quinta-feira, 16 de abril de 2009

Revista só falam em beleza e conquistas

Pesquisa da UnB revela que publicações para adolescentes enfatizam temas como estética, jovialidade e relacionamentos com garotos
Kennia Rodrigues - Da Secretaria de Comunicação da UnB


Se existe mulher que se encaixa no perfil descrito como ideal pelas revistas femininas, é a leitora-modelo, como já descreveu certa vez o linguista italiano Umberto Eco. O mais preocupante, porém, é que esse tipo de identidade – mulheres lindas, jovens, de cabelos lisos, consumistas e sempre prontas para agradar os homens – se repete nos periódicos para as adolescentes, connforme revelou pesquisa da Universidade de Brasília. As garotas que mal saíram da infância também são bombardeadas com verdadeiros manuais de beleza e de conquista amorosa.

Depois de analisar edições de oito revistas para adolescentes à venda nas bancas brasileiras, a mestre em linguística da UnB Luciane Cristina Lira se deparou com um perfil editorial limitado. Para as meninas, não há opção de leitura diferente de temas como beleza, jovialidade, garotos e modas que estão fazendo sucesso na televisão. “Os principais assuntos são amor, beleza e ídolos. E o amor sempre está legitimando tudo: ‘Você tem que estar bonita para chamar atenção do gatinho’”, destaca Luciane.Para realizar o estudo, a pesquisadora utilizou como metodologia a análise crítica do discurso, cuja proposta é desvendar fundamentos ideológicos que, construídos como "naturais" ao longo do tempo, tornam-se comuns e aceitáveis. Luciane também lançou mão da linguística sistêmico-funcional, método do linguista britânico Michael Halliday que analisa funções textuais de linguagem e significados.

A feminilidade é um dos elementos mais frequentes nas páginas, quase sempre associada à idéia de beleza e jovialidade. Assuntos políticos ou sobre educação são deixados de fora das páginas. E, se há matéria sobre ensino, o texto trata do cotidiano das adolescentes na escola e dos relacionamentos que elas levam com os amigos.

O estudo também observou que a relação delineada entre a revista e seu público-alvo é de afinidade e confiança. Com linguagem jovem, os textos passam a impressão de que a leitora está conversando com uma amiga experiente. ”Elas trazem um discurso doutrinário, pedagógico, que dá dicas e conselhos. Se colocam como se fossem a melhor amiga das adolescentes. Esses conselhos, na verdade, são normas de comportamento, ditam o que é certo ou errado, o que é adequado ou não”, afirma Luciane.

Os meninos sempre estão em alta e são invariavelmente alvos de conquistas amorosas. “As publicações tratam com muita naturalidade a conquista pelo macho. As roupas, as atitudes, os interesses, ‘o gato’ vai gostar da garota daquela forma”, diz a professora do Departamento de Linguística da UnB, Maria Luiza Salles, que considera a abordagem uma erotização precoce.
ÍDOLOS - Nada de meninos ou meninas que fazem algum bem social, ativistas ambientais ou ganhadores do Prêmio Nobel da Paz. As páginas reservadas aos ídolos estampam rostos e entrevistas com atrizes americanas ou de novelas, cantores de bandas americanas do momento, ou um participante do Big Brother Brasil. “Jogador de futebol também, mas só aquele bonitinho, não pela sua qualidade de esportista. São sempre celebridades efêmeras”, comenta Maria Luiza. Esse tipo de espaço é muito mais evidenciado nas revistas para adolescentes se comparado com os periódicos destinados a adultos.

INFLUÊNCIA – Redatora-chefe de um dos periódicos líderes no mercado editorial juvenil, Tatiana Schibuola defende que o perfil do veículo para o qual trabalha não é “cabeça”. A linha de trabalho da revista, afirma, é responder aos anseios do público adolescente feminino, que encaminha diariamente pedidos à redação.

“Nessa idade, um dos principais focos das garotas é estabelecer relacionamento com meninos. É a idade que ela começa a conhecer seu corpo, aprender a sexualidade”, explica. “Quem elege os ídolos, inclusive, não somos nós, são as leitoras. Essa é a forma como a gente trabalha.”
Professora do Departamento de Psicologia Escolar da UnB, Maria Cláudia Lopes de Oliveira afirma que as revistas para adolescentes traduzem nada mais, nada menos que os valores da sociedade. “Não há como estabelecer uma relação direta entre o que a revista diz e o que a garota vai ser”, diz. “Esse tipo de informação pode reforçar um comportamento ou até contradizê-lo”, afirma.

Maria Cláudia defende que os adolescentes devem ter acesso a todo tipo de informação, o que não impede os pais de apontarem aos filhos a relevância ou não do conteúdo fornecido. “Nunca proibi uma filha jovem de ler revistinhas de banca de jornal. Mas mostrava, por exemplo, que aquela foto traduzia um padrão de consumo que queria tentar impor-se a ela de forma sutil, ou que um testezinho não informava nada, era bobagem”, conta a especialista.
A linguista Maria Luiza Salles concorda que as revistas juvenis para meninas reforçam um fenômeno social, mas acha que os valores difundidos nas páginas podem ser perigosos. “Eu não gostaria de fazer esse juízo de valor, mas é chocante. Eu, como mãe e como amiga de muitas mães, fico preocupada porque são revistas aparentemente inofensivas”, critica.
“Quando a gente lê mais de um exemplar, percebe que esses valores são recorrentes. Aí a gente começa a dar conta que isso pode ser nocivo”, argumenta a linguista.
Bárbara de Oliveira, 14 anos, lê há um ano uma das revistas para adolescentes mais vendidas no Brasil. A estudante do nono ano do ensino fundamental diz que os editoriais de moda a atraem para as bancas. “Me inspiro nos modelos da revista”, conta. “Eu gosto também porque fala coisas de adolescentes, como espinhas, maquiagem e meninos”, revela.

OUTRAS CONSTATAÇÕES

LINGUAGEM - A linguagem nessas revistas é vazia. Na tentativa de reproduzir o linguajar usado pelos adolescentes, o conteúdo soa forçado e artificial, observa Maria Luiza. “Como ele é redigido por adultos, acaba enfatizando chavões que nem sempre são de adolescentes.”
LEGITIMIDADE - A maneira como os meninos são apresentados nas matérias também é questionada por Luciane. “Eles são agradáveis, simpáticos, inteligentes e bonitos. Têm as melhores características”, afirma Luciane. “E, se a paquera deu errado, a culpa é da garota”, completa.
Ela cita um caso que encontrou em uma das revistas. A chamada estampada na capa convidava as leitoras a conhecerem como 100 meninos gostam de serem paquerados. Ao ler a frase, a adolescente conclui que meninos gostam que meninas tomem a atitude na hora da conquista e isso se torna uma verdade para elas. “Não há como ser questionado”, explica a pesquisadora.
CONSUMO – As sessões de dicas de maquiagem são impregnadas de sugestões de produtos disponíveis no mercado. “Essas dicas não passam de publicidade, porque são acompanhadas pela marca e o preço do produto, o que é muito comum nas revistas em geral”, avalia Luciane.A autora do estudo identificou em uma das revistas analisadas propaganda de uma marca em meio a passatempos. “A criança ou a pré-adolescente tem aquela página como conteúdo de revista, mas na verdade, é uma publicidade disfarçada de matéria”, diz.

Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: UnB Agência.

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