Gabriel Perissé*
As tentações existem. São diferentes das que nos acossaram outrora, mas continuam aprontando confusão.
Cada profissão tem suas peculiares tentações.
A tentação do escritor é escrever o dia inteiro e a noite toda até que lhe doam a mente e as mãos.
A tentação do psicólogo é mergulhar na alma alheia, mar sem fim, e ali perder a respiração.
A tentação do pescador é pescar o tubarão.
A tentação do cozinheiro é não sair do forno e fogão.
A tentação de cada um é ser o que é para além de todo e qualquer limite, e então perder sentido e noção.
A tentação do professor é ensinar tudo e um pouco mais, dar todas as lições do livro e da apostila, sempre com as melhores intenções.
O professor é tentado pelo demônio diplomado, pelas excelentes idéias pedagógicas que povoam sua inteligência, sua memória e imaginação.
O professor é tentado a cuidar da avaliação, como se avaliar pudesse todas as dimensões do ser humano, esse mistério em mutação, microcosmo em rotação, poço sem fundo em constante ebulição.
O professor é tentado a resolver os mais diversos problemas que invadem sua sala — da Aids às drogas, do tédio ao suicídio, do pavor à depressão... mas não só grandes questões, também problemas menores como infestação de piolhos, gripes, briguinhas, bagunça, conversa paralela e xixi no chão.
O professor vive caindo em tentação porque acredita possuir, sempre, para tudo, a melhor solução.
O professor é tentado a aceitar humilhações em nome do dever, do amor e da paz, e do perdão... tudo por abnegação.
O professor é tentado a gemer um "não" quando deveria gritar "sim", ou a conceder seu "sim" quando seria hora de dizer, apenas, "não".
O professor é tentado no deserto a definir o errado e o certo, a ser representante da ética, e a repartir com todos o seu pão, e a repetir, parafraseando Pessoa, que tudo vale a pena quando não é pequeno o coração.
O professor é tentado a acreditar em ilusões e esquecer a realidade, ou a só pensar no real e colecionar desilusões.
O professor é tentado a prometer a salvação, liderar revoluções, promover a pedagogia da libertação.
Ó professor, não se deixe cair em tentação! E que nós nos livremos do pressuposto equivocado de que aprender é, tão somente, ouvir instruções.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP –
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3217/53/ 27/04/2009
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