Gabriel Perissé
A gramática pode ser útil para a compreensão da condição humana, se a ultrapassarmos, se soubermos pensar para além das suas regras e classificações, tornando-a inspiradora.
Quando conjugamos os verbos, conjugamos de acordo com alguns parâmetros. Um deles são as pessoas. A primeira pessoa do singular, a primeira do plural, e a segunda do singular e a do plural, e a terceira do singular e a do plural...
Viajar na terceira pessoa — ele viajou, eles viajaram, eles conheceram Fortaleza, Paris, Cairo, Roma, Tóquio, eles deram a volta ao mundo. Tais viagens estão distantes de mim, distantes de nós. Podemos ler os relatos, imaginar como foi ou deixou de ser, pouco mais do que isso.
Viajar na segunda pessoa do singular — tu viajaste, você viajava — inclui o diálogo, as perguntas, os detalhes, as curiosidades, o olho no olho, em que vejo a sua viagem, em que vejo indiretamente o que você viu, o que você viveu em outras paragens.
Viajar em primeira pessoa — eu viajarei, nós viajamos —, tocar com os próprios pés outros chãos da mesma terra, ouvir com os próprios ouvidos outros idiomas, outras músicas, cheirar cheiros diferentes com o próprio nariz, este delicado órgão do conhecimento.
Aprender na terceira pessoa. É belo ver os outros aprendendo, renomados cientistas, sábios de cabelos brancos e olhos serenos, admiráveis pesquisadores.
Aprender na segunda pessoa pressupõe a relação, conduz ao encontro. Se você aprendeu, talvez eu possa aprender com você. Ou eu mesmo lhe ensinei algo sem saber. Quem sabe aprender aprende de tudo.
Aprender em primeira pessoa, prazer pessoal, insubstituível. Quando aprendo, eu não me arrependo, e me prendo a novas liberdades, desencadeio cadeados, destravo a alma, desprendo-me de mim mesmo.
Amar na terceira pessoa — ele ama, eles amaram, eles se amam. Este amor de telenovela, romance de outros personagens, histórias com final feliz ou trágico, amor dos outros, dicionário amoroso que posso apenas consultar.
Amar na segunda pessoa, amar o outro, amar-te aqui e agora, ou na China, ou em Marte. Amar-te até morrer-te. Amar-te com engenho e arte.
Amar na segunda pessoa já é amar em primeira pessoa. Amar no presente, no passado, no futuro. Amar imperativo. Amar em cada artigo. Amar em vocativo. Amar o amor em sua própria morfologia. Amar substantivamente. Amar embora, contudo, quando, porque...
Amar, enfim, com toda a riqueza das conjunções.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3192/53/ 22/04/2009
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