segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O esforço de Lula para se reaproximar dos evangélico

Antonio Mammi e Aline Pellegrini

 

16 de setembro de 2024(atualizado 16/09/2024 às 19h28)

Presidente sanciona projetos de lei voltados a público que lhe dá altos índices de reprovação. Lideranças o apoiaram em mandatos anteriores

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O Diário Oficial da União publicou nesta segunda-feira (16) a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a dois projetos de lei voltados ao público evangélico. Um deles cria o Dia da Pastora e do Pastor Evangélico e outro classifica as expressões artísticas cristãs como manifestações culturais nacionais. O Durma com Essa conta como o gesto se insere no esforço de reaproximação de Lula com esse segmento, onde ele encontra níveis mais altos de reprovação. O programa tem também Mariana Vick apresentando a série O clima e as eleições municipais, cobertura do Nexo com apoio do Instituto Talanoa.

Edição de áudio Brunno Bimbati
Produção de arte Lucas Neopmann

                                      Transcrição do episódio

Antonio: Um presidente que já teve o apoio de lideranças evangélicas em mandatos passados. Um político que viu o segmento se unir em torno do seu principal opositor nos últimos anos. E que agora busca uma reaproximação. Eu sou o Antonio Mammi e este aqui é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo.

Aline: Olá, eu sou a Aline Pellegrini e estou aqui com o Antonio para apresentar este podcast que vai ao ar de segunda a sexta, todo no início de noite, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Antonio: Segunda-feira, 16 de setembro de 2024. Dia em que o Diário Oficial da União publicou a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a dois projetos de lei que atendem ao público evangélico. Um deles institui o Dia da Pastora e do Pastor Evangélico no país, e outro reconhece as expressões artísticas cristãs como manifestações culturais nacionais. 

Aline: Os dois projetos foram iniciativas do Legislativo, mas a sanção de Lula é um gesto para se aproximar de um segmento importante da população brasileira, no qual a sua avaliação é pior do que a da média da população. Um levantamento de 2020 do Instituto Datafolha apontou que 31% dos brasileiros são evangélicos. O IBGE ainda não publicou os dados segmentados por religião do Censo 2022. 

Jorge Messias: O nosso povo quer paz. E nós vamos trabalhar pela paz. Esse é o recado que o presidente pediu que eu trouxesse para vocês. E que a paz de Cristo, meus irmãos, que a paz de Cristo, seja com cada um de vocês

Antonio: Esse que você ouve aí é o Jorge Messias, advogado-geral da União, em um discurso na Marcha para Jesus em junho de 2023. Ele foi enviado para representar o governo Lula no evento em São Paulo, e foi vaiado quando mencionou o presidente. A participação do ministro aconteceu meses depois de uma eleição presidencial na qual Lula foi alvo de uma campanha de difamação junto ao público evangélico. Circularam notícias falsas afirmando que o petista fecharia igrejas caso fosse eleito e algumas lideranças chegaram a associar o então candidato ao demônio.

Aline: Mas a resistência a Lula e ao PT já era algo que vinha de antes da eleição de 2022. Por isso, desde que assumiu, o presidente tem procurado resgatar a confiança desse público nele. 

Lula: Eu queria perguntar… A primeira pergunta é se vocês acreditam em Deus. E queria perguntar se vocês acreditam em milagre. 

Antonio: Vocês ouvem aí o Lula, que é católico, num evento de inauguração de uma adutora na cidade pernambucana de Arcoverde em abril deste ano. Esse discurso foi marcado pelo número de referências religiosas, quase uma para cada um dos mais de 20 minutos de fala do presidente. Nesse período, a Secretaria da Comunicação do Planalto lançou uma campanha com o slogan “Bote fé no Brasil”, pra divulgar os feitos do governo. 

Aline: O Instituto Quaest divulgou uma pesquisa de popularidade do governo Lula que mostrou que a reprovação do presidente entre os evangélicos caiu de 58% para 52% entre maio e julho. Nesse mês, o PT lançou uma cartilha nacional, elaborada por militantes evangélicos do partido, orientando sobre como se comunicar com esse público nas eleições municipais. Os candidatos petistas são aconselhados a valorizar a família, a fé, a liberdade religiosa e os direitos humanos nos seus discursos. E são desaconselhados a tratar todos os cristãos como fundamentalistas e a rejeitar as possibilidades de compreender o mundo a partir de interpretações da Bíblia. 

[mudança de trilha]

Antonio: A relação de Lula e do PT com os evangélicos sempre foi conturbada, com períodos de aproximação e outros de afastamento. Ao longo dos primeiros mandatos de Lula, entre 2003 e 2010, setores evangélicos se aproximaram do governo. O PSC, Partido Social Cristão, foi base governista  na Câmara dos Deputados, e o PRB, Partido Republicano Brasileiro, hoje Republicanos, ligado à Igreja Universal, fez parte do segundo mandato de Lula.

Aline: Em 2003, o presidente sancionou a lei que reconhece as organizações religiosas como instituições privadas, tornando as denominações livres para se organizarem autonomamente, sem precisar de reconhecimento do poder público. Em 2009, Lula sancionou a lei que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus, que àquela altura já acontecia havia 16 anos em São Paulo. E um ano depois, em 2010, ele criou o Dia do Evangélico. 

Antonio: Durante esse período, não havia um alinhamento automático entre lideranças evangélicas e os governos Lula, mas uma relação pragmática. Pautas ligadas aos direitos humanos e, em especial, aos direitos da população LGBTI+, ganharam espaço na esquerda e se tornaram focos de atrito. 

Aline: Os partidos evangélicos apoiaram a candidatura à Presidência de Dilma Rousseff, sucessora de Lula. Mas a relação se deteriorou, e essas legendas acabaram apoiando o impeachment dela em 2016. 

Vinícius do Valle: Os últimos anos foram de uma discussão muito intensa e foram, enfim, anos em que as igrejas, elas atuaram de forma muito unida em torno de um campo político, em torno do campo político bolsonarista, para ser mais específico. Se a gente for olhar dentro do histórico do posicionamento político das igrejas evangélicas, a gente não via uma quase unanimidade como a gente viu nesses últimos anos.

Antonio: Esse que você ouviu aí é o Vinícius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e diretor do Observatório Evangélico. Ele explicou aqui pro Durma como líderes evangélicos se alinharam em torno do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro em 2018, abandonando uma posição fragmentada para se unir em torno de uma força política.  

Lincoln Portela: Nós somos contra a liberação das drogas, nós somos contra o aborto, nós somos contra a erotização precoce nas escolas, nós somos contra a ideologia de gênero, somos contra uma polícia mal armada, nós somos contra liberação de presos e saidinhas de presos indevidas. Nós somos pela Segurança Pública, nós somos por um país livre…

Aline: Esse que você ouviu aí é o deputado federal Lincoln Portela, do PL de Minas, membro da bancada evangélica no Congresso. Ele deu essa declaração durante as eleições de 2022, quando o Bolsonaro concorreu à reeleição, numa entrevista pra série Politiquês do Nexo. Ele tava justificando aí o apoio de políticos evangélicos ao então presidente, citando as pautas caras a eles. 

Antonio: A Frente Parlamentar Evangélica tem cerca de 230 integrantes, entre deputados e senadores. E algumas dessas pautas citadas pelo Lincoln Portela acabaram movimentando esses parlamentares na legislatura que começou em 2023. Casos em que o governo Lula até se posicionou, mas evitou comprar briga. 

Aline: A bancada conseguiu uma vitória com a proibição das chamadas saidinhas, as saídas temporárias de presos em regime semi-aberto. No Senado, marcou posição contra o Supremo ao aprovar a criminalização de todo porte de drogas, numa proposta de emenda à Constituição que ainda tá em análise na Câmara. Mas esses parlamentares também acabaram endossando um projeto muito criticado pela opinião pública que acabou sendo engavetado: um projeto de lei que equiparava o aborto legal após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, um projeto que acabou sendo conhecido como “PL do Estupro”. Isso porque, no texto, mães que recorressem ao aborto ao serem estupradas poderiam receber uma pena maior do que a do seus estupradores.

[mudança de trilha]

Antonio: Uma coisa que o cientista político Vinícius do Valle, do Observatório Evangélico, frisou na conversa aqui com o Durma foi que o momento atual é de distensionamento político de lideranças com relação ao governo. 

Vinícius do Valle: O governo Lula tem se mostrado na prática um não inimigo das igrejas. Então, se ele não tem se mostrado um parceiro, um amigo, pelo menos ele não se mostrado um inimigo. 

Aline: Com relação a bancada evangélica, isso se reflete nos parlamentares com quem Lula consegue dialogar. 

Vinícius do Valle: Então eu acho que a bancada evangélica atualmente tem duas alas. Uma ala que é essa, mais pragmática, que se permite negociar com o governo, que tem canais abertos com lideranças do governo. E outra ala que ainda está presa numa retórica mais bolsonarista, de fato, e que, enfim, assume uma posição de oposição sistemática ao governo Lula.

Antonio: Esse distensionamento acontece não só nas cúpulas das igrejas e no Congresso como também entre os fiéis, que passam a dar outro peso para questões do dia a dia. Num cenário de resultados positivos, com atividade econômica em alta, inflação controlada e desemprego em baixa, o governo acaba se beneficiando.

Vinícius do Valle: Quando a gente vê uma distensão do clima político nos espaços religiosos, mas não só nos espaços religiosos, acho que isso se dá na sociedade em geral, quando a polarização ela arrefece, né? A gente vê a possibilidade da situação econômica, dos resultados econômicos, eles serem mais percebidos por essa população. E eu acho que é isso que a gente tá vendo nas igrejas. 

Aline: O Durma com essa volta já.

[publicidade]

Aline: O Nexo lançou a série “O clima e as eleições municipais”, com uma cobertura especial sobre temas de mudanças climáticas nas campanhas. A série tem apoio da organização civil independente Instituto Talanoa e tá sendo produzida pela Mariana Vick, que vai falar sobre ela aqui com a gente. Mariana, você pode dar mais detalhes sobre a série?

Mariana: A série vai trazer textos explicativos sobre o papel das cidades em atividades que contribuem para a mudança climática e sobre a construção de políticas públicas para combater o problema. Temas discutidos em diversas cidades brasileiras, como a eletrificação do transporte público e o deficit habitacional, vão aparecer em alguns dos nossos textos. Também queremos entender de que forma o clima é tratado nas campanhas de capitais que passaram por eventos extremos no último ciclo eleitoral, como Porto Alegre, Recife, Porto Velho, capital que mais sofre com as queimadas e as secas em 2024. Nosso objetivo é contribuir para qualificar o debate público de um tema que nem sempre está presente da maneira que deveria nas campanhas eleitorais. Os textos vão ser publicados até o primeiro turno, em 6 de outubro, e todos vão ter acesso livre a todos os leitores.

Aline: E que textos o Nexo já publicou nessa cobertura?

Mariana: A gente já publicou dois textos desde a semana passada, quando a gente começou a série. O primeiro explica o que considerar sobre crise do clima ao votar na eleição municipal. Ali a gente dá um panorama bem amplo sobre as relações entre o clima e as cidades, explicando como a mudança climática afeta as áreas urbanas (e vice-versa), quais são os desafios das cidades brasileiras nesse contexto e qual é o papel das gestões municipais para enfrentá-los. O texto também mostra como algumas das principais preocupações dos eleitores na campanha — como saúde, educação, habitação e transporte — podem ser analisadas à luz da crise do clima. Já o segundo texto se volta pra cidade de Porto Alegre, que — por causa das fortes inundações de maio, viveu naquele mês a maior tragédia climática de sua história. O texto mostra como a capital gaúcha lida com o clima às vésperas da eleição, explicando de que forma o tema aparece nas campanhas e o que os candidatos prometem.

Aline: O texto da Mariana você lê em nexojornal.com.br. 

Antonio: Do esforço de Lula para se reaproximar dos evangélicos à cobertura do Nexo sobre mudanças climáticas e eleições municipais, Durma com Essa.

Aline: Com roteiro e apresentação de Antonio Mammi, edição de texto e apresentação de Aline Pellegrini, participação de Mariana Vick, produção de arte de Lucas Neopmann e edição de áudio de Brunno Bimbati, termina aqui mais um Durma com Essa. Amanhã a gente volta. Até!

Fonte: https://www.nexojornal.com.br/podcast/2024/09/16/relacao-governo-lula-com-evangelicos?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240916&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240916+CID_831ed13f5f38470130c4d79e314d1020&utm_source=Email%20CM&utm_term=O%20esforo%20de%20Lula%20para%20se%20reaproximar%20dos%20evanglicos

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