CLÁUDIO MORENO*
Para toda jovem do Mundo Antigo, a grande mudança de vida ocorria no dia em que deixava a casa dos pais para sempre. Desde menina ela se punha a imaginar como seria o seu futuro lar, misturando seus devaneios e fantasias com atitudes mais práticas, pois, com ajuda da mãe, ia reunindo, camada por camada, as roupas, as joias, os enfeites, os utensílios que comporiam à sua volta aquilo que os homens – com um misto de desdém e inquietação – chamavam de mundus mulieribus – o mundo da mulher.
Pois numa aldeia remota do Japão, num tempo também muito antigo, vivia um homem feliz, ao lado da esposa e da filha, que era a alegria do casal. Só uma vez ele viajou à capital para tratar de negócios, mas voltou assim que pôde, trazendo presentes para as duas. Para a menina, trouxe uma boneca vestida de princesa e uma caixinha de doces; para a mulher, um objeto que ela não conhecia - um pequeno espelho de metal, com o dorso ricamente decorado. Intrigada, ela perguntou quem era a mulher que a encarava ali, com ar interrogativo; ele explicou que era a imagem dela própria, e que ela deveria guardar o espelho com grande cuidado.
Quis o destino que, pouco tempo depois, a mulher adoecesse gravemente. Pressentindo o pior, chamou a menina e entregou-lhe o espelho, embrulhado numa echarpe de seda: “Filha, se um dia sentires demais a minha falta, desfaz este nó e olha para o meu retrato, e não vais ficar tão sozinha” – disse ela, e expirou. Passados dois anos de luto, o homem veio a casar de novo. A madrasta não ligava para a menina – agora, quase mocinha –, e ela foi-se encolhendo pelos cantos da casa, solitária, sofrendo com a saudade da mãe. Finalmente, então, resolveu olhar o retrato. Com doce surpresa, viu que o rosto da mãe não mostrava a dor e o cansaço da última vez, mas, bem ao contrário, estava belo e rejuvenescido como nunca.
Não demorou muito e a madrasta foi se queixar ao marido do estranho comportamento da menina, que parecia conversar em segredo com algum objeto mágico que trazia escondido nas mãos. O pai, então, zangado com a filha pela primeira vez, mandou que ela se explicasse. “É só o retrato que minha mãe me deixou! Quando fico triste, como ando ultimamente, olho para o rosto dela, e o seu sorriso suave e bondoso me devolve a paz e a força para viver sozinha”. Comovida, a madrasta pediu desculpas; o pai, por sua vez, que sabia que era um espelho e não um retrato, abraçou-a com lágrimas nos olhos, porque tinha compreendido que o verdadeiro, o valioso presente que sua filha tinha recebido era aquela imagem amorosa da mãe, que nunca mais a deixaria.
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2482520.xml&template=3916.dwt&edition=12157§ion=999 -ZH, 21/04/2009
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