Manfredo Araújo de Oliveira *
Tempos de crise são tempos de discernimento, de avaliação. Este processo na crise atual começa a produzir seus frutos. Primeiro, algumas idéias de fundo, que dificilmente eram defensáveis a pouco, começam a ser difundidas e acatadas por um público considerável. Assim, por exemplo, que a atual crise é uma crise muito radical porque põe em questão o próprio modelo de desenvolvimento capitalista e os parâmetros básicos da sociedade industrial construída na modernidade, que é o suporte deste tipo de desenvolvimento. Isto precisamente porque se trata de um modelo de desenvolvimento e de apropriação de seus frutos que sobrecarrega sobre o Sul a prosperidade do Norte; que sobrepesa para todos a prosperidade de alguns; que em favor de uns poucos esgota sistematicamente os recursos do planeta e o destrói para o momento presente e para as futuras gerações. A crise é radical porque ela põe em questão a forma de produzir, de comercializar, de consumir e os valores que marcam a civilização industrial que construímos. Muitos de seus efeitos começam a espantar a humanidade: a produção de lixo, a degradação dos solos e das águas, as doenças geradas em consequência destes processos, o desperdício enorme de matérias-prima e de energia não renovável, a destruição da biodiversidade, a exclusão social cada vez maior, etc.
O mais importante é que em segundo lugar as pessoas começam a pensar em alternativas viáveis, ou seja, muitos se recusam a apenas buscar arranjos para salvar o vigente e se põem com toda honestidade e seriedade a questão de como construir uma outra sociedade na qual possamos não apenas sobreviver todos, mas nos respeitarmos a todos. Desta forma, emerge um imperativo ético urgente: a construção coletiva de um modelo social alternativo, de uma mudança estrutural em nossa configuração societária, de um modelo de desenvolvimento realmente para todos, portanto, humanizante, solidário, democrático e austero. Neste contexto aparecem desafios e medidas que se revelam como de grande importância na medida em que possuem a capacidade de deslanchar o processo de construção do novo possível e exigido.
Antes de tudo, a convicção de que a pobreza absoluta, visualizada, sobretudo, nas formas de fome e subnutrição, é simplesmente inaceitável o que deve conduzir à firme vontade política de sua erradicação. O grande desafio aqui é a construção de uma cultura política de solidariedade. Os satisfeitos do Norte e do Sul têm muita dificuldade de entender o básico de onde se pode partir para uma verdadeira consciência de justiça social: que a mudança de modelo social é de interesse de todos, portanto, apesar das aparências também deles.
O desafio maior, contudo, está na síntese necessária entre protestos e propostas, entre as convicções éticas (os fins) e busca de mediações históricas (os meios), as medidas técnicas de natureza estrutural, que as possam efetivar em nossos contextos societários. Vale lembrar neste contexto, como exemplo destas medidas que constituem o mínimo capaz de apontar para o futuro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 1995 que se entende como um pacto para o desenvolvimento humano e social com sete objetivos básicos: escolarização primária universal, redução do analfabetismo de adultos em 50%, atenção primária de saúde para todo o mundo, eliminação da desnutrição grave e redução da moderada em 50%, serviços de planificação familiar, água apta para o consumo, créditos a juros baixos para empresas sociais. A experiência histórica foi tornando claro para muitas pessoas que a efetivação destas metas exige transformações estruturais profundas de um contexto social que gera profunda assimetria e desigualdades.
Os cristãos de diferentes confissões, que nesta semana celebram a Páscoa, se devem sentir interpelados a atuar no mundo a serviço dos valores evangélicos que neste contexto apontam para a solidariedade com um futuro para todos.
* Doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital.
Adital,06/04/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário