Steve Jones*
O especialista inglês Steve Jones conta como as ideias do autor de A Origem das Espécies vêm sendo confirmadas pela genética
Nos 200 anos de Charles Darwin e 150 de sua obra maior, A Origem das Espécies, uma espécie tem prevalecido no ambiente editorial: os livros que defendem a Teoria da Evolução não apenas como teoria, mas como um conjunto de hipóteses que vêm sobrevivendo aos mais duros testes experimentais. Como dizem os cientistas, há um "corpo de evidências" cada vez maior em favor do argumento central de Darwin, o de que as espécies sofrem mutações e assim se formam a partir de ancestrais comuns. O sequenciamento do código genético, em projetos como o Genoma, é o mais recente responsável por esse acúmulo de provas. Ninguém melhor para explicar isso do que um geneticista, o inglês Steve Jones, autor de A Ilha de Darwin (Record, 376 págs., R$ 57, tradução de Janaína Castilho).
Nos 200 anos de Charles Darwin e 150 de sua obra maior, A Origem das Espécies, uma espécie tem prevalecido no ambiente editorial: os livros que defendem a Teoria da Evolução não apenas como teoria, mas como um conjunto de hipóteses que vêm sobrevivendo aos mais duros testes experimentais. Como dizem os cientistas, há um "corpo de evidências" cada vez maior em favor do argumento central de Darwin, o de que as espécies sofrem mutações e assim se formam a partir de ancestrais comuns. O sequenciamento do código genético, em projetos como o Genoma, é o mais recente responsável por esse acúmulo de provas. Ninguém melhor para explicar isso do que um geneticista, o inglês Steve Jones, autor de A Ilha de Darwin (Record, 376 págs., R$ 57, tradução de Janaína Castilho).
Jones, entrevistado por telefone pelo Estado na semana passada, mostra como é falsa a noção de que Darwin fez sua viagem juvenil pelo Beagle e depois se fechou em casa, no subúrbio de Londres, e adiou até onde possível a publicação de suas ideias sobre variação e seleção natural. Na realidade, Darwin, apesar dos problemas de enjoo, continuou a viajar e estudar os mais diversos tipos de espécies - de cracas a pombos, de vermes a cachorros, de orquídeas a macacos. "Em seus 40 anos na Down House, passou 2 mil noites fora de casa - o equivalente a um dia por semana", escreve Jones. Ele queria, afinal, coletar o máximo possível de evidências antes de publicar sua teoria.
O sr. mostra como Darwin descobriu o poder de poucos recursos produzirem grandes resultados. Até que ponto ele estava ciente de que suas descobertas tinham implicações por assim dizer filosóficas?
Eu acho que seu modelo de uma natureza que se transforma gradualmente, não por saltos, foi central para a filosofia. Só não sei se ele usaria esse termo. Um dos livros mais importantes para ele foi Princípios da Geologia, de Charles Lyell, porque até então se imaginava que a disciplina tratasse apenas de vulcões e cataclismos em geral; com Lyell, a ação mais ordinária e lenta da natureza, como o clima ou o relevo, implicava enormes traços geológicos. Pequenos meios criam resultados gigantes.
Por que a ideia de um Darwin recluso, mais acomodado ou menos ativo depois da viagem com o Beagle, prevaleceu por tanto tempo?
Porque a viagem foi tão icônica que nada que acontecesse depois poderia substituí-la. Antes de mais nada, o livro que a narra é o melhor livro de viagem jamais escrito. O autor é um jovem entusiasmado, que mostra uma natureza maravilhosa. E depois de A Origem das Espécies, em 1859, que é a síntese de sua biologia e provocou tanta controvérsia, os demais livros de Darwin terminaram ficando à sombra.
Seu livro explica como a genética confirma as ideias de Darwin. No entanto, ainda ouvimos muitas vezes que "a Evolução não é nada além de uma teoria", como se não tivesse comprovação experimental. Por quê? Será medo das pessoas de aceitarem suas ideias?
É um mistério. Há dois níveis de desentendimento. O primeiro é o que diz que é apenas uma teoria. Toda ciência começa como teoria. Foi assim com a química e a física. Portanto, não seria diferente com a biologia. Além disso, os estudos mostraram que a Terra e as espécies eram ainda mais velhas do que Darwin imaginava. O segundo problema de interpretação é o que diz que a Evolução significa que o homem é um animal como outro qualquer. Não. É uma espécie única, no sentido mais humanista possível. E somente por meio das ideias de Darwin é que podemos saber disso.
Qual é sua opinião sobre essa descoberta recente do nosso ancestral Ardi, mais antigo que Lucy? Quais as consequências?
É uma descoberta muito interessante, especialmente porque está muito bem datada: ele existiu há 4,5 milhões de anos. Como se estima que a separação entre as linhagens dos seres humanos e dos macacos como o chimpanzé ocorreu há 6 ou 7 milhões de anos, é notável como a descoberta está relativamente mais próxima dessa separação. O fóssil mostra um primata que era bem mais parecido com os humanos do que com os chimpanzés. Ao contrário do que muitos dizem, houve, portanto, um monte de evolução na linhagem dos chimpanzés. Isso sugere também que aqueles que usam os chimpanzés como modelos para estudar o passado do homem como primata estão equivocados.
O sr. diz no livro que a maior parte do DNA está inativo durante a maior parte do tempo. É isso mesmo? E por que as pessoas ainda têm uma visão da carga genética como um estoque imutável, que age em bloco?
Na verdade, eu estava errado quando disse que a maior parte do DNA não tem função. Pesquisas recentes sobre o comportamento do DNA no controle do genoma mostraram que é mentira que haja tanto "DNA lixo", apenas algum. O DNA é uma molécula bastante simples e bonita, mas tendemos a ver o processo como algo que nasce dele em direção à formação de uma célula, depois um tecido, etc. Esse processo é mais complicado, difícil de entender. Acho que ninguém ainda compreende como o DNA é ativado, em qual segmento, etc.
O sr. sugere no livro que o temperamento, a personalidade de cada um, é hereditário. Se um pai é teimoso, digamos, o filho tende a ser também?
É preciso entender o que se quer dizer com "hereditário". Tudo no ser humano é tanto hereditário como ambiental. Em algumas características podemos medir isso, como a altura de um indivíduo. Se seus pais são altos, você tende a ser alto. Mas isso não explica por que a cada geração a humanidade toda fica mais alta em média. Não tem nada a ver com os genes, mas com a alimentação, os avanços na saúde, etc. Ou seja, fatores ambientais. E há mais de cem genes envolvidos com a determinação da altura de um indivíduo, e só alguns deles estão ativos por hereditariedade. Quanto à personalidade, sim, é possível dizer que se os pais são depressivos, por exemplo, o filho pode provavelmente ser depressivo. E não só pelos genes, mas também pelo fato de que tende a ser criado num ambiente triste. Para explicar traços extremos, como as doenças, é mais fácil. Mas para traços morais é muito difícil. Obviamente há um chamado dos genes para comportamentos relacionados à música ou à religião, digamos, mas não sabemos como isso funciona ou deixa de funcionar.
Mas há estudiosos que fazem afirmações como a de que os homens tendem mais à traição do que as mulheres porque precisam espalhar suas células reprodutoras. Esse salto não é perigoso?
Podemos afirmar algumas coisas. Por exemplo, que há uma diferença de origem biológica no comportamento de homens e mulheres. Há países com maior ou menor taxa de homicídio, por exemplo, mas no conjunto da humanidade os homens matam em média dez vezes mais que as mulheres. Não resta dúvida de que a testosterona tende a torná-los mais violentos. Da mesma forma, um homem mais velho, como eu, tende a sentir menor desejo sexual do que um jovem. Pode-se dizer então que o homem tende a ser mais promíscuo que a mulher? Até certo ponto, sim. Mas isso não pode justificar, por exemplo, o estupro, que é moralmente inaceitável. Precisamos ter a cautela de não usar a biologia para justificar comportamentos prejudiciais.
Se temos tantos genes em comum com outras espécies, como os chimpanzés e os ratos, podemos dizer que a pequena variação que gera uma enorme diferença é a empatia, por exemplo?
Depende do que se quer dizer com empatia. Como escrevo no livro, há empatia entre os ratos, por exemplo, e os cachorros são extremamente capazes de reconhecer seus donos. É um conceito difícil de medir. Mas, sim, o ser humano parece mais dotado de empatia.
Se pensarmos no número dos chamados "neurônios espelhos" (neurônios responsáveis pela imitação e simulação dos gestos alheios), que é muito maior nos homens do que nos outros animais, não haveria uma forma de medir?
Sim, certamente. Tudo indica que somos os mais hábeis na identificação do humor dos nossos pares. A proporção entre nosso cérebro e nosso corpo, afinal, é cinco vezes maior do que é nos macacos. E nosso cérebro tem muito mais conexões. Mas não sou um neurocientista, e acho que eles tendem a superinterpretar algumas descobertas.
Muitas pessoas se queixam da Evolução por mostrar alta dose de aleatoriedade e improviso na natureza. Seu livro mostra que de alguns poucos modos influenciamos nosso DNA com nosso comportamento, como na alimentação. Até onde vai essa influência?
Temo que não muito longe... A terapia genética, por exemplo, não foi bem-sucedida até agora. A maior parte dessa influência passa por nossos hábitos alimentares e por prazos longos, não se manifestam de pai para filho. Londres, por exemplo, era uma cidade que tinha muitas mortes causadas pela água no século 19 por causa do ácido sulfúrico. Com isso, genes que resistem a isso foram ativados, entrando na herança biológica. Mas tais mudanças não são produto da vontade individual, muito menos imediatas.
*Steve Jones, de 65 anos, é professor de genética da University College London, na Inglaterra, e autor de A Ilha de Darwin.Reportagem de DANIEL PIZA, estadão, 11/10/2009
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