sábado, 8 de outubro de 2011

Jobs e a modernidade

JUREMIR MACHADO DA SILVA*
 
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Ser moderno é uma obrigação. O contrário é constrangedor. A modernidade é uma ditadura. A gente vê isso quando vai ao banco ou quando compra um computador. Basta ter uns caraminguás num banco privado para que comece a pressão: investir com algum risco. As moças dos bancos, normalmente louras de olhar fulminante, dão o primeiro tranco no cliente já na entrada: "Temos uma boa sugestão para clientes de perfil não conservador". O vivente já fica na saia justa. Se recusar, é conservador. Ninguém quer ser conservador. A pessoa faz contas mentalmente. Quanto precisará gastar para não ser conservador? Terá de investir em bolsa? Conseguirá dormir nos próximos 50 anos? Como recusar a oferta de uma loura de olhos metálicos sem passar recibo de conservadorismo?
Outra situação é a compra de um computador. Tenho computador Macintosh desde 1993. Sou fanático pela Apple, uma viúva de Steve Jobs. Perdi a virgindade informática com um Classic, um monobloco com potentes dois mega de memória RAM, seja lá o que isso signifique, em Paris. Faz pouco, fui trocar meu rodado Macbook por um Macbook Pro, a Ferrari dos Mac. Como trabalho muito, tenho casa própria e não tenho filhos, posso ter um bom computador. Fui à loja especializada e escolhi o produto. Quis pagar com um cheque. Sou conservador, só compro se tiver dinheiro em conta. Só uso cartão de débito. Mesmo o cartão de crédito só sai do meu bolso se eu tiver grana na conta. O FMI teria orgulho de mim. A moça me olhou com desprezo: "Não aceitamos cheques. Política da casa". Senti que me via como um ser anacrônico, conservador, decrépito. Fiquei indignado. Cheque é legal. Os bancos os distribuem. Paranoico, pensei: é esquema da loja com os cartões de crédito. Cláudia quase me beliscou. Cedi.
Contratei um rapaz gentil para ir na minha casa instalar tudo. O cara sabe demais. É um mágico. Fiz de conta que estava entendendo tudo o que ele falava. Ele me mostrou um tal de "exposé", um negócio que marca os cantos da tela e, quando o cursor passa na área, joga todos os aplicativos abertos para o centro da tela. Algo assim. Vi na hora que era fria. Mas não seria moderno recusar. Ele me explicou como desativar o troço se eu não gostasse. Era informação demais. Fiquei boiando. Agora, cada vez que, por inadvertência, passo o cursor no extremo lado esquerdo da minha tela, tudo corre para o meio. Algo semelhante acontece quando passo o cursor na parte do baixo. Tudo vai para cima. É algo que não me serve para coisa alguma. Mas é moderno. Radicalmente moderno. Fashion. Bacana. Depois de muita luta, aprendi a desativar o mecanismo. Só que não tive coragem de fazê-lo. Posso precisar novamente do excelente técnico. O que ele diria ao constatar meu franco retrocesso conservador?
O conservadorismo de alguém se mede hoje menos pela sua filiação partidária ou ideológica e mais por práticas cotidianas: usa cheque? Atrapalha-se com o "exposé"? Só investe em renda fixa? Ainda não encontrou utilidade para um Ipad? Confunde Ipad, Ipod e Iphone? Não resta dúvida, trata-se de um conservador, reacionário e antimoderno. Não conheceu Steve Jobs? Ele foi melhor do que Pelé.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Cronista diário do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo

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