sábado, 11 de abril de 2009

Em busca da felicidade

Zygmunt Bauman*
Ela é possível?
Como encontrá-la?
O sociólogo Zygmunt Bauman vai atrás das respostas,
não garante solução mágica,
mas tem ricas definições
sobre um dos temas centrais da nossa existência
no livro
“A Arte da Vida”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Zygmunt Bauman ao Cultura:
A infelicidade

Sigmund Freud observou, há muito tempo, que o “estado de felicidade” é contrário à natureza humana e, portanto, impossível de ser alcançado. A felicidade pode ser apenas uma experiência momentânea: quando o estado de infelicidade que atormenta você por um longo tempo de repente acaba... Se não fosse pela infelicidade, a ideia de “felicidade” dificilmente ocorreria. Quando, por exemplo, uma dor de dente para, você se sente feliz; mas, a menos que você sofra uma dor terrível no dia anterior, isto não será suficiente para te fazer acordar de manhã sem dor para tornar você feliz. Na combinação “infelicidade-felicidade”, a primeira tem prioridade, tem o poder de dar forma aos sonhos e desejos e transformá-los em ação para que possam ser alcançados. Nós sabemos como a infelicidade é, podemos nomeá-la e descrevê-la de forma muito detalhada. Mas nós só podemos visualizar a felicidade como superação/eliminação da infelicidade – e o erro comum, embora enganoso e oneroso, é prever que, se apenas este espinho for puxado para fora do nosso corpo, a vida será feliz. Infelizmente, a impressão de que o êxtase foi efetivamente alcançado não pode durar mais tempo do que um momento fugaz.
O desejo

A nossa modernidade tomou o caminho inverso de manter o desejo não somente vivo, mas de expandi-lo e torná-lo mais intenso, assim como de disseminá-lo e torná-lo comum a todos. Um dos documentos fundadores da era moderna, a Declaração Americana da Independência, proclamou a “perseguição da felicidade” como um direito humano universal e inalienável. O documento proclamou isso verossímil, possível de ser atingido com a ajuda dos conhecimentos fornecidos pela ciência e com a capacidade oferecida pela tecnologia – e com o incansável esforço dos perseguidores. O desejo e o crescente desejo de felicidade e de uma felicidade cada vez maior tornou-se o principal motor do “desenvolvimento moderno” e do “crescimento econômico”.
O consumismo

Na vida moderna, incitada e impulsionada por desejos, a busca da felicidade tem sido identificada com o crescimento do consumo. O resultado é o consumismo: algo mais do que apenas “consumo”, que tem sido a condição natural não apenas dos humanos, mas de toda e qualquer vida. “Consumismo” significa o desenvolvimento de outra ideia e uma preocupação humana bastante comum com o consumo elevado à categoria de filosofia total de vida, e uma estratégia de vida abrangente, ambas moldando o mundo como um contêiner lotado de possíveis bons consumidores a serem escolhidos, selecionados e festejados, comprando habilidades como instrumentos principais na busca de uma vida feliz – e despertando os desejos por bens, e não por suas satisfações, como a parte mais importante de quem procura a sabedoria na felicidade. Eu mencionei antes que a necessidade normal de consumo, comum a todos os organismos vivos, se transformou no motor da sociedade moderna; agora, a sobrevivência e a perpetuação da sociedade moderna tornaram-se dependentes do aumento contínuo dos desejos de consumo e da intensidade de compras. É por isso que o atual colapso dos bancos de crédito representa um verdadeiro desastre. Ele atinge o cerne do consumidor, da sociedade de consumidores e da cultura consumista. A crise atual não é apenas a questão da (temporária?) queda do consumo, mas da própria sustentabilidade do consumismo.
As drogas

As raízes do atual sofrimento, como a raiz de todos os males sociais, são profundas e irrecuperáveis no nosso meio de vida, que preza pelo nosso zelo cultivado e pelo hábito agora profundamente enraizado de correr para o consumo de crédito sempre que há um problema ou dificuldade. A vida sobre o crédito é tão viciante como quaisquer outras drogas, e certamente ainda mais viciante que outros tranquilizantes oferecidos. Nós agora estamos propondo o caminho aparentemente mais fácil de chocar as aflições que afetam tanto os dependentes quanto os traficantes: através da retomada da oferta de drogas. Voltar para o vício que até agora parecia nos servir tão bem, não se preocupar com o problema, não mencionar que procuramos as suas raízes... Chegar às raízes do problema que agora têm sido levadas pelos departamentos “top secret” ao foco da atenção pública não é uma solução instantânea. É, contudo, a única solução com alguma chance de ser adequada à enormidade do problema; e para sobreviver à intensa, embora comparativamente breve, agonia de deixar o vício.
A ganância

Citando Hector Sants, o líder do Finances Services Authority, que há alguns dias confessou que “os modelos de negócio são mal-equipados para sobreviver ao estresse... um fato que lamentamos”, Simon Jenkis, um excepcionalmente perspicaz analista do The Guardian, observou que “era como um piloto protestando que o avião estava voando muito bem, exceto os motores.” Mas Jenkins não perde a esperança: ele ainda alega que uma vez que a cultura da “ganância é boa” foi “testada para a destruição pela recente histeria de renda da cidade”, os “componentes não econômicos, daquilo que nós referimos vagamente como boa vida, terão maior destaque”; tanto em nossa filosofia de vida quanto nas estratégias políticas dos nossos governantes. Vamos nos juntar às esperanças dele: nós ainda não chegamos ao ponto sem volta, ainda há tempo (embora curto) de refletir e mudar o rumo, nós ainda podemos reverter esse choque e o trauma para nós e nossos filhos...
O indivíduo

A sociologia, como vocês sabem, é uma investigação em curso da diferença que faz para nós e sobre nós, humanos, vivermos em sociedade: em qualquer tipo de sociedade, ou em uma forma particular de sociedade. O nosso tipo de sociedade, como você sabe bem, é uma sociedade fortemente individualista, é um tipo de sociedade que faz de nós todos, cada homem ou mulher, “indivíduos de jure” lutando para serem “indivíduos de fato”. E isto significa ajudá-los a compreender as redes e os mecanismos sociais que os tornaram assim, e para desnudar a intrincada, porém complexa, interdependência entre o curso que toda a sociologia está tomando e as trajetórias de vida individuais. Neste contexto, a sociologia necessita clarear as chances desta ou daquela estratégia de vida disponível a partir do conjunto viável estabelecido pela sociedade, bem como as chances práticas de tais estratégias trazerem os resultados que são propostos pela teoria – como é acreditado pelo senso comum e por aqueles que obedecem a seus conselhos. Isto é, o que a sociologia deve fazer se deseja permanecer fiel à sua vocação.
*Zygmunt Bauman nasceu na Polônia e desde 1971 mora na Inglaterra. Professor emérito das universidades de Varsóvia e de Leeds, é autor de vasta obra que analisa sobretudo as transformações das relações socioculturais em nosso tempo.
A reportagem é LUIZ ZINI PIRES, ZHCultura, 11/04/2009

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