Entrevista Saskia Sassen
Socióloga, professora da Columbia University
“Protestos usam espaço público como rua global para a política”
A senhora disse em uma entrevista, em 2006, que sempre se sentiu desconfortável com noções como economia global e que está interessada no ponto em que a situação fica bagunçada. Dentro de seu ponto de vista, quão “bagunçado” foi o crash da bolsa de 2008 e quais foram as suas consequências para a chamada “economia global”?
Ah, você me fez rir aqui. “Bagunçado”, que grande palavra, especialmente quando a usamos para descrever alguns dos setores econômicos mais ricos, complexos e importantes. Aqui está uma resposta para as duas questões distintas que você levanta na sua pergunta: minha objeção à noção de “economia global” é que ela privilegia determinados setores, empresas cujo caráter global é visível e autoevidente. É uma noção que deixa de fora toda uma variedade de empresas não muito poderosas, muitas vezes de países mais pobres, que estão tentando entrar nos circuitos econômicos globais, mas com frequência não são capazes disso ou não têm o acesso permitido pelas poderosas megacorporações dominantes.
E como as grandes corporações diminuem o espaço para as empresas menores e mais pobres?
Essas corporações gostam de entrar em novos países e capturar todo o mercado que houver para capturar, destruindo as pequenas empresas locais. O conceito de “economia global” com frequência também deixa de fora as economias modestas, mas muitas vezes globais, feitas por imigrantes ou por pequenos empreendedores de países ricos e pobres. A “economia global” é uma hidra de muitas cabeças, com algumas partes boas e outras muito destrutivas. Prefiro falar em um conjunto de tipos muito diferentes de mercados e empresas que estão operando além das fronteiras – algumas são economias predatórias destruindo economias locais, e algumas são empreendimentos modestos que estão contribuindo para fortalecer as suas modestas economias nacionais.
Como a crise financeira se encaixa nesse quadro?
Eu tenho escrito extensamente sobre a atual crise financeira. Um dos argumentos básicos que desenvolvo em meu novo livro Expulsões (que deve sair no Brasil pela editora Paz e Terra no início de 2016) é que esta crise, como outras passadas, efetivamente destruiu empresas e permitiu a concentração de mais poder nas mãos das corporações mais poderosas. Uma crise financeira é um evento muito ambíguo. Frequentemente tem servido para produzir mais concentração da economia do que antes. Um elemento adicional na crise de 2008 é que ela serviu como um instrumento para que governos ricos dessem ainda mais dinheiro para os grandes bancos. De fato, no caso dos Estados Unidos, nosso Banco Central repassou secretamente mais de US$ 7 trilhões para o sistema bancário internacional (incluindo aí bancos estrangeiros de países muito ricos, como Alemanha e Suíça). Além disso, acrescentou outros US$ 7 trilhões à assim chamada “flexibilização quantitativa”. O que isso realmente significa, à parte o nome chique, é que dinheiro muito barato (menos de 2% de juros) é transferido para os setores bancários e corporativos (só os grandes bancos). Esse dinheiro barato é composto, em sua maioria, dos impostos pagos pelo povo de um país.
A senhora já usou o conceito de “rua global” para analisar movimentos ao redor do mundo. Pode explicar um pouco melhor o que quer dizer com isso?
Muito do espaço público é constituído pela encenação de práticas ritualizadas – pense nas pessoas em um parque. Por meio de suas práticas elas compõem um evento social. Estou interessada nisso, mais ainda em como um evento político pode ser constituído, não no sentido amplo, mas no sentido de que aquele espaço público pode conter tanto os poderosos quando os sem poder. Mas para que isso aconteça, você precisa de um espaço público indeterminado... e a rua é um desses lugares. Um exemplo familiar do espaço ritual é o que os italianos chamam de “passeggiata”, um passeio lento pelas principais ruas de uma cidade durante a tarde de domingo ou em um dia da semana à noite para que famílias inteiras possam se vestir, sair e desfrutar a presença ritualizada dos outros. Este é um uso tradicional do espaço público. Uma multidão de pessoas correndo para trabalhar em uma segunda-feira pela manhã é uma prática tão ritualizada quanto. Você pode esbarrar em alguém, pisar no pé de alguém e ninguém vai se ofender. Se o mesmo acontecesse durante uma caminhada no parque, a reação das pessoas seria completamente diferente. O rush da manhã é regido por regras diferentes, digamos, da passeggiata, mas ainda é altamente previsível. Outra maneira histórica de usar o espaço público surge quando ele se torna um espaço para fazer – fazer o social e o político. A rua global é esse lugar. Os protestos que observamos há três anos nos países árabes, na Europa, nos Estados Unidos e também na América do Sul não eram parte do uso ritual do espaço público, como passeios de domingo e a correria dos dias úteis. Não era a praça, era a rua global – um espaço para criar o político, o social.
“Esta crise, como outras, aumentou a concentração de poder das grandes empresas”
Socióloga, professora da Columbia University
“Protestos usam espaço público como rua global para a política”
A senhora disse em uma entrevista, em 2006, que sempre se sentiu desconfortável com noções como economia global e que está interessada no ponto em que a situação fica bagunçada. Dentro de seu ponto de vista, quão “bagunçado” foi o crash da bolsa de 2008 e quais foram as suas consequências para a chamada “economia global”?
Ah, você me fez rir aqui. “Bagunçado”, que grande palavra, especialmente quando a usamos para descrever alguns dos setores econômicos mais ricos, complexos e importantes. Aqui está uma resposta para as duas questões distintas que você levanta na sua pergunta: minha objeção à noção de “economia global” é que ela privilegia determinados setores, empresas cujo caráter global é visível e autoevidente. É uma noção que deixa de fora toda uma variedade de empresas não muito poderosas, muitas vezes de países mais pobres, que estão tentando entrar nos circuitos econômicos globais, mas com frequência não são capazes disso ou não têm o acesso permitido pelas poderosas megacorporações dominantes.
E como as grandes corporações diminuem o espaço para as empresas menores e mais pobres?
Essas corporações gostam de entrar em novos países e capturar todo o mercado que houver para capturar, destruindo as pequenas empresas locais. O conceito de “economia global” com frequência também deixa de fora as economias modestas, mas muitas vezes globais, feitas por imigrantes ou por pequenos empreendedores de países ricos e pobres. A “economia global” é uma hidra de muitas cabeças, com algumas partes boas e outras muito destrutivas. Prefiro falar em um conjunto de tipos muito diferentes de mercados e empresas que estão operando além das fronteiras – algumas são economias predatórias destruindo economias locais, e algumas são empreendimentos modestos que estão contribuindo para fortalecer as suas modestas economias nacionais.
Como a crise financeira se encaixa nesse quadro?
Eu tenho escrito extensamente sobre a atual crise financeira. Um dos argumentos básicos que desenvolvo em meu novo livro Expulsões (que deve sair no Brasil pela editora Paz e Terra no início de 2016) é que esta crise, como outras passadas, efetivamente destruiu empresas e permitiu a concentração de mais poder nas mãos das corporações mais poderosas. Uma crise financeira é um evento muito ambíguo. Frequentemente tem servido para produzir mais concentração da economia do que antes. Um elemento adicional na crise de 2008 é que ela serviu como um instrumento para que governos ricos dessem ainda mais dinheiro para os grandes bancos. De fato, no caso dos Estados Unidos, nosso Banco Central repassou secretamente mais de US$ 7 trilhões para o sistema bancário internacional (incluindo aí bancos estrangeiros de países muito ricos, como Alemanha e Suíça). Além disso, acrescentou outros US$ 7 trilhões à assim chamada “flexibilização quantitativa”. O que isso realmente significa, à parte o nome chique, é que dinheiro muito barato (menos de 2% de juros) é transferido para os setores bancários e corporativos (só os grandes bancos). Esse dinheiro barato é composto, em sua maioria, dos impostos pagos pelo povo de um país.
A senhora já usou o conceito de “rua global” para analisar movimentos ao redor do mundo. Pode explicar um pouco melhor o que quer dizer com isso?
Muito do espaço público é constituído pela encenação de práticas ritualizadas – pense nas pessoas em um parque. Por meio de suas práticas elas compõem um evento social. Estou interessada nisso, mais ainda em como um evento político pode ser constituído, não no sentido amplo, mas no sentido de que aquele espaço público pode conter tanto os poderosos quando os sem poder. Mas para que isso aconteça, você precisa de um espaço público indeterminado... e a rua é um desses lugares. Um exemplo familiar do espaço ritual é o que os italianos chamam de “passeggiata”, um passeio lento pelas principais ruas de uma cidade durante a tarde de domingo ou em um dia da semana à noite para que famílias inteiras possam se vestir, sair e desfrutar a presença ritualizada dos outros. Este é um uso tradicional do espaço público. Uma multidão de pessoas correndo para trabalhar em uma segunda-feira pela manhã é uma prática tão ritualizada quanto. Você pode esbarrar em alguém, pisar no pé de alguém e ninguém vai se ofender. Se o mesmo acontecesse durante uma caminhada no parque, a reação das pessoas seria completamente diferente. O rush da manhã é regido por regras diferentes, digamos, da passeggiata, mas ainda é altamente previsível. Outra maneira histórica de usar o espaço público surge quando ele se torna um espaço para fazer – fazer o social e o político. A rua global é esse lugar. Os protestos que observamos há três anos nos países árabes, na Europa, nos Estados Unidos e também na América do Sul não eram parte do uso ritual do espaço público, como passeios de domingo e a correria dos dias úteis. Não era a praça, era a rua global – um espaço para criar o político, o social.
“Esta crise, como outras, aumentou a concentração de poder das grandes empresas”
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Reportagem Por carlos andré moreira
Fonte: ZH online, 23/08/2015
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