segunda-feira, 13 de abril de 2009

Igreja Católica e Conservadorismo

Agnaldo Cuoco Portugal*

Diante de fatos recentes, tais como declarações do Papa na África sobre o uso de preservativos, a excomunhão pelo Arcebispo de Olinda e Recife das pessoas envolvidas no aborto da menina violentada pelo padrasto em Pernambuco, a proposta de retorno do Latim às missas e a aproximação do Vaticano em relação a grupos tradicionalistas, poderíamos dizer que a Igreja Católica está mais conservadora? A resposta parece simples: sim.

Mas faz bem à inteligência desconfiar de respostas simples. Analisemos, portanto, o que a tese sugere e supõe, especialmente no que diz respeito às noções de “Igreja Católica” e “conservadorismo”.

Uma primeira coisa a ser notada é que a Igreja Católica não se resume apenas aos dirigentes da instituição, como o Papa ou os bispos, mas inclui toda uma comunidade de pessoas que aderem a um determinado conjunto de crenças e práticas religiosas e que se propõem a ser seguidoras de Jesus Cristo de um modo particular dentre outras comunidades cristãs. Trata-se de um grupo significativo em termos quantitativos, algo superior a um bilhão de pessoas, segundo números das próprias autoridades católicas.

De uma comunidade assim, planetária e imensa, é muito temerário fazer-se qualquer afirmação genérica em termos de posicionamento político. A diversidade dessa comunidade é algo também que chama a atenção e, se tomarmos os relatos do próprio Novo Testamento, o fato de haver nela discordâncias internas tampouco é algo novo. As diferenças de perspectiva em comunidades cristãs sempre foram notadas e são até tidas como algo positivo, como atesta uma das cartas de Paulo de Tarso, dirigida à comunidade de Éfeso, na qual ele compara a igreja a um corpo com muitas partes, cada uma diferente da outra.

Assim, o que fazem ou afirmam os dirigentes católicos não é necessariamente o que faz ou afirma a comunidade católica como um todo, e tomar a posição do Papa ou de um grupo particular de bispos como única posição da igreja (no sentido de comunidade de fiéis) pode ser uma generalização apressada. A diversidade não é encontrável apenas nas diferenças de posicionamento entre a hierarquia da instituição e o restante dos fiéis, mas até mesmo entre os próprios dirigentes católicos. No episódio da menina violentada em Pernambuco, importantes autoridades eclesiásticas discordaram da ênfase dada pelo Arcebispo de Olinda e Recife à excomunhão, devida segundo o Código Canônico, aos que participaram do aborto dos gêmeos dos quais ela estava grávida.

Não se pode negar, no entanto, que há um forte centralismo na forma como as decisões são tomadas na instituição eclesiástica católica. Se Jesus realmente atacou o legalismo fariseu, pregando uma religiosidade interior, propondo o amor como regra fundamental e afirmando que quem ser o maior que seja o mais humilde, como dizem os Evangelhos, cabe certamente indagar se toda essa hierarquia institucional, esse poder centralizado e essa ênfase em Códigos Canônicos não são contra a própria mensagem daquele que os católicos afirmam ser o fundador de sua Igreja. Por outro lado, de que outro modo essa mensagem poderia ter sido conservada se não tivesse sido institucionalizada? Isso nos remete ao tema do conservadorismo.

Em tese, não parece haver nada de errado em se propor conservar algo, mesmo em termos políticos. A história das revoluções parece indicar que, por mais que elas tenham mudado as coisas, algo da ordem anterior é sempre preservado. No caso da Igreja Católica, seja vista como instituição seja como comunidade de fiéis a uma mensagem, a conservação e difusão dessa mensagem fazem parte de sua própria finalidade. Se de fato é a mensagem que é preservada e não as mediações históricas que um dia fizeram sentido, mas hoje a deturpam, parece ser uma questão controversa, mas interna ao meio católico.

Porém, a Igreja Católica é mais gravemente “acusada” de conservadora por questões que têm a ver com sua atuação externa. Fora da comunidade católica, a força de suas autoridades é bem diferente do que fora em tempos passados. O Vaticano é um Estado sem exército e economicamente inexpressivo. O poder do Papa e dos bispos se dá apenas no campo das idéias e da influência sobre a conduta das pessoas. Nesse sentido, eles são apenas mais alguns interlocutores no debate.

Mesmo que houvesse uma única posição entre eles, classificá-los como conservadores por causa de suas posições em bioética ou em política internacional pode não ser um modo adequado de encaminhar a discussão. O risco que se corre aqui é de trocar a análise das idéias que o outro propõe pela mera desqualificação do interlocutor por meio de um rótulo depreciativo. Se de fato é isso o que significa dizer que a Igreja Católica é conservadora, então o propósito não é esclarecer nada, e o resultado é o empobrecimento do debate. E em se tratando de temas altamente complexos, não se deve descartar qualquer contribuição.
*Agnaldo Cuoco Portugal é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília e doutor em Filosofia da Religião.
Texto postado no endereço:http://www.secom.unb.br/artigos/artigo.php?id=134 - o3/04/2009

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