Entrevista especial com Stewart Hoover
A experiência da religião e da espiritualidade hoje ocorre através da mídia. Ao mesmo tempo, as instituições religiosas formais perderam influência e importância para muitas pessoas.
Perante esse aparente paradoxo, Stewart Hoover, professor de Estudos de Mídia da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, explica que as religiões “não podem mais controlar as formas e os lugares em que as pessoas experimentam a religião, celebram a fé e exploram a espiritualidade”.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Hoover afirma que “as pessoas estão muito mais envolvidas na criação, na adaptação e no refazimento de símbolos e valores religiosos”, fenômeno que é ampliado pelas mídias sociais e digitais. Por isso, “para existir hoje, uma instituição deve existir na mídia” - incluindo as instituições religiosas.
E, aqui, outro paradoxo se assoma: as Igrejas que forem mais ativas midiaticamente irão enfrentar seus próprios desafios, “já que a esfera midiática faz suas próprias exigências, e elas não podem controlar todas as formas pelas quais seus programas e mensagens são distribuídos e consumidos”. Nesse contexto, é preciso que as Igrejas repensem seus papéis de autoridade e se acostumem “a fazer parte de um ‘mercado de escolha’ cultural nas esferas material e midiática. Elas não controlam mais o mistério”, resume.
Stewart M. Hoover é professor de Estudos de Mídia da Escola de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, onde dirige o Center for Media, Religion, and Culture (cmrc.colorado.edu). Mestre e doutor pela Annenberg School of Communications da Universidade da Pensilvânia, foi também pró-reitor da Temple University, na Filadélfia. Dentre outros, é autor de Religion in the news: Faith and journalism in American public discourse (Sage, 1998) e Religion in the Media Age (Routledge, 2006). É ainda membro do conselho editorial da revista Media and Religion e copresidente fundador do Programa de Religião, Cultura e Comunicação da American Academy of Religion.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o papel da mídia na prática e na experiência contemporâneas da religião e da espiritualidade?
Stewart Hoover – As mídias estão agora no centro da religião e da espiritualidade contemporâneas. Por muitas décadas, as mídias têm sido a moldura através da qual as pessoas entendem a religião. O que mudou nos últimos anos é que as pessoas agora também experimentam a religião e a espiritualidade através da mídia, assim como as instituições religiosas formais perderam influência e importância para muitas pessoas.
IHU On-Line – Que novas formas de mediação, compreensão e experiência da religião e da espiritualidade estão surgindo com o avanço das mídias digitais? Existe uma nova forma de ser religioso?
Stewart Hoover – As mídias digitais são forças poderosas na religião contemporânea, particularmente porque elas fornecem muitos dos meios de experiência e de expressão religiosos. Duas dimensões são particularmente importantes: 1) as capacidades das mídias digitais de fazer e de mudar a natureza da comunidade, e 2) a forma pelas quais as mídias digitais convidam à participação e à interação, levando a uma sensação de controle e de autonomia por parte dos indivíduos.
IHU On-Line – O que as novas relações entre mídia e religião revelam acerca da mídia, da comunicação contemporânea ou da atual condição social?
Stewart Hoover – Os sociólogos dizem que as pessoas hoje estão cada vez mais focadas em aperfeiçoar suas próprias identidades e seus “eus”. As religiões têm tido dificuldade para se adaptar a essa nova situação, mas as mídias se adaptaram muito bem, vendo esses gostos (a tendência da religião contemporânea ser pensada como uma “busca” ou um processo de “busca”, por exemplo) como novos mercados para a mercantilização e exploração.
"Somos mais “seculares” no sentido de que, hoje,
as pessoas são mais autônomas e céticas,
especialmente com relação
à autoridade clerical
e doutrinal."
IHU On-Line – Em sua opinião, o que está acontecendo com as religiões institucionalizadas – sua autoridade, tradição, relevância social, identidade, prática etc. – nesta nova era digital?
Stewart Hoover – As religiões institucionais estão tendo dificuldade para se adaptar a essa nova situação. Um dos desafios mais profundos que elas enfrentam é o desafio à sua autoridade. Elas não podem mais controlar as formas e os lugares em que as pessoas experimentam a religião, celebram a fé e exploram a espiritualidade. As mídias e a cultura mais ampla são muito mais definitivas. Há também o fator de que, para existir hoje, uma instituição deve existir na mídia. Elas devem fazer parte do mercado e têm sido lentas para se mover nessa direção.
IHU On-Line – Especialmente no Brasil, além de estarem na mídia, as religiões também têm suas próprias mídias, como grandes canais de televisão, jornais, revistas, páginas na internet etc. Como o senhor analisa essa nova presença das igrejas na esfera pública?
Stewart Hoover – Nesta nova situação, algumas religiões vão “vencer” e outras vão “perder”. Aquelas que estão no mercado vão atrair a atenção e estarão presentes e disponíveis para os indivíduos em busca. Aquelas que se retiram e não participam podem ser importantes, autênticas e significativas; mas aquelas que estão na esfera midiática irão obter sucesso de outras formas. As igrejas que são mais ativas, é claro, irão enfrentar seus próprios desafios, já que a esfera midiática faz suas próprias exigências e elas não podem controlar todas as formas pelas quais seus programas e mensagens são distribuídos e consumidos.
IHU On-Line – Como símbolos, sentidos e valores religiosos transitam entre as sociedades e os indivíduos de hoje? Que papel os fiéis têm nessa circularidade midiática?
Stewart Hoover – As pessoas estão muito mais envolvidas na criação, na adaptação e no refazimento de símbolos e valores religiosos. As mídias sociais e digitais tornam isso mais possível o tempo todo.
IHU On-Line – Que desafios as novas mídias representam para as linguagens, gramáticas e semânticas das religiões e igrejas tradicionais? As igrejas estão falando a linguagem “certa” com o mundo atual? De que forma podemos falar (midiaticamente) sobre o sagrado ou o Mistério na contemporaneidade?
Stewart Hoover – Essa é uma questão muito complexa e que merece muita pesquisa e análise cuidadosas. Certamente, as mídias estabelecem novas condições, quadros de referência e linguagens, e as tradições religiosas são, portanto, afetadas. A questão sobre o que se ganha e o que se perde continua no front e deve ser olhada cuidadosamente.
"Elas não controlam mais o mistério,
que é agora algo pelo qual as pessoas
se veem responsáveis. Ao mesmo tempo,
as religiões tradicionais têm grandes oportunidades,
porque elas são as “marcas” (por assim dizer)
que os indivíduos ainda reconhecem
como próximas do núcleo
do autenticamente “religioso”."
IHU On-Line – Há várias abordagens para a mídia hoje, como convergência, ubiquidade, mediação, ecologia da mídia, midiatização etc. Como o senhor percebe e analisa a comunicação contemporânea?
Stewart Hoover – Cada uma dessas é uma camada útil da situação. Cada uma imagina um papel diferente para a tradição, para os públicos e para as práticas. Cada uma tem uma proporção diferente nas várias molduras midiáticas (digital, tradicional, impresso, público, folclórico etc.). Então, o que é necessário é uma nova metodologia que permita uma interpretação em camadas e complexa dessas coisas. Isso é ainda mais importante porque a própria religião é um fenômeno muito complexo, nuançado e em camadas.
IHU On-Line – Como o senhor vê o processo da secularização? A partir da consolidação da relação religião/mídia, estamos nos tornando mais religiosos ou mais secularizados?
Stewart Hoover – Estamos nos tornando tanto mais “religiosos” quanto mais “seculares”. Somos mais religiosos no sentido de que há um gosto persistente pela religião e pela espiritualidade nos públicos de hoje, e muitas vezes esses recursos religiosos são avaliados de acordo com a sua base na tradição – a sua “autenticidade”. Somos mais “seculares” no sentido de que, hoje, as pessoas são mais autônomas e céticas, especialmente com relação à autoridade clerical e doutrinal. As pessoas são seculares com relação à “prática” religiosa, e religiosas com relação à “crença” religiosa.
IHU On-Line – Qual a sua expectativa sobre o futuro da relação entre as religiões e a mídia? Quais oportunidades e desafios se apresentam para as igrejas nesse contexto?
Stewart Hoover – Há muitos desafios e oportunidades. As igrejas devem repensar seus papéis de autoridade e se acostumar a fazer parte de um “mercado de escolha” cultural nas esferas material e midiática. Elas não controlam mais o mistério, que é agora algo pelo qual as pessoas se veem responsáveis. Ao mesmo tempo, as religiões tradicionais têm grandes oportunidades, porque elas são as “marcas” (por assim dizer) que os indivíduos ainda reconhecem como próximas do núcleo do autenticamente “religioso”. Mas isso deve ser negociado muito cuidadosamente. Mais uma vez, muita pesquisa, estudo e reflexão estão à espera enquanto tentamos responder a essas questões.
IHU On-Line – Em sua opinião, que desafios e novas questões a religião, a mídia e a cultura apresentam hoje para a pesquisa?
Stewart Hoover – Quase todas as questões que você me perguntou implicam a necessidade de estudos cuidadosos, e há muitas questões para além delas. Eu sempre digo que o campo de pesquisa de mídia e religião se encontra no seu limiar, que há muito a ser feito e ainda não há pessoas o suficiente para fazer tudo isso. Mas essa situação está mudando. Mais e mais jovens estudiosos estão assumindo esses desafios.
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Reportagem e Tradução Por Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU on line, 04/12/2011
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