sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Bolsonarismo sem Bolsonaro

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Bolsonarismo sem Bolsonaro  
Melo, já eleito prefeito de Porto Alegre, com o então presidente Jair Bolsonaro durante a inauguração da nova Ponte do Guaíba em 10 de dezembro de 2020 | Foto: Divulgação

Cada eleição é um laboratório. As municipais de 2024 estão produzindo um fenômeno curioso: a obra sem o seu principal identificador. O bolsonarismo vive, entusiasma e apavora. Jair Bolsonaro não consegue dominar seus candidatos em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo, apelidado de Melonaro na campanha anterior, já se mostra mais discreto em relação ao ídolo de até pouco, embora, no lançamento da sua candidatura à reeleição, tenha subido em palanque com o capitão. O bolsonarismo agora é o nome que se dá a algo que existia antes de Bolsonaro, mas que encontrou nele a sua pior expressão.

Pior ou “melhor”. O bolsonarismo encarna o conservadorismo mais desabrido, radical, sem constrangimentos, pé na porta, armamentista, negacionista de tudo o que parecer progressista, inclusive a ciência, adepto das estratégias mais rasteiras para chegar aos seus fins, entre elas o uso de fake news. Jair Bolsonaro deu rosto a essa perspectiva num contexto histórico específico e por ter chegado à presidência da República passou a dar nome a essa ideologia de extrema direita. Bolsonaro, porém, sempre mostrou certas limitações para exemplificar de modo cabal o bolsonarismo: é tecnologicamente atrasado. Um zero. Pablo Marçal é um Bolsonaro plus em tempos de redes sociais e de inteligência artificial, embora Bolsonaro seja imbatível em estupidez natural. Por tudo isso, o ex-coach sem limites nem pudor pode ocupar espaço sem ajuda do capitão ou até mesmo contra ele.

Em São Paulo, Ricardo Nunes e Pablo Marçal assumiram, pela pesquisa Quaest, a ponta. Os dois, em algum momento, foram desprezados por Bolsonaro. Valdemar da Costa Neto, dono do PL, disse na televisão faz algum tempo que Bolsonaro manda por ter os votos. É o bolsonarismo quem tem os eleitores na mão. Bolsonaro é apenas um bolsonarista a mais. Talvez com o tempo venha a ser visto como um precursor, alguém que simbolizou um movimento, mas foi logo ultrapassado por elementos mais expressivos e espertos do que ele. Não é de duvidar que dicionários de política passem a iniciar o verbete “bolsonarismo” com “do nome do capitão Jair Bolsonaro, primeira encarnação eleitoralmente bem-sucedida do neoconservadorismo no Brasil do século 21”.

O bolsonarismo continua faturando com a mesma receita: apresentar-se como antissistema, antipolítica e anticomunista. A realidade biográfica é o que menos importa. A fórmula inclui subir o tom, usar ao máximo a emoção dos eleitores, provocar medo e convocar para a resistência por todos os meios. Se para a esquerda a grande ameaça é o fascismo, para a direita é o comunismo. Se o cara de esquerda insulta chamando de fascista, o de direita responde gritando “comunista”. Bolsonaro corre risco de virar nota de pé de página enquanto o bolsonarismo cresce e assume variações de todo tipo: já tem bolsonarismo de direita e de centro. Só faltar aparecer um bolsonarismo de esquerda. Tudo é possível. Se duvidar, em São Paulo, o segundo turno será entre dois bolsonaristas pós-Bolsonaro. Assustador. O capitão poder ser camarão que dorme. Aí mestre Zeca Pagodinho explica o que acontece.

 *Jornalista. Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário.

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/bolsonarismo-sem-bolsonaro/?utm_source=Matinal&utm_campaign=1ec822583d-EMAIL_CAMPAIGN_2024_09_13_11_04&utm_medium=email&utm_term=0_-1ec822583d-%5BLIST_EMAIL_ID%5D

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