. Uma das exceções é Cingapura.
Como o sr. classificaria a vulnerabilidade do Brasil?
E.K.: Infelizmente,
quase todos os países estão no mesmo nível, pois usam os mesmos
sistemas e hardware. É difícil medir qual é o mais seguro. O Brasil, por
exemplo, não tem os mesmos recursos que os EUA para se proteger, mas é
um alvo de importância muito menor. Nesse sentido, o país mais seguro do
mundo seria algum como o Zimbábue ou uma ilha da Oceania. Países como
EUA, Reino Unido, Israel, Rússia, tem cibersegurança de primeira linha,
mas ao mesmo tempo são os melhores alvos.
O crescimento da internet das coisas trará mais perigos?
E.K.: Eu
a chamo de “internet das ameaças”. É questão de tempo até que um
aparelho seja invadido. Os grandes fabricantes entendem os riscos, mas
muitas vezes cometem erros bobos que permitem que seus novos sistemas
sejam invadidos. Objetos críticos, como carros, são conectados à
internet e infelizmente são vulneráveis. Por questões de competitividade
e a necessidade de lançar logo, a segurança fica em segundo plano. E já
pensou nos aviões? Teremos cada vez mais trabalho nas mãos.
Você tem alguma boa notícia para dar?
E.K.: Nós vamos sobreviver (risos).
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Reportagem por Camilo Rocha
Fonte: Estadão online, 26/08/2015
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