Recentemente esteve entre nós o renomado biólogo darwinista Richard Dawkins afirmando que Deus faz mal à saúde humana e que "Deus é um delírio", título, aliás, de seu livro. Quase simultaneamente saiu um outro livro de um renomado filósofo e teólogo anglicano Keith Ward que, sem pretende-lo, deu uma resposta a Dawkings. Seu livro se intitula: Deus, um guia para os perplexos (Difel 2009).
Ward depois de percorrer mais de três mil anos de reflexões sobre Deus, tranquilamente, com o humor inglês que o caracteriza, poderia escrever: Dawkins, um delírio.
A questão fundamental que seu livro suscita é: o que os humanos querem dizer quando falam "Deus"? Por que as culturas, desde sempre, colocam o tema Deus?
Ward começa com a mitologia grega, cujo panteão é repleto de deuses e deusas. Mas adere à interpretação inaugurada por C. G. Jung e por Campbel segundo a qual no panteísmo não temos a ver com a multiplicidade de divindades, mas com múltiplas formas de presença divina na natureza e na vida humana. As divindades não são seres subsistentes, mas representam energias poderosas e criativas para as quais nos faltam as palavras adequadas para descrevê-las. Então se usam nomes divinos e mitos.
Ward passa pelos grandes representantes do pensamento ocidental, sem esquecer seus paralelos orientais, que detidamente se enfrentaram com a problemática de Deus. Mostra a grande ruptura que ocorreu entre o pensamento clássico greco-cristão para qual Deus representava a eternidade, a imutação e a pura transcendência e entre o pensamento moderno que entende a realidade como mutação e evolução, carregada de virtualidades apontando para várias direções.
A figura de Hegel é especialmente estudada porque foi ele que introduziu Deus na história, ou melhor fez da história a forma como Deus se mostra (tese), se autonega (antítese), entrando nos avatares da condição temporal e retorna sobre si mesmo carregando toda a riqueza de sua passagem pela evolução (síntese). Sua essência como Espírito absoluto é ser dinamismo, mutação, liberdade e criação. Vê no próprio conceito cristão da Trindade, a dialética divina da história: o poder auto-afirmativo que se mostra como Pai, a sabedoria que se revela como Filho e o amor unitivo que se concretiza como Espírito Santo.
Ward mostra as implicações lingüísticas e filosóficas que a temática de Deus encerra. Vão desde o discurso raso do fiel que identifica imagem de Deus com Deus mesmo, passando pelo discurso analógico dos teólogos para os quais os conceitos são meras analogias e não descrições do ser divino até o silêncio reverente que sabe ser impossível dizer qualquer coisa objetiva sobre Deus. Famosa é a frase de um dos maiores teólogos cristãos, o Pseudo-Dionísio Aeropagita (século VI): "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe". É a linguagem dos místicos seja dos muçulmanos como os sufis, seja da sabedoria dos taoístas, seja dos místicos cristãos que afirmam que sobre Deus dizemos mais mentiras que verdades. Por isso, vale a advertência do filósofo Ludwig Wittgenstein: "Sobre coisas que não podemos falar, devemos calar". É o que as religiões e igrejas menos fazem.
Mas nem por isso deixamos de permanentemente colocar o tema de Deus. Seguindo a tradição pragmática inglesa Ward enfatiza que ao invés de perguntar o que a palavra "Deus" representa, deveríamos perguntar "como a palavra Deus é usada"? Ela está na boca e nas atitudes dos que oram, cantam e meditam. Esta é uma forma de se relacionar com o Inefável e a partir dele com o mundo. A conseqüência prática é que ocupar-se com Deus libera o eu do desespero e da ilusão e lhe possibilita atingir certa integração que gera a felicidade.
Como se depreende, pensar Deus não é nunca um mero exercício intelectual. É pensar a forma mais adequada de vivermos como seres humanos, compreendermos melhor o mundo e conectar-nos com aquela Energia soberana e boa que tudo pervade e penetra nas profundezas de cada um.
Finalmente, crer em Deus é crer na bondade fundamental do ser, é crer que vale a pena viver e desfrutar da alegria de passar por esse pequeno planeta no qual habitam seres que sentem o pulsar da Realidade Suprema feita de amor, compaixão e último aconchego. Deus é a maior viagem, o melhor delírio jamais experimentado.
* Teólogo, filósofo e escritor. Autor de Exprimentar Deus, Verus 2007.
Ward depois de percorrer mais de três mil anos de reflexões sobre Deus, tranquilamente, com o humor inglês que o caracteriza, poderia escrever: Dawkins, um delírio.
A questão fundamental que seu livro suscita é: o que os humanos querem dizer quando falam "Deus"? Por que as culturas, desde sempre, colocam o tema Deus?
Ward começa com a mitologia grega, cujo panteão é repleto de deuses e deusas. Mas adere à interpretação inaugurada por C. G. Jung e por Campbel segundo a qual no panteísmo não temos a ver com a multiplicidade de divindades, mas com múltiplas formas de presença divina na natureza e na vida humana. As divindades não são seres subsistentes, mas representam energias poderosas e criativas para as quais nos faltam as palavras adequadas para descrevê-las. Então se usam nomes divinos e mitos.
Ward passa pelos grandes representantes do pensamento ocidental, sem esquecer seus paralelos orientais, que detidamente se enfrentaram com a problemática de Deus. Mostra a grande ruptura que ocorreu entre o pensamento clássico greco-cristão para qual Deus representava a eternidade, a imutação e a pura transcendência e entre o pensamento moderno que entende a realidade como mutação e evolução, carregada de virtualidades apontando para várias direções.
A figura de Hegel é especialmente estudada porque foi ele que introduziu Deus na história, ou melhor fez da história a forma como Deus se mostra (tese), se autonega (antítese), entrando nos avatares da condição temporal e retorna sobre si mesmo carregando toda a riqueza de sua passagem pela evolução (síntese). Sua essência como Espírito absoluto é ser dinamismo, mutação, liberdade e criação. Vê no próprio conceito cristão da Trindade, a dialética divina da história: o poder auto-afirmativo que se mostra como Pai, a sabedoria que se revela como Filho e o amor unitivo que se concretiza como Espírito Santo.
Ward mostra as implicações lingüísticas e filosóficas que a temática de Deus encerra. Vão desde o discurso raso do fiel que identifica imagem de Deus com Deus mesmo, passando pelo discurso analógico dos teólogos para os quais os conceitos são meras analogias e não descrições do ser divino até o silêncio reverente que sabe ser impossível dizer qualquer coisa objetiva sobre Deus. Famosa é a frase de um dos maiores teólogos cristãos, o Pseudo-Dionísio Aeropagita (século VI): "Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe". É a linguagem dos místicos seja dos muçulmanos como os sufis, seja da sabedoria dos taoístas, seja dos místicos cristãos que afirmam que sobre Deus dizemos mais mentiras que verdades. Por isso, vale a advertência do filósofo Ludwig Wittgenstein: "Sobre coisas que não podemos falar, devemos calar". É o que as religiões e igrejas menos fazem.
Mas nem por isso deixamos de permanentemente colocar o tema de Deus. Seguindo a tradição pragmática inglesa Ward enfatiza que ao invés de perguntar o que a palavra "Deus" representa, deveríamos perguntar "como a palavra Deus é usada"? Ela está na boca e nas atitudes dos que oram, cantam e meditam. Esta é uma forma de se relacionar com o Inefável e a partir dele com o mundo. A conseqüência prática é que ocupar-se com Deus libera o eu do desespero e da ilusão e lhe possibilita atingir certa integração que gera a felicidade.
Como se depreende, pensar Deus não é nunca um mero exercício intelectual. É pensar a forma mais adequada de vivermos como seres humanos, compreendermos melhor o mundo e conectar-nos com aquela Energia soberana e boa que tudo pervade e penetra nas profundezas de cada um.
Finalmente, crer em Deus é crer na bondade fundamental do ser, é crer que vale a pena viver e desfrutar da alegria de passar por esse pequeno planeta no qual habitam seres que sentem o pulsar da Realidade Suprema feita de amor, compaixão e último aconchego. Deus é a maior viagem, o melhor delírio jamais experimentado.
* Teólogo, filósofo e escritor. Autor de Exprimentar Deus, Verus 2007.
Adital, 26/10/2007
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