segunda-feira, 12 de outubro de 2009

dor causada por luto prolongado desperta atenção de cientistas

FRAN SCHUMER*





Cada uma das 2,5 milhões de mortes anuais nos Estados Unidos afeta diretamente quatro outras pessoas, em média. Para a maioria, o sofrimento é finito -doloroso e duradouro, é claro, mas não tão incapacitante que 2 ou 20 anos depois a pessoa mal consiga sair da cama.


Mas estima-se que, para 15% da população enlutada -ou mais de 1 milhão de pessoas por ano-, essa dor se torne algo que Katherine Shear, professora de psiquiatria da Universidade Columbia (Nova York), chama de "um sofrimento em 'loop'". E essas pessoas, acrescentou Shear, mal conseguem funcionar. "[O sofrimento] afasta uma pessoa da humanidade e não tem valor redentor", disse ela.


Essa forma extrema, chamada de luto complicado ou desordem do luto prolongado, tem atraído tanta atenção recentemente a ponto de poder ser incluída no DSM-5, o manual da Associação Psiquiátrica Americana para o diagnóstico de transtornos mentais, que sairá em 2012.


Alguns especialistas argumentam que o luto complicado não deveria ser considerado um distúrbio à parte, e sim um mero aspecto de transtornos existentes, como a depressão ou o estresse pós-traumático. Mas outros dizem que as evidências são convincentes.


"De todos os distúrbios que ouvi serem propostos, há melhores dados para este do que para praticamente qualquer outro dos tópicos possíveis", disse Michael First, professor de psiquiatria clínica de Columbia e um dos editores do atual manual, o DSM-4. "Seria loucura da parte deles [especialistas] não levá-lo a sério."


Não há uma definição formal do luto complicado, mas pesquisadores o descrevem como uma forma aguda que persiste por mais de seis meses, pelo menos seis meses depois de uma morte. Seu principal sintoma é uma saudade tão intensa que priva a pessoa de outros desejos. Ele tem sido associado a uma maior incidência de alcoolismo, câncer e tentativas de suicídio. "O luto complicado pode arruinar a vida de uma pessoa", disse Shear. Em um estudo de 2005 no "Journal of the American Medical Association", Shear apresentou evidências de que um tratamento desenvolvido por ela, parte do qual exige que o paciente relembre a morte, grave essa fala e a ouça diariamente, foi duplamente mais eficaz do que a terapia interpessoal tradicional, usada para tratar a depressão e o luto.


O estudo corroborou sugestões anteriores de que o luto complicado poderia realmente ser diferente não só do luto normal, mas também de outros distúrbios, como o estresse pós-traumático e a depressão aguda.


Especialistas que questionam se o luto complicado é um distúrbio à parte argumentam que é preciso pesquisar mais. "Pode-se dizer com segurança que o luto complicado é uma transtorno, uma coleção de sintomas que causam sofrimento, o que é o começo da definição de uma doença", disse Paula Clayton, diretora médica da Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio. "Entretanto, outros validadores são necessários: histórico familiar e estudos que acompanhem o curso de um transtorno.


Por exemplo, uma vez curado, o paciente vai embora ou aparece anos depois como outra coisa, como a depressão?" A despeito da classificação que seja adotada, a discussão salienta uma questão mais ampla: a necessidade de um olhar mais nuançado sobre a perda. O DSM-4 dedica apenas um parágrafo ao assunto.


Diagnosticar uma forma mais profunda de luto, no entanto, não significa tirar a dor de ninguém. "Não nos livramos do sofrimento no nosso tratamento", disse Shear. "Só ajudamos as pessoas a lidarem com ele mais rapidamente. Pessoalmente, se fosse eu, quereria essa ajuda."
*Folha de São Paulo The New York Times, 12/10/2009

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