domingo, 16 de outubro de 2011

Questões familiares

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

Apresento uma novidade sociológica: a sociedade muda. Todo tempo. Um cronista também deve mudar. É sua obrigação abordar assuntos que antes eram tabus. Não me furto às minhas obrigações. A palavra furto neste contexto tem o objetivo de dar peso moral ao tema. Ela só é usada nesse sentido em situações especiais. Espero que cada um compreenda a gravidade do assunto e não se deixe impressionar pelos seus aspectos triviais. A família mudou. Cabe a cada um julgar se para melhor ou pior. Eu não julgo. Conheço um cara que diz que a família mudou para melhor porque acabou. Cínico! Eu prezo a família. As novas preocupações familiares merecem respeito. Antes, havia pais com sérias dúvidas sobre o sexo dos filhos. Hoje, há filhos com sérias dúvidas sobre o sexo dos pais.
Nada demais. Estamos numa sociedade polivalente e multifuncional. Em alguns casos, o sexo, a exemplo da voz, muda com a idade. Ouvi recentemente o desabafo de um pai de família. Ele estava atônito com uma relação inversamente proporcional de curva em seu organismo. Custei a entender a equação. Sou lento. Era simples: a sua barriga cresce numa relação inversamente proporcional ao seu poder de ereção. Atenção, nada de moralismo nem de discursos. A curva de ereção do pênis tem grande influência sobre a estabilidade familiar contemporânea. Assim como o tamanho dos seios da mãe e se ela deve ou não colocar silicone. O personagem do desabafo citado queixava-se de já não conseguir uma ereção de 90 graus. Uau! O pênis alheio não costuma fazer parte dos meus interesses. Um cronista, porém, não pode se furtar - é o verbo da moda - a prestar atenção aos problemas sociais.

"Acho que a família atual eliminou
alguns elementos, mas integrou outros
até com mais privilégios: trocou-se a sogra
 pelo terapeuta de família.
E os avós por dois cachorros de estimação.
É uma visão brutal?"

Meu interlocutor tem uma teoria: nenhum casamento moderno, baseado no equilíbrio entre amor, cumplicidade, dinheiro, paciência e sexo, resiste a uma curva de ereção descendente progressiva. Segundo ele, o casamento acaba quando não se consegue mais uma elevação regular acima de 45 graus. O sujeito discorda do francês Luc Ferry, que defende a ideia de que atualmente só o amor conta, sendo que não aceitamos morrer por uma ideologia nem pela Pátria, mas apenas por quem amamos: nossos familiares e, cada vez mais, indo além das teorias de Ferry, nosso clube de futebol. Neste caso mais relevante, tem gente querendo matar. Segundo esse meu conhecido, nem se trata de um amigo, na atualidade o sexo conta mais que o amor. Disse-lhe que se trata de uma visão romântica. Ficou atônito. Retirou-se para pensar. Vai voltar certamente.
Há quem diga que a família moderna diminuiu de tamanho, tornando-se muitas vezes uma célula mínima integrada por mãe e filho, pai e filho ou, no máximo, pai, mãe e filho, sem os demais parentes de antigamente. Acho que a família atual eliminou alguns elementos, mas integrou outros até com mais privilégios: trocou-se a sogra pelo terapeuta de família. E os avós por dois cachorros de estimação. É uma visão brutal? Não necessariamente. Já havia cachorros na família antigamente. Sem dúvida. Faz parte da natureza familiar. Há um duplo movimento: cachorros metafóricos são jogados para fora. Cachorros literais são chamados para dentro. Faça o teste da curva. É melhor prevenir do que remediar.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 16/10/2011

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