GaudêncioTorquato*
O dandismo, maneira afetada de uma pessoa se comportar ou se vestir, “é o prazer de espantar”. Essa definição, do poeta francês Baudelaire, um dos precursores do simbolismo, explica a extravagante performance que o senador Eduardo Suplicy exercitou, há dias, nos corredores do Senado, após vestir uma sunga vermelha sobre as calças e assumir o papel de Super-Homem no teatrinho produzido por um programa cômico de TV. O dândi é incapaz de resistir quando o desafiam, principalmente quando divisa a possibilidade de se tornar estrela no palco midiático e atrair a atenção das massas. Se o protagonista pertence ao mundo competitivo da política, a atração pelos holofotes é fatal.
Nesse caso, os limites da liturgia do cargo costumam ser rompidos. E os atores, motivados a participar de encenação que tem mais que ver com estripulia circense e comédia farsesca. A vontade de aparecer na mídia é tão obsessiva que a cognição sobre os limites entre atos convenientes e inconvenientes, normais e ridículos, se torna esmaecida na mente dos personagens. Brandir a espada do He-Man, lutar jiu-jitsu, imitar o berro de Tarzan ou assumir o papel de cantantes românticos, mesmo que tais desempenhos tenham ocorrido nos antigamente respeitados espaços das casas legislativas, são, para eles, simples esquetes que não ferem o decoro parlamentar. Afinal, onde se cruza a linha do bom senso com a ridicularia política?
Essa fronteira, vale lembrar, sempre apresentou bifurcação. A estreita relação entre a arte dramática e o artifício da política data dos tempos antigos. Luiz XIV costumava assumir o papel de ator em encenações e bailes nos jardins de Versalhes. Napoleão, para compensar a pequena estatura, vestia-se com muita pompa. Hitler ensaiava a representação para as massas, incluindo aulas de declamação e postura dadas por um ator provinciano, de nome Basil. Bem antes, em 64 a.C., Cícero, o mais eloquente advogado do ciclo de César, guiou-se por um manual de representação, produzido por seu irmão Quintus Tullius, para vencer a campanha ao Consulado de Roma contra Catilina. O roteiro sugeria modos de se apresentar e falar. Coisas assim: "Seja pródigo em promessas, os homens preferem uma falsa promessa a uma recusa seca".
Entre nós, a arte da representação também tem sido bastante cultivada. Jânio Quadros dava ênfase à semântica por meio de estética escatológica: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, jeito desleixado, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques, depois de anunciar para a massa, com ar cansado: "Político brasileiro não se dá ao respeito. Eu, não, desde as seis horas da manhã estou caminhando pela Vila Maria e não comi nada. Então, com licença". E devorava a fruta, sob os aplausos da multidão. Não tinha nenhuma fome. O ator histriônico havia se refestelado com uma feijoada, tomado um pileque, dormido na casa de um cabo eleitoral e acordado quase na hora do comício.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político
Postado CORREIO POPULAR, Campinas, 30 de outubro de 2009.
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