sábado, 24 de outubro de 2009

Deus quer que todos nós sejamos felizes

Luis Valdez Castellanos, S.J.*
É difícil crer que Deus queira nossa felicidade pois a pregação da segunda metade do século passado, que ainda perdura em muitos sacerdotes, insiste em que Deus nos pede sofrimentos, esforços, penitências, longas orações, etc.
Viemos de uma tradição que apresenta um Deus que não gosta muito da alegria e da felicidade e parece que ele gosta de nos ver num vale de lágrimas. Seria bom perguntarmos se o que esses sacerdotes ou teólogos dizem de Deus é verdade ou é uma interpretação falsa. Deveríamos nos perguntar se Deus é também como o apresentam.
Segundo J. M. Castillo: "É um fato que a teologia cristã desenvolveu-se de maneira que qualquer teólogo considera mais fácil falar sobre o sofrimento que da alegria; mais fácil também falar da dor que da felicidade. A aspiração mais imediata e natural de qualquer ser humano, a aspiração e o desejo de ser feliz nesta vida, é algo que é muito difícil de encontrar nos tratados de teologia, nos escritos de espiritualidade e nos livros de liturgia. A tradição cristã ainda não tomou devidamente consciência de que foi Jesus quem trouxe aos seres humanos a maior felicidade" (1).
Muitos de nós recebemos uma quantidade tamanha de idéias equivocadas sobre Deus, onde se misturam opiniões de pessoas que freqüentam templos, com algumas leituras de folhetos e missais, muitos sermões, etc., e a tudo isso lhe dá um valor muito grande. E isto é compreensível pois vivemos de um catolicismo muito da rua e da cultura oral. A maioria dos católicos não costuma estudar sobre a própria religião, assistir a cursos mais avançados de teologia, aulas sobre a Bíblia e, por ignorar tantas coisas, aceitam qualquer idéia como boa. Não há capacidade de diferenciar ou de qualificar.
Além disso, por causa dessa mesma ignorância, essas pessoas não se sentem com o direito de questionar e colocar em dúvida o que outros lhes dizem. Em matéria de religião muita gente foi educada mais para obedecer do que para pensar e, portanto, torna-se difícil duvidar, pesquisar e discordar.
Como conseqüência é difícil mudar a imagem de Deus ainda que seja falsa e não tenha nada a ver com o que Jesus Cristo nos revelou dele. Daí a importância de se suspeitar das imagens que recebemos e que temos de Deus.

A PROPOSTA DE DEUS: SEJAM FELIZES TORNANDO OS DEMAIS FELIZES

Sabemos que a aspiração básica de qualquer ser humano é viver feliz. E não podemos imaginar um Deus que vá contra esta aspiração. Jesus nos revelou que Deus deseja e colabora com nossa felicidade.
É verdade que uma coisa é a felicidade e outra o prazer ou o bem-estar. Jesus nos convida para vivermos uma felicidade que não é um bem-estar permanente, mas sim uma conseqüência de um modo de ser e de viver. É um fruto indireto da vida e não uma meta a ser alcançada.
O psicólogo Scott Peck define o amor assim: "Amor é a vontade de se estender a fim de promover o próprio crescimento espiritual e o da outra pessoa" (2).
Esta definição pode ajudar-nos a entender que, se Deus é amor e o único que sabe fazer é amar, então o que lhe interessa é promover o crescimento espiritual de outra pessoa.

JESUS E A FELICIDADE

Jesus com sua maneira de agir é modelo para chegar a uma verdadeira felicidade, uma sensação de plenitude. Porque Jesus é uma pessoa muito amorosa e o único que deseja é que nós, seus irmãos, sejamos felizes mediante a realização de todas as nossas capacidades humanas. Sua felicidade é que sejamos felizes, assim como a que vivem muitas mães.
Jesus foi um homem profundamente feliz porque se sentia amado por seu Pai, e por esse amor se dedicou a fazer o seu próximo feliz, combatendo o sofrimento das pessoas. Sentia-se tão cheio de amor que precisava dedicá-lo especialmente aos que sofrem. Sentia-se muito amado e valioso e assim via as pessoas memo que elas estivessem fora da lei.
O Evangelho está cheio de exemplos de como Jesus fazia os outros felizes. E junto a suas obras concretas também no plano dos pronunciamentos podemos encontrar no Evangelho (boa nova) muitos aspectos importantes que apresentam que seu projeto é nossa felicidade.
A felicidade e a bem aventurança estão tão dentro da mensagem cristã que aceitar e assumir o projeto cristão é o mesmo que aceitar e assumir um projeto de gozo, de felicidade e de alegria para a vida presente de qualquer pessoa e da humanidade como um todo.
Jesus sabia que ele não era o centro de sua própria vida, mas seu Abbá (Pai Deus) e portanto podia relativizar sua vida e presenteá-la. E convidava as pessoas para isso, para que fôssemos livres e não escravos da imagem, do dinheiro.
Vejamos o exemplo narrado por São Marcos (Mc 10,17-22). Quando um homem rico pergunta a Jesus o que deve fazer para ganhar a vida eterna e ele responde que venda seus bens, compartilhe-os com os pobres e que o siga, não estava pedindo uma vida de pobreza e privação. Jesus o estava convidando a fazer parte de sua comunidade, onde o costume era compartilhar, e poderia ter gozado da segurança que proporciona a confiança nos irmãos e irmãs e em Deus. É verdade que era necessário o primeiro desprendimento para depois passar ao gozo da fraternidade. Por isso muitas vezes a felicidade é conseqüência da liberdade diante do próprio bem-estar. Santo Inácio o expressa com outras palavras. Quando fala de seguir Cristo diz que terá momentos em que a pessoa terá que ir "contra sua própria sensualidade e contra o amor carnal e mundano" (3).
Ainda que nos pareça algo estranho, todo convite que venha de Deus ou de Jesus são para nosso bem e para o bem das pessoas, nunca para nosso mal, pois em Deus só existe o amor e não o mal. Jesus viu como este homem perdera sua liberdade diante dos bens e da riqueza e o convidou a outro estilo de vida onde poderia ser mais feliz. Mas se a riqueza e o bem-estar constituem a única felicidade e a pessoa não está disposta a deixá-los por nada, pensará realmente que é um absurdo.

NOSSA FELICIDADE

Se fez com que nós acreditássemos que a felicidade vem quando satisfazemos nossas necessidades. E é verdade que a necessidade move quando está insatisfeita e pressiona sua satisfação. Mas em certas ocasiões a felicidade virá quando aprendermos a aceitar a frustração de não poder satisfazermos certas necessidades. Nossa cultura do possuir e do imediatismo atrasam e dificultam a tolerância à frustração, levando-nos às fases infantis. A criança quer o prazer e agora, se não, faz birra. A felicidade virá ao escutar nossas necessidades, ao localizá-las, valorizá-las e classificá-las.
E há outra coisa muito importante que menciona J. Antonio García Monge (4): "Mais grave é a confusão da necessidade com o dinamismo do desejo. As necessidades têm um tope natural, os desejos se abrem a um horizonte mais amplo. Se aplicarmos a energia do desejo a serviço da satisfação de uma necessidade, estaremos sempre insatisfeitos, vazios, ansiosos. Preciso comer, como uma necessidade ou posso desejar comer algo como um gourmet. Mas, assim como o instinto do animal lhe dirá o quanto precisa, o ser humano pode ultrapassar, em prejuízo de si mesmo e dos outros. Sua necessidade, confundida com o desejo, levou-o além de sua sábia natureza e atua em sua própria deterioração, em sua versão individual e social. Já não come para viver, mas vive para comer, possuir, monopolizar, roubar a saúde pessoal e social. Ensinar a relacionar-se com as próprias necessidades e com as alheias, a desejar humanamente, não confundindo o anseio de ser com o de ter , é sabedoria humana e cristã".
Esta sinalização me parece que nos dá pistas da verdadeira felicidade. Comer para ser saudável, ter bens para viver sem exagero, trabalhar sem exagerar, e assim todas as necessidades humanas. Descobrir o engano do dinamismo do desejo que não tem limites e provoca sua própria destruição e a dos demais. Basta ver o exemplo da crise econômica atual, provocada pela avareza das companhias americanas, e que arrastou o mundo inteiro. O fato de não haver limite ao desejo de lucro provoca este dano tão grave às pessoas.
Numa relação interpessoal quando um dos dois perde ,então, perdem os dois. Por exemplo, se um marido ofende e humilha a sua mulher, aparentemente venceu. Mas na realidade perdeu porque sua mulher fica magoada e ferida. Mesmo que não se vingue, a relação se deteriora e há uma perda de confiança. Há uma imposição mas também há uma perda.
Por isso a pessoa que ama se move no eu ganho/você ganha. No mesmo exemplo, se o marido em lugar de ofender, expressa sua raiva sem magoar, falando de seus sentimentos com sua mulher, ela apreciará muito mais este gesto do marido e o amará ainda mais.
Em outras palavras a felicidade é algo "relacional" ou que tem a ver não só com minha felicidade, mas também com a outra pessoa. Por isso se eu quiser ser feliz terei que olhar sua felicidade. E ao fazer algo por sua felicidade eu serei feliz. E sou feliz não porque tive um ato de caridade ou espiritual, mas porque realizei minha capacidade de amar. Cada um de nós, temos esta capacidade que nos leva a sair de nós mesmos e ver além de nosso próprio bem-estar.
O esquema de ganhar/ganhar também tem outra vantagem, pois há pessoas que por uma falsa concepção do amor se entregam totalmente aos outros, chegando a se esquecer de si mesmas e não se amam. Ao estar tão de cara aos outros se desentendem e chegam depois a se amargurarem e a pedir recompensa pelo que deram aos outros. Inclusive podem chegar a se sentir vítimas, porque se sacrificaram toda uma vida pelos outros e estes não se comportaram da mesma maneira.
Além disso, a proposta de Jesus é o amor ao próximo e o amor a si mesmo. Não se trata de escolher, mas de amar o outro/a e a si mesmo. O que eu estiver disposto a fazer pelo outro, Jesus nos convida a que o façamos também para nós mesmos. E tem um sentido profundo pois, ao me nutrir e me alimentar posso gastar minhas energias nos demais. E assim em sentido psicológico, se eu me alimento com a auto-estima, com boas leituras, com bons momentos de amizade e carinho com os amigos/as serei capaz de gostar mais das pessoas.
É verdade que, ás vezes, nem sempre, cuidar, servir, respeitar, ajudar outra pessoa implica descuidar-me ou não pensar em meu bem-estar e inclusive ir contra meu descanso ou saúde. Mas isto não implica que sempre tenho de esquecer de mim e de minha saúde e bem-estar.
Também é uma realidade que em muitos momentos para ajudar outra pessoa sairá de mim como algo desejado e de maneira gostosa e generosa. Todos sentimos prazer em ajudar alguém e era algo que realmente desejávamos de todo coração. Creio que o amor leva muito a sério o próximo ,mas também a mim mesmo. E a partir da fé também entra o amor a Deus. Por isso o amor tem três dimensões: Deus, o próximo e eu mesmo . E quando amo sinto-me feliz.
A felicidade é a grande tarefa dos cristãos e, é claro , de todos os seres humanos. O que ocorre é que é mais exigente e custa mais dar felicidade aos outros do que vencer seus próprios vícios e paixões. Porque para dar felicidade aos outros, nós devemos ser felizes e, principalmente tornar-nos sensíveis para agradarmos os outros, teremos que renunciar a muitas coisas que lhe agradam para que os demais se sintam bem.

1 J.M. Castillo. Espiritualidad para insatisfechos. Trotta, Madrid, 2007.
2 Peck, Scott. La nueva psicología del amor. Emecé, Buenos Aires, 1986.
3 Ignacio de Loyola. Ejercicios Espirituales. N° 97.
4 García M., J. A. "Tener, acaparar, poseer... Ecología del alma liberada", Revista Sal Térrea Nº 1031.
_______________________
*Luis Valdez Castellanos, S.J. licenciado em Filosofia e em Teologia. Mestrado em Desenvolvimento Humano. Sacerdote jesuíta. Diretor da revista Mirada, http://www.revistamirada.com/ - Acesso 24/10/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário