Timothy Radcliffe*
É um momento embaraçoso para quem é católico. No Vaticano, houve erros de comunicação, falta de consulta, declarações com palavras mal escolhidas que provocaram reações violentas na imprensa e intervenções de um certo vigor por parte de dirigentes internacionais. Tudo isso suscitou aflição e escândalo em muitos católicos, dentre os quais bispos, e provocou danos à reputação da Igreja. Algumas pessoas até se questionaram sobre como puderam continuar pertencendo à Igreja.
Permanecemos porque somos discípulos de Jesus. Crer em Jesus não significa adotar uma espiritualidade privada ou um código moral. É aceitar pertencer à sua comunidade. Aqueles que ele chamou a segui-lo caminham juntos. Segundo um velho ditado latino, "Unus christianus, nullus christianus": um cristão isolado não é um cristão.
Mas porque eu deveria permanecer membro dessa Igreja? Por que não poderia me unir a uma outra comunidade cristã cujas posições oficiais ou cujo modo de agir são menos embaraçosos? Com isso, tocamos a essência de um modo católico de entender a Igreja. Desde a origem, Jesus chamou à sua comunidade os santos e os pecadores, os sábios e os tolos. Ele disse: "Não vim chamar os justos, mas sim os pecadores" (Mateus 9, 13). E continua fazendo-o, senão não haveria lugar para uma pessoa como eu. Uma comunidade admirável de pessoas maravilhosas e virtuosas, que nunca cometessem erros, não seria um sinal do Reino de Deus.
Eu nunca poderia deixar a Igreja católica porque creio que Jesus nos chama a viver juntos como um só Corpo. No Evangelho de João, pouco tempo antes da sua morte, Jesus pregou sobre o seu pai aos seus discípulos "para que todos sejam um" (João 17, 21). Não basta uma vaga unidade espiritual. Nós cremos na Encarnação, na Palavra de Deus que se faz carne. A Igreja católica é o sinal visível, encarnado, da unidade à qual Jesus nos chama. Tenho uma imensa admiração por muitos cristãos que pertencem a outras Igrejas, o seu exemplo me inspira, a sua teologia me instrui. Mas, para mim, deixar a Igreja católica seria renegar o convite radical de Jesus de reunir os santos e os pecadores, os vivos e os mortos.
No centro da nossa vida cristã, está a imensa vulnerabilidade da Última Ceia. Jesus se coloca nas mãos dos seus discípulos: "Tomai, isto é o meu corpo que entrego por vós". Um deles o traiu, outro o renegou, a maior parte fugiu. Pertencer à Igreja é aceitar uma pequeníssima parte dessa vulnerabilidade. Nós aceitamos nos envolver nas derrotas da Igreja como no seu heroísmo, na sua tolice como na sua sabedoria, nos seus pecados como na sua santidade. E a Igreja também me aceita com os meus pecados e a minha estupidez. É por isso que ela é "sinal e sacramento da unidade de todo o gênero humano" (Vaticano II, Lumen Gentium n.1,1).
Porém, estamos efetivamente em um momento de crise da Igreja. Mas as crises podem ser muitas vezes frutíferas. A Última Ceia foi a crise mais profunda que a Igreja já conheceu: Jesus estava ao ponto de sofrer uma morte humilhante, e a comunidade estava dispersa. Em cada Eucaristia, nós recordamos como Jesus fez dela um momento de intimidade mais profunda, o dom do seu corpo e do seu sangue. Depois da Ressurreição, a Igreja estava lacerada. Seriam os Gentios aceitos na Igreja e seriam obrigados a aceitar a Lei? A comunidade estava ao ponto de sucumbir, mas sobreviveu para se abrir também a nós, os Gentios. Depois do martírio de Pedro e de Paulo, muitos acreditavam que Jesus estivesse ao ponto de voltar. Mas não foi assim. Foi uma crise inimaginável da esperança, mas ela levou à redação dos Evangelhos. Toda crise, se é vivida na fé, leva a uma renovação e a uma nova vida.
A crise que nos cabe viver neste momento é verdadeiramente modesta em relação às sofridas por outras pessoas que viveram antes de nós. Por exemplo, a crise modernista, há um século, foi muito mais grave. Porém, a nossa pequena crise pode ser frutífera se a vivemos na fé. Quais poderiam ser esses frutos? Sobretudo, encorajar um debate mais aberto dentro da Igreja. Depois do trauma da Reforma, toda confissão cristã mostrou ter os nervos à flor da pele quando se trata de debater sobre temas que são fonte de dissenso, temendo que isso coloque em perigo a unidade. Mas é só por meio de um debate racional e vivido na caridade que podemos testemunhar a nossa fé. O papa mesmo procurou introduzir debates posteriores na Igreja, por exemplo, o Sínodo dos bispos. Mas nós ficamos nervosos com a ideia de debater com quem tem ideias diferentes. É uma falta de confiança na inteligência que recebemos de Deus. Não devemos ter medo do debate.
A Igreja, de resto, resistiu às tentativas de domínio de governos autoritários: os imperadores romanos, os monarcas absolutos do Iluminismo, os grandes impérios do século XIX, o partido comunista na Europa central... Essas batalhas, necessárias para defender a liberdade da Igreja, levaram a uma estrutura de governo muito centralizada e distante da colegialidade dos bispos. Chegou o momento de fazer com que participem mais do processo decisional. A reação forte de certos bispos à situação atual deixa esperar um reequilíbrio nesse sentido. A carta, humilde e comovente, de Bento XVI aos bispos sobre o problema integralista mostra a sua atenção às suas preocupações e o seu desejo de estar em diálogo com eles. Portanto, não tenhamos medo! Tenhamos esperança!
* Ex-mestre-geral dos dominicanos, em artigo para o jornal La Croix, 31.03.2009. Traudção de Moisés Sbardelotto no IHU/Unisinos, 02 de abril de 2009.
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