Rodrigo de Almeida
Que me perdoe o professor Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe. Que me perdoe também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eufórico com a entrada do Brasil no clube de credores do FMI. Chique é. Mas, por trás de uma possível guinada do fundo, há muita gente de boa vontade com um quê de temor diante da cascata de dinheiro despejada no caixa da instituição para salvar da debacle os países em desenvolvimento. (O G-20 prometeu triplicar a conta para US$ 750 bilhões e autorizou mais US$ 250 bilhões em Direito Especial de Saque, espécie de moeda do Fundo). "O FMI está de volta", comemorou o diretor-gerente Dominique Strauss-Kahn, sintetizando o retorno do Fundo, graças à crise, ao centro da cena internacional. Após flertar com a irrelevância, mais do que um caixa encorpado, a instituição ganhou atribuições no combate à crise.
É preciso enxergar esse retorno sem a lógica do mundo rico. Se conseguirmos, faz muito mais sentido o temor do que a comemoração. A "volta" do FMI premia uma organização que foi uma das responsáveis por essa crise – além de recomendar mais privações a países que já estavam doentes nas crises da Ásia e da América Latina, na década de 90. Mais: soa estranho, por exemplo, a crença de que é preciso resolver os problemas dos países em desenvolvimento, sem que sejam implantadas mudanças significativas na regulação dos mercados nos países ricos – onde a crise nasceu. É verdade que os primeiros a recorrerem ao Fundo em busca de uma ajuda de emergência foram nações em desenvolvimento, como Hungria, Ucrânia e Islândia. Mas o FMI estará disposto a disciplinar os pesos pesados? Dispensável dizer que há quem duvide.
Dúvida não significa inércia. Na última sexta-feira, o economista Dani Rodrik, professor de economia política da Universidade Harvard, pôs em seu sempre interessante site (http://rodrik.typepad.com) um artigo sobre o assunto. Haverá "um FMI que podemos amar?", pergunta o professor, tido como um dos 100 economistas mais influentes do mundo e um dos mais brilhantes analistas sobre desenvolvimento e globalização. Rodrik argumenta que, se quiser deixar de ser atacado tanto pela direita quanto pela esquerda pelo excesso ortodoxo e, enfim, ser amado, o FMI precisará de mudanças organizacionais profundas. A começar por um maior poder de voto a países como Brasil, China e Índia. Mas a tese do professor vai bem além. "Dar simplesmente um maior poder de voto aos países em desenvolvimento fará pouca diferença se a cultura organizacional do FMI não mudar também", escreve.
Rodrik critica a falta de conexão (e apreço) com a realidade institucional dos países para os quais os técnicos do Fundo trabalham. Cita a "arrogância", a "presunção", o "sentimento de superioridade" diante dos países que lhe batem à porta. O professor sugere mudanças nos processos de recrutamento e promoção. Propõe aumento substancial de técnicos com experiência prática em países em desenvolvimento e realocação de profissionais em "escritórios regionais", o que permitiria, segundo ele, uma maior sensibilidade do FMI para as realidades locais. (O Banco Mundial adota esse modelo de descentralização, com melhores resultados, na avaliação de Rodrik). "A comunidade internacional está dando muito valor à performance e ao julgamento do Fundo", diz o professor. "Isso exigirá reformas internas para ganhar confiança plena".
A reunião de primavera do FMI, no fim da próxima semana, será um bom teste. Os emergentes terão mais poder? O Fundo vai atuar como regulador do sistema financeiro internacional? Vai continuar cobrando austeridade fiscal rígida ou será capaz de incentivar gastos? A bem da verdade, como tem lembrado Paulo Nogueira Batista Jr., o FMI já avançou em alguns senões do passado, em especial numa maior flexibilização dos critérios de empréstimos – o Brasil, diga-se, foi o primeiro a propor mudanças nesse terreno. Hoje já não existiriam, nas regras, exigências como adoção de câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário. Mas, indagado semana passada sobre a distância entre intenção e a realidade, o próprio representante brasileiro sintetizou o tamanho do risco: "Fizemos gols, mas ainda podemos tomar uma bola nas costas e perder a partida". Frase de quem sabe que não é hora nem para a submissão do passado nem para o deslumbramento à vista no presente.
Jornal do Brasil on-lin - Segunda-feira, 13 de Abril de 2009 - 00:00
http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/2009/04/13/temadodia/coisas_da_politica_um_certo_fmi_para_ser_amado.asp
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