Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
A guerra está novamente declarada: quem faz os melhores vinhos, Brasil ou Argentina? Quem faz os melhores filmes, Brasil ou Argentina? Quem ainda faz os melhores camisas 10, Brasil ou Argentina? Para quem gosta de Malbec, a Argentina parece correr solta na frente. Para quem viu recentemente "Um Conto Chinês" e "Medianeras", os argentinos parecem estar dando de relho. É um filme bom atrás do outro. Pelo jeito, encontraram a forma e não param mais de acertar. Para quem é colorado, D''Alessandro parece dois graus acima do rival mais próximo, o talentoso Douglas. E agora? Quem é melhor? Tem gente que detesta argentino, com base na ideia de que eles são sempre arrogantes, e resolve a questão por decreto. Somos melhores e não tem mais discussão. Deu.
Em espumantes, levamos certamente alguma vantagem. Em tintos já é mais complicado. No cinema, a desvantagem é escancarada. Por quê? Os argentinos parecem ter dominado uma variável determinante: a simplicidade complexa. As histórias soam redondinhas, simples, vividas, humanas, profundamente humanas, intensas, alternando melancolia, humor, ternura, momentos trágicos, pequenos dramas, esperanças, conquistas, perdas e incertezas existenciais. Em "Medianeras", por exemplo, tem um toque Woody Allen sob medida. A forma vem acompanhada de um conteúdo convincente. Já os cineastas brasileiros costumam apostar tudo na forma. Fica muito cabeça e pouco coração. Há uma nova lei da física. Quer dizer, da metafísica: onde tem Selton Melo tem chatice. A afetação, caricatura esnobe, transborda das telas. A perspectiva umbilical sufoca qualquer busca do universal.
"Medianeras" mistura Internet, solidão,
a vida na cidade grande, a busca de
um grande amor e os impasses da vida atual
temperada com ansiolíticos."
Os Malbec argentinos são aveludados. Descem como uma boa sonata. Não são recomendados para quem gosta de vinhos encorpados. Os filmes dos nossos hermanos, mesmo quando tristes, expressam uma suavidade ou aspereza agridoces. No fundo, são crônicas filmadas. É o que Woody Allen faz todo ano e sempre dá certo. Vinhos e filmes argentinos lembram o drible clássico do D''Alessandro, o "la boba": parece simples, é simples, quase óbvio, até mesmo óbvio, mas genial e eficaz. Quem duvidar, que tente fazer. Em futebol, nossa fábrica de craques nos tranquiliza. Damião está aí para provar isso. Mata e ainda encomenda o corpo. Em vinhos, temos feito progressos imensos. Deixamos para trás nossa cultura do garrafão. Ainda que, com o Damião arrebentando, alguns comemorem com o velho frei. E o cinema? Aí é que pega.
"Medianeras" mistura Internet, solidão, a vida na cidade grande, a busca de um grande amor e os impasses da vida atual temperada com ansiolíticos. Convence, faz rir e emociona. Qual foi o último filme brasileiro emocionante? Deu apagão na memória. Exageros? Pode ser. Mas é preciso lembrar que, em número de títulos internacionais, D''Alessandro talvez já seja o camisa 10 mais vitorioso da história do Inter. As coisas enganam. De repente, já se consolidaram e nem todo mundo percebeu. Opiniões contrárias serão aceitas. Um Malbec também. Por clemência, não se falou de bons volantes argentinos.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Tradutor. Colunista do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo on line, 03/10/2011
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