domingo, 11 de outubro de 2009

A ficção se transforma em realidade

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão *




Nas próximas décadas, a Nasa planeja implantar uma base lunar permanente. Para estabelecer uma colônia humana, a água é essencial, mas onde encontrá-la em um planeta sem atmosfera e onde a temperatura varia de cerca de 300° C entre o dia e a noite? Resposta: perto dos polos!


Com efeito, em algumas das grandes crateras existentes nestas áreas próximas aos polos, além de suficientemente íngremes, algumas ocupam uma localização ideal para a existência de depósitos de gelos, em que uma parte dos seus fundos jamais é alcançada pela luz do Sol desde tempos imemoriais.


Assim a água, sob a forma de gelo, poderia muito bem ter se acumulado, proveniente, por exemplo, da queda de cometas. Na verdade, existem indícios, mas infelizmente eles não são conclusivos. Aliás, a presença de vestígios de água foi fornecida pelas sondas Clementine, Lunar Prospector e, mais recentemente pela sonda indiana Chandrayyan-1. Essa sonda, ao analisar a luz refletida pela superfície lunar, detectou emissões em comprimento de ondas que revelaram uma ligação química entre dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, para formar a molécula de água.


Segundo o estudo, na Lua existiriam dois tipos de água: exógena, proveniente de objetos externos, como meteoritos ou cometas que impactaram na superfície; e endógena, procedente de seu interior.


A missão LCROSS, lançada em 18 de junho de 2009, realizou ontem, um duplo impacto no fundo da cratera Cabeus no polo sul da Lua em uma operação destinada a confirmar a presença de água na superfície lunar. O primeiro impacto ocorreu às 08h31min, horário de Brasília, causado pelo foguete Centauro vazio, com peso de mais de 2 toneladas, que gerou uma coluna de poeira de mais de 6 km de altura no topo da cratera. Cerca de 3 minutos depois a sonda LCROSS cruzou a esteira de pó da qual recolheu informações antes de se chocar com a superfície lunar. Se efetivamente existir água no fundo da cratera, essa deve ter sido lançada no espaço em virtude do duplo impacto.


Mesmo que o solo lunar contenha neste sítio somente 0,5% de água, será possível detectá-la na nuvem de poeira ejetada acima da superfície lunar. Sob a ação de luz solar, a expectativa é que água emitisse, com efeito, no espectro infravermelho e até mesmo uma porção de moléculas de H2O seja dissociada pela radiação UV (ultravioleta), para dar radicais OH cuja presença será traída pela emissão de uma linha característica em 308 nanômetros.


Com efeito, pouco antes de estes dejetos caírem, levando à água de novo a escuridão, a segunda parte LCROSS medirá esta radiação antes que ela venha a cair na Lua 4 minutos mais tarde. Os pesquisadores acreditam poder complementar estas observações usando o Telescópio Infravermelho no topo de Mauna Kea, no Havaí.


Em seu romance 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), o engenheiro e escritor inglês Arthur C. Clarke (1917-2008) colocou a primeira base lunar permanente norte-americana, próximo à cratera Clavius, não muito afastada do poólo sul da Lua. Essa escolha não foi acidental. À medida que a civilização se desenvolve a ficção se transforma em realidade.


* astrônomo
Jornal do Brasil - 09/10/2009.

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