Antonio Prata*
É triste constatar, mas talvez não sejamos mesmo merecedores deste adorável planeta
Semana passada o cientista Carlos Nobre publicou no UOL um artigo aterrador. Desde o Acordo de Paris, a meta era reduzir a emissão de gases para chegar a 2050 com no máximo 1,5°C de aumento na temperatura. Nos últimos dois anos nós atingimos este limite. Pode ser um ponto fora da curva, devido a El Niño. Mas pode não ser —e isso seria terrível. Talvez, como sugere o texto, daí em diante não tenha mais volta.
Segue abaixo uma parte do extenso currículo do Carlos Nobre, tirado do seu perfil no UOL. "Formado pelo ITA e pós-graduado pelo MIT. Membro da Academia Brasileira de Ciências, membro estrangeiro da Academia de Ciências dos EUA e da Royal Society da Grã-Bretanha". Colaborou em vários relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Um deles levou o Nobel da Paz. "Foi coordenador geral do CPTEC-Inpe (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) e criador do CCST-Inpe (Centro de Ciência do Sistema Terrestre) e do Cemaden-MCTI (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)". Trata-se, portanto, de alguém que parece ter algum conhecimento de causa, né? Vejamos o que nos diz.
"Se passarmos de 2°C, todos os recifes de coral do mundo serão extintos. Se passarmos de 2,5°C, vamos perder de 50% a 70% da amazônia e grande quantidade do solo congelado da Sibéria, do Canadá e do Alasca, o chamado permafrost, será descongelado. Com isso, vamos jogar [na atmosfera] uma gigantesca quantidade de gases de efeito estufa que estão ali aprisionados." Isso, evidentemente, aceleraria ainda mais o processo de aquecimento.
"Se a temperatura global aumentar em 4°C até 2100, grande parte do planeta, incluindo o Brasil, pode se tornar inabitável, especialmente as regiões tropicais e equatoriais". (...) "A situação seria tão drástica que, no século 22, as únicas áreas habitáveis no mundo seriam regiões como o Ártico, a Antártida e as grandes cadeias montanhosas, como os Alpes e o Himalaia".
Eu não estarei vivo em 2100, mas meus filhos, nascidos em 2013 e 2015, provavelmente sim. Me dou conta agora de que, se não fizermos algo imediatamente, meus netos encararão o apocalipse causado por 7 bilhões de pessoas abandonando a quase totalidade da superfície terrestre para tentar se espremer no círculo polar ártico e antártico. É óbvio que não caberá todo mundo naquelas faixas. É óbvio que haverá guerras, extermínios, faltará comida, água, remédios, tudo.
Eu cresci num mundo em que cientistas e ativistas alertavam para possíveis catástrofes lá pelo meio ou fim do século 21. Elas já chegaram. O Rio Grande do Sul alagado. Brasil inteiro queimando. O céu branco em São Paulo. A chuva preta em Santa Catarina.
É surreal que a humanidade não esteja, neste exato momento, se debruçando sobre o problema como fizemos durante a pandemia de Covid. Pior: no debate para presidente do país mais poderoso do mundo, Kamala Harris teve que se "defender" das "acusações" de Trump de que iria parar de extrair combustíveis fósseis. Garantiu a seus eleitores que continuará perfurando. Enquanto isso, no Brasil, um candidato desmiolado grita "Você não é homem! Você não é homem!" e o outro responde com uma cadeirada. É triste constatar, mas talvez não sejamos mesmo merecedores deste adorável planeta.
*Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2024/09/seremos-a-penultima-geracao.shtml
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