sábado, 10 de outubro de 2009

Chega de pensamento positivo


Pesquisadores canadenses demonstram que

ele até dá resultado.

Só há um problema:

é o resultado oposto



Esta é a melhor reportagem de toda esta revista. Não, ainda não é o suficiente: esta é a melhor reportagem que você já leu em sua vida.
Eu não sei que efeito essas frases tiveram sobre você, mas para mim o resultado de dizê-las em voz alta foi tornar a tarefa de escrever esta reportagem mais difícil, e não mais fácil. Deve ser isso que três pesquisadores canadenses queriam dizer com um estudo publicado recentemente no jornal Psychological Science.

Eles resolveram testar a extraordinária tese de que o pensamento positivo faz as pessoas se sentirem melhor – e elas acabam por produzir mais, conquistar seus objetivos, viver melhor. Não há dúvida de que o pensamento positivo deu certo para o pastor americano Norman Vincent Peale. Em 1952, ele escreveu O poder do pensamento positivo e praticamente inaugurou um veio bilionário da psicologia e do mercado de autoajuda.

E agora a pesquisa canadense, feita com jovens universitários, comprovou que, sim, tecer elogios a si próprio dá resultado. Infelizmente, não é o resultado esperado. As palavras doces (“eu sou uma pessoa adorável”) ditas em voz alta até beneficiaram, modestamente, quem já apresentava autoestima elevada. Mas pioraram bastante a autoimagem de quem mais precisava de uma forcinha. Quem tinha autoestima reduzida – medida por um questionário-padrão desenvolvido nos anos 60 – saiu pior ainda da experiência. “Não é que o pensamento positivo baixe a autoestima em geral, mas ele pode prejudicar alguns indivíduos – de cara, aqueles que já têm baixa autoestima”, disse a ÉPOCA uma das autoras do estudo, Elaine Perunovic, ph.D. em psicologia e professora na Universidade de New Brunswick.

Uma das explicações dos autores é que, quando ouvimos afirmações radicalmente opostas àquelas em que acreditamos, nós não apenas nos mostramos céticos, como tendemos a aderir com ainda mais força nossa posição original. Um socialista moderado, ao ouvir um amigo tecer loas ao liberalismo, tende a se sentir mais socialista. Um corintiano bissexto, rodeado por palmeirenses numa roda de bar, tende a demonstrar uma paixão inaudita por seu time. E, na opinião dos pesquisadores, uma pessoa que não se considera lá essas coisas, ao ouvir de si própria que é genial, ou linda, ou adorável, tende a achar-se mais desprezível que antes.

“A baixa autoestima é um problema crescente hoje”, diz a psicóloga Cecília Vilhena, professora da PUC de São Paulo. “Mas esse estudo evidencia a inexistência de soluções mágicas e as limitações da autoajuda.” Os especialistas do pensamento positivo, como era de esperar, discordam. “Se eu falo que estou feliz, mas minha voz mostra desânimo, os fatores não verbais não conbinam. Há uma incongruência aí”, diz o psicólogo Alexandre Bortoletto, especialista em neurolinguística, uma técnica que promete “reprogramar” o cérebro do indivíduo (e que usa, como uma de suas bases, o pensamento positivo). “Só pensar não resolve. Não é como disseminou por aí O segredo, que é só pensar e o dinheiro cai do espaço”, afirma Bortoletto, criticando outra linhagem de defensores do autoelogio.

Elogiar-se piorou a autoestima justamente
de quem já não tinha boa imagem de si mesmo

O segredo é um documentário-livro-audiolivro (gravado no Brasil na popularíssima voz da apresentadora de TV Ana Maria Braga) de 2006. Ele tenta fundamentar cientificamente o poder do pensamento positivo. Para os que acreditam em O segredo, esse poder se basearia numa suposta “Lei da Atração”. Por essa lei, pensar num acontecimento contribuiria para sua ocorrência.

É mais ou menos o que faziam 52% dos 249 participantes da primeira fase do estudo canadense. Eles disseram que recorrem ao pensamento positivo com alta frequência (em fórmulas do tipo “eu vou vencer!”), principalmente antes de provas ou apresentações.

Um dos maiores problemas da doutrina do pensamento positivo é que ela propõe agir sobre os efeitos, não sobre as causas.É certo que pessoas com baixa autoestima produzem menos do que são capazes, e estimulá-las é um dos caminhos para que melhorem. Mas o estímulo tem de vir acompanhado de treinamento.

Há uma razão evolucionista para a autoestima, alta ou baixa. Entre galinhas, por exemplo, é comum haver brigas para determinar a hierarquia do grupo. Mas, uma vez estabelecida a posição de cada indivíduo, as brigas rareiam. As galinhas com “baixa autoestima” deixam de levar bicadas desnecessárias das galinhas mais fortes justamente porque encontram sua posição. O grupo inteiro economiza energia. De forma similar, não é bom quando um motorista é confiante o suficiente para rodar a 300 quilômetros por hora no meio da cidade. O melhor é que sua confiança seja construída aos poucos, em pistas preparadas para isso, e ele acabe pilotando um carro de Fórmula 1.

O ideal, portanto, é que tenhamos uma autoestima condizente com nossas capacidades. Ou um pouco acima, para nos incentivar a progredir. “Mas, no mundo de hoje, padrões inatingíveis de estética e sucesso podem levar a pessoa média a desenvolver uma noção de fracasso”, diz a psicóloga Cecília Vilhena. Mais gente com baixa autoestima significa mais gente propensa a
tentar o pensamento positivo. Mas lembre-se: não vai dar certo.
Reportagem de MARCOS CORONATO - revista ÉPOCA -10/10/2009

3 comentários:

  1. Muito interessante, sim senhor!

    Realmente anda por aí muita confusão, trapalhada e trapalhice.

    Na minha opinião, o que ajuda é o auto-conhecimento e um Trabalho orientado para podermos libertar-nos o mais possível das nossas crenças limitadoras.

    E muito cuidado com os "gurús".
    Estamos numa época de desencanto...as "estórias mágicas" vendem que se fartam, aliviam a cabeça e entretêm o Pensamento. Parecem as novas telenovelas!

    Eu aprecio imenso o Desenvolvimento Pessoal, mas sinceramente, não confundamos DP com todas essas "teorias milagreiras" que grassam por aí...

    Pensamento positivo?
    E Psicologia Positiva?

    São duas coisas completamente diferentes e há quem as confunda.
    Sugiro-lhe uma visita ao

    http://sejafeliz.ning.com/

    Depois gostava que desse o seu parecer.
    Obrigada.
    Isabel

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  2. Citando Nelson Lima... e para lhe deixar um pouco de

    http://sejafeliz.ning.com/

    É credível! :-)

    Actualmente são os psicólogos quem mais se envolve na missão de estudar e ajudar as pessoas a aprenderem a ser felizes.
    Com o consumismo exacerbado, a felicidade passou a incluir o prazer de ter coisas, muitas coisas, desde objectos a ambições e riqueza material.

    Talvez por nos termos afastado da natureza inicialmente simples da felicidade ela hoje parece ser mais difícil de alcançar.
    A culpa parece residir em nós. O verbo TER passou a ser mais importante que o SER.
    E esquecemo-nos que, segundo reza uma lenda indiana, a felicidade está alojada dentro de nós. Entretanto, andamos à procura dela cá fora: nos outros e nas muitas coisas que o mundo moderno tem para nos oferecer mas a que nem sempre temos acesso.

    Nelson S Lima

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  3. PENSAMENTO AFIRMATIVO: UMA SÍNTESE.

    O pensamento positivo, na verdade,existe e está relacionado com o optimismo. Vejam que as pessoas optimistas apresentam mais conteúdos positivos de pensamento do que as pessimistas. Isso é um facto. O que se pode colocar em dúvida é o efeito terapêutico milagroso dos pensamentos positivos como defendem muitos livros de auto-ajuda.

    Convem aqui esclarecer que a medicina psiquiátrica reconhece que os pensamentos estão agrupados em "continentes", têm um "curso" (o modo como fluem na mente), uma "forma" (a sua arquitectura) e "conteúdos" (aquilo que lhe dá substância, os assuntos em si).

    Qualquer um destes elementos que caracterizam a actividade de PENSAR pode sofrer anomalias, como acontece nas pessoas depressivas em que não há apenas uma lentificação do pensamento como também se verificam conteúdos de teor negativo; um exemplo mais radical é o da esquizofrenia que provoca várias perturbações no pensamento (especialmente a "forma" de pensar e os "conteúdos").

    Mas há um outro tipo de pensamento que difere daquele e que resulta. Não tem uma designação científica mas a mais próxima é "pensamento afirmativo". É usado no treino mental de atletas de alta competição! A disciplina chama-se "mental training" e pertence à Psicologia Desportiva, podendo, porém, aplicar-se nas nossas vidas.

    O pensamento afirmativo ajuda a mente a preparar-se para as competições e para os esforços que elas exigem. Pode também ajudar na auto-motivação (motivação intrínseca) tão procurada hoje em dia.

    Através de imagens mentais, os atletas visualizam a sua prestação nas provas. Isso faz-se antes das competições para que a mentalização para a vitória ajude a preparar o cérebro.

    Por exemplo, na Fórmula Um, na equipa da RENAULT, os pilotos não fazem apenas treinos em pista com os seus bólides; antes disso, fazem treino mental com um "mental trainer" para prepararem mentalmente a sua prestação: na prática usam técnicas de visualização para aperfeiçoarem as técnicas de condução, as técnicas de ultrapassagem, as técnicas de travagem, etc. Com esse esforço, o cérebro memoriza determinados passos que depois são aplicados na hora da competição.

    O mesmo fazem os atletas olímpicos dos Estados Unidos, da China, da Rússia e outros países. Pouca gente sabe mas das equipas olímpicas fazem parte grande número de psicólogos desportivos!

    Como vêm, aqueles pensamentos não são do tipo "pensamento positivo" mas ajudam a memorizar gestos, atitudes, decisões, desempenhos, etc.

    Deparamos aqui com um fenómeno que é muito interessante e está perfeitamente demonstrado: aquilo que pensamos de forma intencional, precisa e intensa MODIFICA O CÉREBRO. Parece coisa estranha quando sabemos que a mente é uma propriedade do cérebro (de acordo com o funcionalismo).

    De facto, segundo a filosofia da mente, quem pensa não é o cérebro mas nós enquanto pessoas. Sou eu que penso, não o meu cérebro. Ele ajuda-me a pensar - que é coisa diferente!

    Isto acontece porque a mente é mais do que o cérebro com os seus muitos milhões de neurónios. Os conteúdos da mente e dos pensamentos são de nossa autoria, não do cérebro (excepto em cérebros doentes, sob o efeito de drogas ou descargas emocionais em que o nosso EU, a nossa capacidade de gerir os pensamentos é anulada, perturbada ou diminuída). Este tema é complexo e não vou alongar-me nesta parte.

    Comcluindo: há o pensamento positivo (que não deve ser excomungado - isso seria uma idiotice)e há o pensamento afirmativo, o qual é mais poderoso do que aquele e apresenta mais benefícios, incluindo terapêuticos. Influenciam as atitudes, as emoções e os comportamentos. Daí o seu uso com grande sucesso no desporto de alta competição!
    Nelson S Lima
    Instituto da Inteligência

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