sábado, 17 de outubro de 2009

"A missão é investigar o cérebro

Martin Lindstrom*,
o teórico do neuromarketing,
aposta no estudo da mente por meio da ressonância magnética
para mudar a compreensão do consumo,
do mercado e
da economia

EN_O senhor acredita que o conhecimento vindo dos laboratórios de neurociência tem o poder de afetar o modo como entendemos a economia?
Sim, mas não agora. A neurociência e, em particular, o neuromarketing estão ainda em seus primeiríssimos dias. Vai levar anos antes que insights dessa natureza sejam sólidos e confiáveis o bastante para que se construam teorias sérias em torno deles. Dito isso, não há dúvida de que a recessão e o comportamento irracional que o mundo tem exibido nos últimos anos podem muito bem ser parcialmente explicados pela neurociência, já que ela, em contraste com outros formatos de pesquisa, olha para a parte não consciente do nosso comportamento – um lugar onde muito da recessão, na realidade, acontece.
EN_Já que vivemos em uma sociedade de consumo, o senhor vê uma “nova economia” surgindo de uma melhor compreensão do consumidor?
Possivelmente. Em vez de nova economia, eu prefiro dizer branding 2.0, o que significa dizer que os “bons e velhos tempos” do branding [trabalho de construção de uma marca no mercado], iniciados nos anos 50, estão agora prestes a desaparecer e ser substituídos por pesquisa não consciente. Este insight vai, sem dúvida, mudar todo o modo como enxergamos o mundo. Podemos discutir se isso implica em uma nova economia, mas uma coisa é certa: isso vai significar um jeito inteiramente novo de construir marcas e comunicação.

“Propaganda subliminar funciona,
sexo não vende e o
poder dos sentidosé substancialmente mais influente
nas decisões que tomamos
do que alguém imaginaria.
As marcas do futuro vão se inspirar na religião”


EN_Como a neurociência se tornou uma de suas áreas de interesse e que tipo de insight o senhor pode tirar dessas experiências que não teria apenas observando e entrevistando consumidores? Enquanto eu escrevia Brand Sense [o livro anterior de Lindstrom, de 2005, sobre construção de marcas com o uso dos cinco sentidos], percebi que é quase impossível questionar consumidores sobre seus cheiros preferidos. Descobri isso muito tarde – depois de ter entrevistado milhares de consumidores. O problema é que nosso vocabulário é insuficiente para expressarmos sensações muito interiores. Minha missão então passou a ser investigar e entender a fonte [dessas sensações], isto é, o cérebro.
EN_O que as pesquisas neurocientíficas que deram origem ao livro A Lógica do Consumo nos ensinam?
Que 85% de todas as decisões que tomamos todos os dias acontecem em nossa mente não consciente. Que propaganda subliminar funciona, sexo não vende e o poder dos sentidos é substancialmente mais influente nas decisões que tomamos do que alguém imaginaria. Que existe um forte paralelo entre o mundo da religião e o mundo do branding. Quer dizer, as marcas no futuro irão começar a se inspirar no mundo da religião.
EN_A neuroeconomia e a economia comportamental estão colocando em xeque a crença na racionalidade econômica de homens e mulheres. E o neuromarketing?
Muitos comportamentos são profundamente irracionais. Por que você bate na madeira [para que algo ruim não aconteça]? Tenho certeza de que você não faz ideia – e mesmo assim ainda faz isso. Este é um exemplo de comportamento que temos todo dia, toda hora, todo minuto. Executamos mais de 250 rituais todos os dias! Como quando pegamos um produto numa prateleira em apenas quatro segundos – e 60% de todos os produtos adquiridos são escolhidos em até quatro segundos. São comportamentos como esses que precisamos entender. E o único modo de fazer isso é via pesquisas não conscientes.







ONDE ESTÁ O M?_
Numa campanha criada para o serviço drive-thru do McDonald’s,
os faróis do carro
apenas sugerem
a logomarca de empresa
no asfalto.


EN_Quão longe o senhor imagina que pode ir na missão de compreender o modo como os consumidores tomam decisões e ajudar as empresas a melhorar sua comunicação com eles?
Deixe-me primeiro sublinhar uma coisa. O neuromarketing e a neurociência nunca serão capazes de implantar um “botão de comprar” em nossos cérebros. E graças a Deus por isso. Mas não há dúvida de que o neuromarketing vai começar a ter um papel cada vez maior na condução de pesquisas, lentamente tornando a pesquisa mais convencional obsoleta. Isto, entretanto, não acontecerá amanhã, mas talvez em 20 anos. No futuro, as marcas provavelmente não vão ter uma taxa de fracasso de 90%, mas de 50%. Os anúncios irão ganhar maior apelo e funcionarão melhor. Mais importante, os anúncios – e o ruído – irão começar a desaparecer, simplesmente porque a indústria começou a entender o que funciona e o que não funciona.

EN_Já há empresas tirando proveito do neuromarketing? Há algum exemplo com resultados mensuráveis?
Sim, a esta altura perto de 25% das 100 maiores empresas do mundo estão [usando o neuromarketing]. Isso inclui todo mundo, do Google à Mercedes-Benz, MTV, Microsoft etc. Os resultados são melhor funcionalidade nas buscas do Google, melhor navegação no software da Microsoft, melhor design nos carros da Mercedes e melhor merchandising nos programas da MTV.
EN_Como o senhor pensa que as descobertas do neuromarketing vão mudar a publicidade? De comerciais de TV a merchandising?
Os comerciais de TV irão, esperamos, tornar-se mais atraentes e o merchandising, mais relevante – mas talvez mais assustador. Existe uma chance de que o marketing comece a ir para o subterrâneo, isto é, a apelar à nossa mente não consciente. Por um lado, é nela que as decisões são tomadas, mas, por outro, [esta prática] põe o consumidor em uma situação na qual ele tem pouco a dizer.
“Nós pensávamos que o logo funcionava e para muitos era o túmulosagrado do branding. Agora sabemos que isso não é verdade. O logo frequentemente tem efeito oposto e dilui a marca em vez de construí-la”
EN_Com base no que sabemos sobre como o cérebro humano responde às marcas e à publicidade, quais são os erros fundamentais dos profissionais de marketing?
Nós pensávamos que o logo funcionava. Para muitos, era o túmulo sagrado do branding. Agora sabemos que isso não é mais verdade. Na realidade, o logo frequentemente tem um efeito totalmente oposto e dilui a marca em vez de construí-la. Nós também aprendemos que merchandising e patrocínios não funcionam, simplesmente porque são feitos fora de contexto e portanto nosso cérebro apaga a propaganda e a mensagem da marca. Aprendemos que sexo não vende e frequentemente mata a marca, mas, sim, gera muita atenção. Aprendemos que os sentidos são os modos mais poderosos de construir marcas, com foco em som e cheiro. E aprendemos que religião provavelmente vai ser a fonte futura de inspiração quando formos construir marcas verdadeiramente poderosas.
EN_E a pesquisa de mercado? O senhor acredita que a ressonância magnética do cérebro vai substituir a pesquisa tradicional, baseada em entrevistas?
Não, a resposta não será a ressonância magnética do cérebro, mas uma tonelada de diferentes técnicas, incluindo tudo, da codificação facial a várias outras técnicas de observação. Dito isso, não há dúvida de que os formatos convencionais de pesquisa irão começar a perder importância, mas provavelmente nunca desaparecerão simplesmente porque existem perguntas a que apenas esse tipo de pesquisa pode responder.
EN_Que tipo de trabalho o senhor vem fazendo com companhias interessadas em neuromarketing?
Eu trabalho para mais de 20 das maiores marcas do mundo. Muitas delas alavancam os insights que nós estabelecemos em torno do neuromarketing. Eu também administro um leque de companhias que estão se especializando neste campo. Uma delas é a Buyology Inc., em Nova York, outra é a agência Brand Sense, em Londres. Eu trabalho em tudo, do desenvolvimento de novos produtos com café para a Nestlé a novas bebidas para a Pepsi ou novos tijolinhos para a Lego.
EN_Se o neuromarketing tornar-se uma tendência, estou certo de que algumas pessoas vão reclamar desse tipo de olhar indiscreto para dentro de suas mentes. O que o senhor diria a elas? Que o neuromarketing é como um martelo e um prego. Você pode tanto usá-los para o bem – isto é, pendurando uma pintura na parede – como machucar alguém com eles. Ao falar sobre o neuromarketing para o mundo, minha esperança é que o consumidor esteja mais preparado para essa nova onda. A boa notícia é que o ser humano não pode ser programado para fazer alguma coisa contra a sua vontade. Esperamos que o neuromarketing seja a ferramenta que vai limpar um mundo de anúncios e comerciais muito bagunçado e tomador de tempo, sem o qual todos nós poderíamos viver.
*Consultor Dinamarquês especializado em marcas e autor de A lógica do Consumo, mergulhou na neurociência para descobrir por que compramos(e por que deixamos de comprar)...
Reportagem da revista ÉPOCA/NEGÓCIOS,Nº 32 - outubro de 2009,pp. 150-153
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI97030-16642-1,00-A+MISSAO+E+INVESTIGAR+O+CEREBRO.html

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