domingo, 18 de outubro de 2009

"Brasil é o maior alvo dos biopiratas"

Bruno Barbosa*
Para o coordenador-geral de fiscalização do Ibama,
lentidão para assegurar soberania sobre recursos
gera prejuízo para o País
Em entrevista ao Estado, ele afirma que o País deve assumir uma posição de protagonista no debate mundial para garantir a participação das nações mais pobres nos dividendos econômicos e biológicos da biodiversidade.
É possível traçar um panorama da biopirataria no País?
Infelizmente, não. Biopirataria não é o mesmo que tráfico de animais. Não é necessário cruzar a fronteira com o bicho inteiro. Pode ser uma gota de sangue ou uma pena. Às vezes, só uma semente ou, até mesmo, um pouco de terra com microrganismos - qualquer ser vivo interessa aos biopiratas. O importante são as informações genéticas. No limite, pode ser só um arquivo de computador que descreve o DNA da espécie "roubada". Como não há uma lei penal específica para a biopirataria, não conseguimos autorização para realizar tarefas de inteligência essenciais para apurar crimes tão complexos. Contamos só com as penas administrativas - normalmente multas - previstas no decreto nº 5.459 de 2005.
Qual é a utilidade dessas informações genéticas?
Os genes guardam instruções para a produção de diversas substâncias que despertam interesse da indústria farmacêutica e química. Eles podem ser inseridos nas células de outros seres vivos que se tornam pequenas fábricas para a produção da substância cobiçada. Recentemente, inseriram em cabras o gene responsável pela produção das fibras que compõem a teia de uma aranha. O leite das cabras transgênicas foi processado e purificado e produziu uma fibra tão resistente quanto o aço. Cerca de 40% dos remédios usados hoje já são fruto da biotecnologia. Vale lembrar que a indústria farmacêutica movimenta US$ 400 bilhões por ano (cerca de R$ 700 bilhões). Nessa corrida por novos princípios ativos, o Brasil é o maior alvo.
Por quê?
Por três motivos. Em primeiro lugar, temos um quinto da biodiversidade do mundo. Em segundo, nossas comunidades tradicionais guardam dicas sobre as plantas e animais mais promissores para a descoberta de compostos com interesse econômico. Em terceiro, temos uma comunidade científica bem estruturada e em expansão: resultados de pesquisas também servem como pistas sobre genes interessantes.
Quais seres vivos são mais procurados?
Em geral, aqueles que possuem toxinas: aranhas, escorpiões, centopeias, cobras, sapos etc. Dizem que todo remédio é veneno dosado. Aqui a máxima se aplica. Seria muito conveniente que o Estado brasileiro realizasse um levantamento das patentes internacionais obtidas com o patrimônio genético nacional, uma tarefa muito trabalhosa, mas relativamente simples. Todas as patentes internacionais descrevem o processo de descoberta da inovação.
Para que serviria esse levantamento?
Para argumentar no cenário político internacional. Em 1992, a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), realizada no Rio durante a Eco-92, propôs um tratado que estabelecia o direito à soberania dos povos sobre os recursos genéticos encontrados no seu território. Com exceção dos Estados Unidos, a maioria dos países assinou a convenção. A CDB garante que o país provedor do recurso genético explorado também participe dos dividendos econômicos e tecnológicos oriundos da pesquisa. Também sublinha a importância de um uso sustentável do patrimônio natural.
Por que ignoram a convenção?
Porque ela não prevê nenhuma sanção para quem a desrespeita. Na prática, só vigora a lei internacional de patentes, conhecida como Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês), aprovado em 1994, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Trips estabelece três precondições para que uma patente seja aceita: seu objeto deve ser inovador, fruto de uma atividade inventiva e ter aplicação industrial. Ou seja, nem uma palavra sobre respeito à soberania dos povos no acesso a recursos genéticos. Naturalmente, o Trips prevê retaliações para quem desrespeita patente internacional registrada.
Qual é a solução?
No âmbito internacional, os países com grande biodiversidade - e o Brasil pode desempenhar um importante papel aqui - devem lutar para unir os dois acordos: respeito à propriedade intelectual e respeito ao interesse dos países que cedem sua biodiversidade para o desenvolvimento de produtos. Mas deve haver sentido de urgência. Se esse processo demorar uma ou duas décadas, considerando a velocidade e os investimentos em pesquisas, o prejuízo do Brasil será astronômico.
*Bruno Barbosa. É coordenador-geral de fiscalização do InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) Liderou a Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético até 2006, subordinada àCoordenação-Geral de Fiscalização do Ibama
Reportagem de ALEXANDRE GONÇALVES, Estadão, 18/10/2009
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091018/not_imp452384,0.php

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