segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Responsabilidade dos partidos no episódio Datena-Marçal

 Pot Marco Antonio Carvalho Teixeira*

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16 de setembro de 2024

Boa parte abdicou da formação de novas lideranças e da discussão dos problemas públicos. Hoje caçam famosos descompromissados com a política civilizatória

São Paulo é a cidade com o maior número de habitantes do país e com o quinto orçamento nacional — ficando à frente de outras 25 unidades da federação. Também é um local que abriga universidades de ponta em termos de pesquisas científicas e onde se tem a maior oferta de acesso a bens culturais de todo o território brasileiro. Pensando nesses grandes números se faz mais do que necessário indagar: por que a capital dos paulistas está passando por um processo eleitoral para decidir quem vai governá-la nos próximos quatro anos que não é digno da grandeza de tudo que ela representa?

O que se nota, sobretudo nestas eleições para prefeito em 2024, é que, em vez de o foco dos debates se concentrar em problemas crônicos da cidade — como as questões de saúde e educação, degradação ambiental, políticas de adaptação às mudanças climáticas, drama crescente da população de rua, bem como uma política de desenvolvimento com suporte do município que traga mais qualidade vida —, o que se tem visto, sobretudo à partir do início oficial da campanha eleitoral, com a entrada de Pablo Marçal nos debates, é a priorização da desqualificação do adversário, com acusações de todos os tipos: assédio sexual, consumo de drogas, envolvimento com o crime organizado, dentre outras. 

O mais grave de tudo isso é que a retórica violenta levou à agressão física no debate entre os candidatos organizado pela TV Cultura no domingo (15). Tal episódio é o avesso do que foi a mais recente sucessão municipal em São Paulo, em 2020, quando Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), apesar das enormes diferenças ideológicas entre ambos, foram elogiados pela capacidade de respeito mútuo, mesmo diante da intensa polarização entre bolsonarismo e lulismo.

Mais do que nunca, este é o momento de debater profundamente por que um evento que se propunha a discutir ideias e propostas acabou em agressão física. É preciso considerar que não há uma única resposta para a causa de tal estupidez. Há uma combinação de fatores. A política deixou de ser um espaço civilizado da construção de soluções coletivas, de negociação de projetos e de corresponsabilização na tomada de decisões sobre questões que envolvem o interesse e o dinheiro públicos. Ela se transformou em tática de guerra e de propagação do ódio.

O questionamento em relação a agressividade no debate eleitoral de domingo (15), que culminou com agressão física de Datena a Marçal — precedida de violenta agressão verbal de Marçal a Datena —, não deve se limitar apenas ao suposto baixo nível dos dois candidatos como muitos já tenta, fazer crer. Ambos só são candidatos porque seus partidos permitiram que eles se apresentassem para a disputa.

Não questiono aqui se o PRTB de Marçal é ou não de fato um partido no sentido clássico do termo. Mas, o fato é que ele lança candidatos, já teve um vice-presidente da República eleito, Hamilton Mourão, na chapa com Jair Bolsonaro, beneficia-se de recursos que o sistema oferece — como agora ter espaço nos debates por causa da posição que seu candidato em São Paulo ocupa nas pesquisas. Desse modo, tem também de ser cobrado e responsabilizado pela qualidade das candidaturas que apresenta. 

A própria imprensa não tem dado a devida importância para o papel que os partidos exercem na qualidade da política

O mesmo vale em relação ao PSDB, partido que nasceu de uma crítica ao modo quercista de governar São Paulo na década de 1980, partido que se apresentou como reserva moral contra o que representava o quercismo naquele momento, além de se posicionar ao centro como um espaço de moderação na política brasileira. Os tucanos têm de ser cobrados mesmo que estejam sofrendo um processo fratricida de luta interna pelo poder que já incluiu expulsão de quadros — o que fez com sua maior liderança política dos últimos anos no estado de São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, abandonasse o partido. 

Reitero: os partidos são de fato os principais responsáveis pelas candidaturas a quaisquer cargos eletivos, elas não existiriam sem o consentimento das legendas na medida que são dos partidos o monopólio do registro de candidaturas para a competição eleitoral. Assim, ser criterioso na seleção de candidatos seria o esperado caso situações como as verificadas neste processo eleitoral afetassem a imagem dos partidos. Mas o eleitor ainda não colocou a questão no seu radar. A própria imprensa não tem dado a devida importância para o papel que os partidos exercem na qualidade da política.

Concluindo: José Luiz Datena e Pablo Marçal são frutos da permissividade partidária simplesmente porque eles trazem votos em razão de serem conhecidos do grande público por motivos que fogem do debate político. Eles não representam projetos coletivos de cidade, de estado ou país. Boa parte dos partidos brasileiros abdicou da formação de novas lideranças políticas e da discussão dos problemas públicos a partir de uma conexão com suas bases sociais. Hoje caçam famosos, muitas vezes descompromissados com a política civilizatória baseada no respeito, na diversidade e na construção de consensos. Preferem ampliar a qualquer custo seus desempenhos eleitorais para assim acessarem os generosos fundos partidários e eleitorais. É hora de refletir sobre isso.

Marco Antonio Carvalho Teixeira é professor e coordenador do mestrado profissional em gestão e políticas públicas da FGV-EAESP

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2024/09/16/partidos-cadeirada-datena-marcal?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-

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