MOACYR SCLIAR*
Tiradentes seria gay. Pelo menos é o que aparece no site do Grupo Gay da Bahia; a afirmativa estaria apoiada nas pesquisas do historiador Marcio Jardim. Outras versões dizem que, ao contrário, José Joaquim da Silva Xavier teve um longo caso com uma viúva, com quem nunca se casou mas que lhe deu dois filhos: João e Joaquina.
Este é apenas um exemplo das controvérsias que cercam a figura de Tiradentes. Para uns, e não estamos apenas falando de pessoas simples, é um herói; um homem generoso e libertário, “com o sentido de dignidade da pátria e do cidadão”, segundo o historiador Francisco Iglésias. Para o compositor Fernando Brant, Tiradentes gerou “sonhos que nos alimentam de vida e de esperança”; e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, afirmou que “o sonho de liberdade não morre, mesmo quando esquartejado”. O regime de 1964 considerou-o patrono cívico da nação; mas a esquerda, mostra-o a peça Arena Conta Tiradentes, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, também via nele um libertador.
Muitos escritores e pesquisadores colocaram em dúvida esta imagem idealizada, incluindo o nosso Sergio Faraco. Depois de estudar exaustivamente a vida de Tiradentes e de ler os autos de devassa da Inconfidência Mineira(10 volumes com centenas de páginas cada), Faraco publicou em 1980, pela editora Civilização Brasileira, Tiradentes: A Alguma Verdade (Ainda que Tardia), que provocou muita discussão. O mesmo aconteceu com A Devassa da Devassa do brasilianista Kenneth Maxwell, para quem Tiradentes lutava na verdade por sua ascensão social. Foi um bode expiatório ideal: “Não era influente, não tinha importantes ligações de família, era um solteirão que passava a maior parte de sua vida à sombra de protetores mais ricos e bem-sucedidos”.
Sob muitos aspectos, Tiradentes é um personagem misterioso, enigmático. Durante o Império, não foi considerado herói; afinal, os imperadores descendiam de membros da Coroa portuguesa. Tão logo proclamada a República, porém, e especialmente por influência dos positivistas, uma imagem surgiu, a do mártir de longa barba e longos cabelos, semelhante a Jesus (e a proximidade da Páscoa com o 21 de abril deve ter ajudado neste sentido). Junto a ele, a figura do Judas traidor, Joaquim Silvério dos Reis. Mas, como ponderaram vários historiadores, este retrato imaginário é pouco plausível. Como militar, Joaquim José poderia usar apenas discreto bigode. Na prisão onde ficou três anos, e da qual saiu direto para o cadafalso, os presos eram obrigados a fazer a barba diariamente. De qualquer modo, a imagem triunfou. Como diz o historiador José Murilo de Carvalho em A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil, é uma imagem que “serve à direita, ao centro e à esquerda. Ele é o Cristo e é o herói cívico; é o mártir e o libertador; é o civil e o militar; é o símbolo da pátria e o subversivo”.
A verdade, porém, é que precisamos de heróis, de figuras míticas, idealizadas, pessoas generosas, idealistas, de uma bravura sem limites. Pessoas, que, como os Inconfidentes, perseguem a “Liberdade – essa palavra,/que o sonho humano alimenta/que não há ninguém que explique/e ninguém que não entenda”.
Tinha razão a autora destes versos, Cecilia Meireles: estamos atrás de algo que não se explica, mas que todo mundo entende.
*Escritor e cronista da ZH
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