terça-feira, 11 de outubro de 2011

Homens barrocos

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

O barroco é um estilo e um período artístico, mas também é um estilo de vida, um temperamento marcado pela saturação, pelo excesso, pela confusão de sentidos e pela intensidade. O Brasil sempre foi barroco. Tivemos, no passado recente, grandes homens barrocos. Na televisão, Chacrinha foi o mais barroco de todos os nossos apresentadores, uma síntese da brasilidade. No cinema, Glauber Rocha porejava barroquismo em imagens e discursos que iam do profundo ao deliciosamente verborrágico. O Carnaval é a nossa suma barroca anual. Os textos do nosso maior antropólogo, Gilberto Freyre, tem a malemolência do barroco. O mais barroco dos nossos intelectuais talvez tenha sido Darcy Ribeiro, antropólogo, pesquisador, teórico, com seu jeito esparramado, generoso, transbordante, fazendo política e escrevendo romances.
Na política, tivemos, valha o paradoxo, barrocos contidos como Getúlio Vargas e João Goulart e barrocos vertiginosos como Leonel Brizola. Toda a luta dos burocratas tem sido para jugular o barroquismo brasileiro. A UDN, o partido mais conservador e golpista pós-1945, queria sufocar o barroco e impor o moderno, o racional, o linear. Carlos Lacerda, o Corvo, porém, era de um barroquismo de direita incontrolável. Atualmente, os tucanos representam o antibarroquismo em política. Talvez por isso pareçam, muitas vezes, uma reencarnação, sem o golpismo, da UDN. Darcy Ribeiro, no seu livro "Confissões", fez um balanço preciso das relações das elites brasileiras com Jango, Getúlio e Brizola: "Todo o ódio que as classes dominantes sempre tiveram a Getúlio Vargas por sua política trabalhista se derramou contra João Goulart como seu sucessor. Só Brizola foi mais atacado do que Jango por toda a mídia e através dos procedimentos mais sujos". Que falta faz Darcy Ribeiro?
Estamos em falta de intelectuais barrocos. Estamos em falta de grandes intelectuais. Darcy tinha a ousadia das grandes teses e das grandes refutações: "Os inocentes costumam caracterizar Getúlio e Jango como populistas, conceito correspondente aos que fazem carreiras demagógicas, tudo prometendo ao povo para, montados no poder, servir às classes dominantes. É o caso, no Brasil, de Adhemar de Barros e Jânio Quadros. Jamais o de Getúlio e Jango, ambos desapeados do poder pelos setores mais reacionários, precisamente porque não eram populistas, mas temidos pela reação por sua postura oposta. Tinham pavor do pendor reformista de ambos, que ameaçava comprometer a velha estrutura oligárquica do poder, assentada no latifúndio e na submissão a interesses estrangeiros". O verbo do barroco Darcy é incendiário.
A crítica ao conceito de populismo do historiador Jorge Ferreira vem dos escritos do velho Darcy Ribeiro de guerra: "Outra conceituação do trabalhismo reformista de Getúlio e de Jango como populista vem dos comunistas. Estes, não reconhecendo como via revolucionária senão a soviética, da propriedade estatal e da ditadura partidária, negam qualquer virtude ao reformismo, que procura fazer o que é praticável aqui e agora para os assalariados. Especialmente, o reformismo getulista e janguista, que ganha imenso apoio de massas na mesma medida em que estas repelem a tutela política comunista".
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Corrio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 11/10/2011

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