MOACYR SCLIAR*
Vamos tomar dois textos em que o sono é um elemento importante. Um deles é o Gênesis; lemos ali que, diante da solidão do primeiro homem, Deus faz com que ele adormeça, extrai-lhe uma costela e com ela produz a primeira mulher. Com isto o Senhor certamente realiza um desejo (ainda que não formulado) de Adão e mostra-nos que o sonho pode ser a porta de entrada para a nossa realização como seres humanos. A propósito, foi dormindo (e sonhando) que o poeta inglês Samuel Coleridge imaginou o seu magnífico Kubla Kahn, e foi dormindo (e sonhando) que o químico alemão Von Kekulé deduziu a fórmula do benzeno.
Vamos tomar dois textos em que o sono é um elemento importante. Um deles é o Gênesis; lemos ali que, diante da solidão do primeiro homem, Deus faz com que ele adormeça, extrai-lhe uma costela e com ela produz a primeira mulher. Com isto o Senhor certamente realiza um desejo (ainda que não formulado) de Adão e mostra-nos que o sonho pode ser a porta de entrada para a nossa realização como seres humanos. A propósito, foi dormindo (e sonhando) que o poeta inglês Samuel Coleridge imaginou o seu magnífico Kubla Kahn, e foi dormindo (e sonhando) que o químico alemão Von Kekulé deduziu a fórmula do benzeno.
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No segundo texto temos uma visão bem diferente do sono. Estamos falando de Macbeth, a sombria peça de Shakespeare – tão sombria, na verdade, que no mundo teatral anglófono é tida como uma “obra amaldiçoada”; nem mesmo o título é mencionado: as pessoas preferem falar em The Scottish play, “A peça escocesa”. O enredo é relativamente simples: Duncan, rei da Escócia, hospeda-se no castelo do nobre Macbeth. É então que Lady Macbeth, maquiavélica personagem, traça um plano para assassiná-lo, com o que seu marido se apossará do trono. Vacilante a princípio, Macbeth aceita a proposta e mata o rei. Aí começam as alusões ao sono. Lady Macbeth incrimina os criados de Duncan, adormecidos por causa da bebida a eles oferecida na noite anterior, colocando punhais sujos de sangue junto a eles. Dormir, no caso desses homens, foi algo irresponsável.Quanto ao casal Macbeth, não demorará a pagar pelo crime. Isto acontece, em primeiro lugar, pelo remorso que de ambos se apossa, um remorso que tira o sono do agora monarca. “Macbeth matou o sono”, diz aquele que é talvez o verso mais famoso da peça; dormir, não mais. A insônia será agora o seu verdugo. No caso da mulher, a punição é ainda pior, e mais estranha. Sonâmbula, ela perambula pelo castelo e, numa cena célebre, tenta lavar manchas imaginárias de sangue de suas mãos.
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Shakespeare não era psiquiatra. No entanto, e como o próprio Freud, muitas vezes escritores de talento são capazes de interpretar, graças à sua arte, os fenômenos da vida psíquica. O que Shakespeare está nos dizendo é óbvio: uma consciência culpada é a maior geradora de insônia. No caso do casal Macbeth era uma culpa real; no caso da imensa maioria das pessoas, são culpas imaginárias gerando um tipo de autopunição que muitas vezes chega às raias do absurdo. Em contraste, nós temos o sono de Adão, um sono induzido pelo Senhor e do qual ele acordará para descobrir, surpreso e maravilhado, que sua vida tomou um novo e surpreendente rumo. Este, amigos, é o sono que todos nós merecemos.
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2479453.xml&template=3916.dwt&edition=12131§ion=1028 -Postado na ZH, 18/04/2009
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