Todo império sonha em abolir a história. Saber parar o tempo é a prova do poder absoluto: conseguir anular ao mesmo tempo o remorso do passado e a esperança do futuro é a sua garantia de perenidade. Assim, toda ditadura inaugura no presente, inevitavelmente, uma ditadura do presente.E é essa presentificação absoluta a ameaça que Marc Augé entrevê por trás da máscara otimista da globalização e a sua excitante coalescência de tempos e de espaços. Um destino que o "etnólogo no metrô" teme e denuncia em seu último livro, "Che fine ha fatto il futuro?" [Que fim teve o futuro?] (Ed. Elèuthera, 110 páginas, mas o trocadilho do título original, "Où est passé l´avenir?", alude também ao desaparecimento do passado).
Ainda desses gestos se deveria entender que, apesar de seu tamanho pequeno, não se trata de um livro simples. Deve ser lido com toda a atenção, exceto pelo subtítulo inventado pela editora italiana, "Dai nonluoghi al nontempo" [Dos não lugares ao não tempo], infundado (no texto, a palavra "não tempo" não aparece nenhuma vez] e também prejudicial, porque reduz uma definição seriamente fundada – não lugares – cujo enorme sucesso arriscou submergir sua genialidade a uma fórmula vendável ao infinito sob capas sempre novas. Não é assim, para nossa sorte.
"Che fine ha fatto il futuro?"
é um livro intenso, percorrido por tensão ética e também política, que talvez irá desiludir quem fez de Augé uma imagem simplificada de um antropólogo do cotidiano explorando metrôs, aeroportos e parques de diversão.
Pelo contrário, "Che fine ha fatto il futuro?" é um texto de horizonte filosófico e é talvez aquele em que Augé toma distância mais claramente da interpretação pós-modernista da contemporaneidade, da qual, porém, compartilha do pressuposto, ou seja, de que lá onde a modernidade havia destruído todo mito das origens, a pós-modernidade destruiu também toda utopia futurista.
Mas no seu entusiasmo pela suposta liberdade que o "fim das narrações" nos concederia, o pós-modernismo parece a Augé "a versão cool e ecológica do 'fim da história'". À pós-modernidade otimista, Augé contrapõe a preocupada visão daquela que ele chama, não de hoje, de supermodernidade, fruto do colapso do espaço e da aceleração do tempo em um planeta supracomunicante. Esse presente órfão das lições do passado e das esperanças no futuro, enfim, não lhe parece mais leve do que antes, mas sim mais denso, claustrofóbico, saturado até à náusea dos substituídos da história perdida: as imagens tornada ubíquas pela Internet, as ruínas (que dissociam o sentido do tempo do seu correr), o turismo que unifica geografia e cronologia reduzindo ambas a espetáculo.
Esse presente é prepotente, mas frágil, oprimido por ânsias e medos. A primeira e mais terrificante das quais, obviamente, é a ressurreição do que se buscou abolir: a história.
Toda sociedade dominada pelo presente teme o evento assim como a peste. Exorciza-o até que pode, desfazendo-o nas explicações de longo prazo, negando sua unicidade e sua relevância. Quando não pode, porque o evento é muito poderoso, então o poder muda de estratégia: para reagir à insuportável eventualidade do 11 de setembro, George W. Bush ressuscitou um cadáver sepultado há mais de 60 anos, a declaração de guerra (ao Terror), que sempre foi a rainha da história évenémentielle, mas que se torna agora o seu oposto, o retorno à continuidade tranquilizadora (era uma guerra enduring, perene), evento que nega o evento e promete resolvê-lo e anulá-lo.
Mas justamente por isso, o desafio se torna mais duro e arriscado. Os fragmentos de gênero humano expropriados da história, os exilados e os migrantes obrigados a abandonar a sua própria identidade em um passado que é agora declarado extinto, para se refundar em identidade estrangeiras cujo futuro é programaticamente bloqueado, não têm outra esperança de vingança do que reapropriar-se dos mitos de origem como arma e dos mitos de futuro como programa de ação, fazendo a história reiniciar a golpes de evento que não podem ser esterilizados, portanto sempre mais violentos e evidentes.
Augé, que continua sendo um humanista, busca fechar o livro com uma nota de voluntarioso iluminismo, imaginando "as condições de uma utopia da educação", que desarmam a bomba. Infelizmente, soa bem mais realista a sua profecia poucas páginas antes sobre o que está amadurecendo às margens da supermodernidade: "Se aquilo do qual são excluídos é a história, não é preciso se admirar se o risco de vê-los entrar novamente na história pelos caminhos mais perigosos e insensatos não estiver longe".
*Augé é antropólogo, autor de ensaios como "Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade" (Papirus, 1994), "Diario de guerra: el mundo después del 11 de septiembre" e "El viajero subterrâneo".
*A reportagem é de Michele Smargiassi, publicada no jornal La Repubblica, 20-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto/IHU
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