segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Celulares nas escolas

 Por Antônio Góis* — Rio de Janeiro

Adolescente em celular  

Adolescente em celular — Foto: Pixabay

Provavelmente o tema mais debatido neste ano em grupos de pais, a proibição do uso de celulares na escola pode virar política pública a partir da proposta do MEC de enviar ao Congresso um projeto de Lei nesse sentido. Como em todo tema educacional, há muitas nuances, mas é praticamente um consenso que estamos vivenciando uma epidemia de distração que afeta a aprendizagem e o bem-estar dos alunos. A dúvida é qual a melhor resposta para o problema.

Em maio deste ano, a OCDE divulgou uma publicação sobre o tema, a partir de dados do Pisa, exame aplicado em jovens de 15 anos de idade em 81 países ou territórios. As tabulações feitas pela entidade mostram que o uso moderado de aparatos digitais na escola não prejudicou o desempenho dos alunos, nem seu sentimento de pertencimento à escola. Pelo contrário, estudantes que reportaram uso de até uma hora ou menos por dia apresentavam até resultados melhores do que aqueles que afirmavam jamais utilizar celulares, tablets e afins. A partir desse patamar, porém, cada tempo a mais de uso diário estava associado a piores notas e senso de pertencimento à escola.

A entidade cita um estudo sobre o tema publicado em 2017 no periódico Psychological Science, baseado em dados coletados de 120 mil alunos na Inglaterra, para defender a hipótese Goldilocks, uma referência à fábula de Cachinhos Dourados, em que uma menina se perde na floresta e, ao entrar na casa de três ursos e explorar objetos no local, identifica sempre uma opção ideal (nem muito grande, nem muito pequena, por exemplo) entre três. No contexto da análise dos dados do Pisa pela OCDE, a hipótese Goldilocks significa que “o uso moderado de dispositivos digitais não é intrinsecamente prejudicial e pode até ser associado positivamente ao desempenho. É o uso excessivo ou incorreto de dispositivos digitais que é associado negativamente ao desempenho”.

A questão é se estamos conseguindo fazer esse uso moderado. E, aqui, a resposta é preocupante. No Brasil, 45% dos jovens que fizeram o Pisa disseram que se distraem com facilidade nas aulas por causa dos celulares. Na média da OCDE, são 30%. Sem surpresa, o desempenho em matemática cai significativamente entre aqueles que mais se distraem.

Outra conclusão relevante da análise da OCDE é que jovens que reportaram ter mais competência em tecnologias de comunicação e informação são mais propensos a conseguir fazer um uso moderado de telas, um indicativo de que esta precisa ser uma competência trabalhada pelas escolas. A OCDE destaca ainda que, em alguns países, o banimento de celulares em colégios teve como efeito colateral o aumento do uso em casa, o que mostra o quão fundamental é envolver e orientar também as famílias.

Esses achados, obviamente, não esgotam o debate. Vários outros estudos e levantamentos têm confirmado o impacto negativo que muitos professores têm vivenciado na prática. Só que também precisamos, justamente, desenvolver na escola competências digitais. Um projeto de Lei muito rígido pode dificultar isso. Um freio de arrumação parece mesmo necessário, desde que não inviabilize alguma margem de manobra para readequar a rota da educação na direção de um uso eficaz dessas tecnologias para o bem-estar e aprendizagem. 

* Jornalista de educação desde 1996. Autor dos livros 'O Ponto a Que Chegamos'; 'Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil' e 'Líderes na Escola'. 

Fonte:  https://oglobo.globo.com/brasil/antonio-gois/post/2024/09/celulares-nas-escolas.ghtml

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