sexta-feira, 3 de abril de 2009

Orientadores vocacionais deveriam procurar outra profissão

Lucy Kellaway
Quando eu tinha 16 anos, uma orientadora de carreira foi até a minha escola. Ela me passou vários testes e depois me disse para evitar qualquer profissão que envolvesse letras. Ela disse que eu me daria melhor fazendo algo técnico; no entanto, se eu quisesse mesmo seguir uma carreira literária, eu poderia fazer biblioteconomia.

Aquilo não me interessou- principalmente porque meu pai era um bibliotecário- e assim, com o desprezo de uma adolescente de 16 anos, eu a despachei, com seus testes patéticos e suas recomendações ainda mais patéticas. Que idiota, eu pensei.

Alain de Botton teve recentemente uma experiência parecida e chegou a uma conclusão similar. Ao realizar pesquisas para seu novo livro, "The Pleasures and Sorrows of Work" (Os Prazeres e as Aflições do Trabalho), o filósofo famoso por popularizar a filosofia, submeteu-se à avaliação de um orientador de carreiras, que disse que ele se daria bem em cargos administrativos intermediários, sugerindo então as áreas de diagnósticos médicos- ou lazer.

Botton também achou aquilo tudo patético. Na verdade, ele não só desprezou o conselho e o orientador- cujo escritório aparentemente cheirava a repolho-, como também condenou todo o setor baseado nisso. Ele afirma que, como passamos a maior parte de nossas vidas trabalhando, é extraordinário o fato de tão pouco esforço ser dispensado para garantir que acabemos exercendo uma profissão adequada.

Agora que não tenho mais 16 anos, tenho uma postura muito mais filosófica sobre isso do que esse filósofo. Os orientadores vocacionais não são culpados dos erros que cometem. Isso acontece porque a simples ideia de orientar a carreira é um caso perdido. Mesmo os melhores testes do mundo não funcionam, uma vez que não existe uma fórmula para fazer uma pessoa escolher a carreira mais adequada para ela. Encontrar o emprego certo é algo tão subjetivo quanto encontrar a esposa certa. Se o nosso trabalho é ou não mais adequado para nós depende não de nossas atitudes- a maior parte das pessoas com um nível de ensino razoável é capaz de exercer a maioria das atribuições de um funcionário de colarinho branco-, e sim do fato de nos encaixarmos ou não, o que é algo que não temos como saber enquanto não tentarmos.

A consultoria a carreiras não só é algo sem sentido ao nos dizer que carreira devemos seguir, como também não consegue nos dizer qual é a carreira errada. Minha consultora disse que eu deveria evitar o mundo das letras com base na suposição perfeitamente lógica de que a velocidade com que eu lia um texto era dolorosamente lenta, minha pronúncia era terrível e eu confundia as palavras. No entanto, não ser claramente bom em alguma coisa não significa que você não pode fazer daquilo uma carreira. Você precisa apenas ter vontade suficiente para ser bem sucedido.

Botton afirma que, na ausência de conselhos melhores, a maioria dos adultos acaba presa em carreiras escolhidas por eles mesmos do alto da "experiência" de seus 16 anos. Isso não faz sentido. A maioria das pessoas que não gosta das carreiras que escolheram, não ficam nelas a vida inteira- elas tentam algo diferente. O processo é como namorar alguém. Se não dá certo, você parte para outra.

Em todo caso, eu acho que os jovens de 16 anos podem muito bem julgar o que vai ser bom para eles. De vez em quando participo de sessões de orientação profissional na escola de meus filhos e converso com adolescentes sobre jornalismo. A primeira vez que fiz isso, fiquei chocada com a aparente estupidez dos alunos. Perguntei a eles por que queriam ser jornalistas e eles deram de ombros e disseram que gostavam da ideia. Mas então eu percebi que, como eles não têm noção de como é a vida de um trabalhador, eles baseiam suas escolhas na observação de pessoas que conhecem e têm determinadas carreiras, e suponho que eles conseguem se imaginar sendo aquelas pessoas. Para mim, este é o melhor teste que existe. Acabei escolhendo jornalismo não porque eu queria escrever, mas sim porque amigos meus eram jornalistas e eu queria ser como eles.

Os adolescentes modernos são muito mais espertos em relação às carreiras que pretendem seguir, do que a maioria dos meus colegas de escola quando tinha 16 anos. Estávamos muito ocupados sendo rebeldes para pensar claramente. Meu marido, filho de um membro do Tory (antigo partido conservador do Reino Unido que reunia a aristocracia britânica), passou o fim da adolescência e começo dos 20 querendo ser um revolucionário marxista. Minha primeira escolha errada foi no setor bancário- algo igualmente chocante aos olhos de meus pais, de tendência esquerdista, e uma escolha igualmente ruim para mim.

Será que é por isso que Botton resolveu ser filósofo? Seu pai era um financista suíço muito rico. O único filósofo entre meus amigos é filho de um magnata do setor naval e eu me pergunto se não existe um padrão aí. Se seu pai dedicou sua vida a aumentar sua riqueza, certamente a coisa mais rebelde que alguém pode fazer é não só descobrir a falta de significado do dinheiro, como também escolher uma carreira que busca encontrar o significado das coisas.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada quinzenalmente na editoria de Carreiras.
Reportagem do Valor Econômico, 03/04/2009

4 comentários:

  1. poxa, muito bom seu texto! muito bom mesmo!! parabens,me ajudou muito!!

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  2. Uma orientação profissional apenas com testes realmente não gera credibilidade, mas uma boa orientação profissional não é apenas isto, infelizmente ele não teve a oportunidade de encontrar um bom profissional. Orientação profissional não diz o que você deve fazer e sim o auxilia a encontrar os caminhos para boas escolhas

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  3. Texto bem escrito, mas extremamente generalista. Opinar sobre a utilidade de uma carreira com base em um único ponto de vista ou a partir da experiência com um ou dois profissionais é no mínimo leviano. Se for assim, posso assumir a premissa de que todos os colunistas são pessoas de pensamento linear que não contribuem com uma visão sistêmica sobre os assuntos que escrevem, ou seja, oferecem uma leitura totalmente dispensável.

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  4. muito legal
    mais olha não é só porq vc e seu amigo teve uma pessima orientação que significa que todos os orientadores tem as mesmas tecnicas.

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