domingo, 25 de outubro de 2009

Criança lê, adulto lê.

Marisa Lajolo*
foi agraciada pelo Prêmio Jabuti por
seu trabalho de pesquisa Monteiro Lobato: Livro a Livro.
Metrópole - Por que pesquisar Monteiro Lobato?
Marisa Lajolo - Ele foi o grande autor da minha infância. Acredito que, como eu, muitos começaram a ler por causa de Monteiro Lobato. Posso dizer que tenho o privilégio de transformar uma paixão de criança num objeto de estudo na vida adulta. Poucos escritores no Brasil têm o poder de migrar entre diversos públicos e ele conseguiu fazer isso de forma brilhante. Além das obras infantis, discutia a própria noção do que é ser brasileiro e o funcionamento da política no País.
Do que trata seu trabalho mais recente, Monteiro Lobato: Livro a Livro, que acaba de receber o Prêmio Jabuti?
O livro é o resultado de minuciosa pesquisa sobre os bastidores de cada obra de Lobato. Organizado por mim e pelo professor João Luís Ceccantini, com a ajuda de diversos colaboradores, foi concebido para servir de apoio a todos os interessados em conhecer mais sobre tudo o que escreveu o autor. Não se trata de um trabalho exclusivamente acadêmico, feito por e para pesquisadores. Trata-se de um livro para o leitor comum, para ser usado inclusive nas escolas.
Qual a importância do prêmio na divulgação de sua pesquisa?
É difícil afirmar, mas acho que a forma como o livro foi escrito pesou na decisão dos jurados. Embora seja feito por pesquisadores, é um trabalho sem termos técnicos, que propicia leitura agradável. O prêmio, além de ajudar na divulgação, é o reconhecimento de um conjunto de todos os esforços necessários para que o projeto saísse do papel. Desde a publicação, o livro tem sido muito bem aceito no mercado. As duas primeiras edições estão esgotadas.
Houve surpresas durante a pesquisa?
Sim. Há um livro pouco conhecido dele, chamado Zé Brasil que, se fosse lido pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, poderia dar nova concepção à forma como é feita a luta pela reforma agrária no Brasil. Aliás, o próprio Lobato reconheceu que a origem de grande parte dos problemas do País está na divisão de terras.
O acervo da Unicamp deve conter coisas inusitadas...
Há na universidade mais de dois mil itens entre livros, cartas e objetos do escritor. Além de raridades no campo da literatura, o acervo também possui coisas como um leque feito por ele para a mulher e uma caneca. Costumo dizer que se trata de um grande centro de estudos sobre o maior autor de literatura infantil da América Latina.
Há algo de premonitório na obra do escritor...
Sem dúvida alguma. Monteiro Lobato sempre teve a percepção dos caminhos da modernidade. Além da questão da reforma agrária, também já previa a importância do desenvolvimento industrial para o crescimento do Brasil, os caminhos para a utilização do petróleo nacional e, sobretudo, a necessidade de oferecer um sistema de ensino de qualidade. Sua visão estava tão à frente do seu tempo que, em O Presidente Negro, ficção científica sobre os problemas raciais nos Estados Unidos, ele já previa como seria se aquele país fosse liderado por um homem negro. Em função da eleição de Barack Obama, está sendo traduzido para o inglês.
Quais são os melhores escritores de literatura infantil em atividade no Brasil?
A literatura infantil brasileira foi eleita por duas vezes a melhor do mundo e está com frequência entre as melhores publicações do gênero. Sem citar nomes, posso dizer que todos os escritores contemporâneos admitem ser eternos devedores à obra de Monteiro Lobato.
Os heróis ou anti-heróis de Lobato são carregados de imperfeições...
Todos os seus personagens têm muito a ver com a formação da identidade nacional. Mas, para mim, a melhor representação de um herói brasileiro está na Emília, de O Sítio do Picapau Amarelo. Ela tem a astúcia e a esperteza típicas do povo brasileiro. Sabe driblar as dificuldades para satisfazer a sua vontade. Sem contar que Emília ilustra perfeitamente a própria irreverência do autor.
Monteiro Lobato criticou publicamente a artista plástica Anita Malfatti e o escultor Vitor Brecheret. Mesmo assim, sua fama costuma ser de “bom moço”. Como a senhora define a personalidade do escritor?
Como já disse, sua marca registrada era a irreverência. Ele não tinha papas na língua ao dizer o que pensava, mas não tinha problemas em circular em todos os meios, seja entre escritores ou políticos. Também não tinha medo de mudar de opinião, de discordar de si mesmo. Era muito autocrítico e isso fez dele uma figura queridíssima, principalmente durante a década de 1940.
A republicação da obra de Lobato é sinal de que o atual permanece atual?
O fato de uma grande editora (desde 2007, seus livros vêm sendo gradativamente republicados pela Editora Globo) assumir a obra dá um grande poder de divulgação. E quanto mais livros de Lobato estiverem em circulação, melhor. Claro que o interesse dos leitores é fundamental para uma editora desse porte aceitar republicar determinada obra. Sem dúvida, o autor continua atualíssimo e atraindo cada vez mais admiradores. E o mais interessante é que todos os seus livros podem ser lidos por crianças e relidos por adultos.
Se tivesse de escolher apenas um livro entre todos...
Sem contar o obrigatório Reinações de Narizinho, tenho admiração especial por A Chave do Tamanho, que tem a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo. Publicado em 1942, o livro já discutia meios para acabar com o conflito entre os países.
*Não fossem as terríveis dores de dente da infância, Marisa Lajolo jamais teria criado tamanha intimidade com a obra de Monteiro Lobato. Foi numa cadeira de dentista que a professora titular do Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprendeu a trocar lágrimas por sorrisos de satisfação. “Para me convencer a tratar os dentes, minha mãe me deu de presente Reinações de Narizinho. A partir daí, ir ao dentista virou um prazer para mim”, lembra.Desde então, não parou mais de se dedicar ao criador de O Sítio do Picapau Amarelo, Urupês e de tantas outras relíquias literárias que integram o legado do maior escritor de literatura infantil do Brasil. Aos 65 anos, a paulistana criada na cidade de Santos acaba de ganhar recompensa à altura de sua cirúrgica investigação sobre o cidadão mais ilustre de Taubaté: foi agraciada pelo Prêmio Jabuti por seu trabalho de pesquisa Monteiro Lobato: Livro a Livro.
Postado na revista METRÓPOLE - Correio Popular, Campinas, 25/10/2009 - Reportagem de HENRIQUE NUNES.

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