As notícias falsas sempre existiram. Elas só não tinham um nome em inglês capaz de ser universal: fake news. Quem batiza, cria. Na história das teorias da comunicação é famoso o caso dos “cadáveres alemães a caminho da fábrica de sabão”. Essa história é relembrada por Melvin DeFleur e Sandra Ball-Rokeach em Teorias da comunicação de massa. Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, o general britânico J. V. Charteris, do Departamento de Informação, recebeu duas fotos obtidas com o campo adversário. Vê-se numa delas “cadáveres de soldados alemães sendo arrastados para serem enterrados atrás da linha de frente”. Na outra, “cavalos mortos a caminho da fábrica onde a engenhosidade alemã extraía sabão das carcaças deles”. Perceberam?
Charteris fez a mágica em minutos com as tecnologias da época, tesoura e cola. Inverteu as legendas e criou o fato mobilizador. A foto com os soldados mortos ganhou a descrição devastadora sintetizada nas palavras já citadas: “cadáveres alemães a caminho da fábrica de sabão”. A foto foi enviada para a China, onde o respeito a corpos humanos mortos era sagrado. Resultado em favor do poder da propaganda: “A profanação de mortos atribuídas aos alemães foi um dos fatores responsáveis pela declaração chinesa de guerra contra as potências centrais”. Notícias falsas podem mover o mundo. Na guerra tudo vale. Não por acaso há quem defenda que vivemos num estado de “guerra civil permanente” mundial. Donald Trump é discípulo do general Charteris.
As mentiras mais recentes de Trump dizem respeito a um suposto alistamento de imigrantes irregulares, pelos democratas, para votar na eleição presidencial dos Estados Unidos, o que é contra a lei. Essa mentira já foi contada por Trump na sua derrota para Joe Biden. Trata-se de preparar o eleitorado de direita para uma derrota denunciando uma nova e indemonstrável fraude. A taxa de tentativas de inscrição de estrangeiros irregulares atestada na última eleição americana foi estatisticamente insignificante. Trump não se preocupa com a prova. Quer apenas o efeito. A dificuldade em aceitar resultados das urnas não respeita ideologia. O socialista Nicolas Maduro manteve-se no cargo de presidente da Venezuela sem mostrar as atas eleitorais que provassem a sua vitória. Na França, o presidente Emmanuel Macron nomeou um primeiro-ministro de direita apesar da vitória, sem maioria absoluta, da esquerda nas recentes eleições legislativas antecipadas.
No Brasil, o decadente Jair Bolsonaro, incapaz de impor seus candidatos nas eleições municipais deste ano, tentou um golpe de Estado por não aceitar o triunfo de Lula. Quando a verdade dos votos se revela amarga os inimigos da democracia e os maus perdedores apelam para dois tipos de mentira: a antecipada e a posterior. De certo modo, todos trocam as legendas das fotos para induzir ao erro. Em São Paulo, Pablo Marçal recorreu ao tradicional truque de confundir homônimos para acusar Guilherme Boulos de condenação por uso de drogas. Ele sabia que se tratava de outro Guilherme Boulos. O país não sabia. O golpe funcionou por alguns dias. A diferença entre a época de Charteris e hoje é que se a mentira voa mais rápido, o desmascaramento tende a ser tão ou mais veloz. Essa é a guerra das mentiras totais.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/uma-longa-historia-de-noticias-falsas/?utm_source=Matinal&utm_campaign=670c71e455-EMAIL_CAMPAIGN_2024_09_13_10_33&utm_medium=email&utm_term=0_-670c71e455-%5BLIST_EMAIL_ID%5D
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