quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Atrito, ignorância, desconforto

Não gosta dessas coisas?
Pois elas são algumas das chaves para inovar,
segundo a professora de Harvard
Dorothy Leonard

Quando tinha pouco mais de 20 anos, a americana Dorothy Leonard decidiu trabalhar como voluntária na Ásia. Viveu dez anos na Indonésia e na Tailândia em uma época em que o Sudeste Asiático sequer esboçava a atração de hoje. A jornada lhe ensinou o valor da experiência na formação de opinião e também a melhor forma de administrar (e aproveitar) as diferenças culturais – dois elementos que prega como essenciais na cultura da inovação. Há mais de 20 anos, a Ph.D. em inovação pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) dá aulas na escola de negócios de Harvard, atividade que conciliou com mais viagens de pesquisa à Ásia e consultorias para governos (como o da Suécia). Isso a tornou uma das maiores especialistas na arte de lidar com os paradoxos da inovação.

Para inovar, as empresas criam processos. E os processos, às vezes, resultam em burocracia. Isso não limita a criatividade?
Esse é um dos paradoxos que envolvem a inovação. A criatividade é necessária e não pode ser restringida a regras e processos. Ela deve ser estimulada logo no início. Mas, quando a ideia começa a evoluir para um projeto, é preciso incluí-la em um processo mais estruturado. Porque a empresa precisa analisar se aquela ideia combina com o seu portfólio de produtos e serviços, se pode pagar aquela inovação e se pode produzir a um preço que o consumidor ache razoável. O desafio está em não criar inibidores à criatividade precocemente.

Existem outros paradoxos?
O desafio de equilibrar a necessidade de conhecimento especializado com a falta de conhecimento específico. O conhecimento profundo pode inibir uma boa ideia. Muitas vezes, uma pessoa inexperiente em uma determinada área faz perguntas inesperadas que desestabilizam o modelo mental dos especialistas, o que pode resultar numa nova forma de encarar o problema. E isso é bom. Assim surgem grandes inovações. Outra possibilidade para driblar esse paradoxo é observar o comportamento do consumidor. A Heinz [marca americana de condimentos], por exemplo, foi ao drive-thru de lanchonetes para ver como os consumidores colocavam o ketchup na batata frita diante do volante. Era uma forma de entender como inovar na embalagem para esse ponto de venda e atender melhor.
“Para inovar, a empresa precisa de
pessoas que divirjam.
Não falo de divergências pessoais,
mas intelectuais. É o que chamo
de atrito criativo”
As ideias normalmente surgem do indivíduo. Mas a inovação, não. Por que a equipe é muito mais importante que o indivíduo para inovar?
A inovação em uma empresa requer o domínio de uma série de questões técnicas, financeiras, de mercado. Para inovar, a empresa precisa de pessoas que divirjam. Não falo de divergências pessoais, mas intelectuais. É o que chamo de atrito criativo. Quando cada um traz um ponto de vista completamente diferente, o resultado da discussão é muito mais inovador. Um dos maiores desafios do gerente de inovação é encontrar o equilíbrio no nível de divergência para tornar a discussão produtiva.

Outro ponto importante em inovação é perdoar os erros. Essa também é uma tarefa difícil?
Sim. Perdoar os erros faz parte do processo. É preciso apenas avaliar sobre que tipo de falha estamos falando. Há os erros inteligentes e os burros. O erro inteligente acontece sobre algo realmente novo e acaba servindo de aprendizado. O erro burro é sobre algo básico, que a empresa já tinha condições de não repetir.

Como a empresa pode reduzir seu número de erros?
A primeira providência é fazer protótipos, testar o conceito, expor a sua ideia à opinião de outras pessoas. É possível testar produtos e serviços de modo muito barato. Outra forma é garantir a diversidade na equipe e estimular o atrito criativo. Uma terceira providência é dar tempo. Se a empresa quer realmente inovar, precisa ter paciência.

Como a senhora convenceria o presidente ou o acionista de uma empresa a ter paciência?
Bom, em primeiro lugar, ninguém convence ninguém simplesmente falando. Precisa mostrar os fatos e fazer a pessoa tirar suas conclusões a partir de uma experiência.

Como montar uma equipe inovadora?
O mais importante é contratar pessoas com experiências de vida distintas. Em alguns casos, quem deve cuidar dessa seleção diretamente é o gestor da área, com um suporte do RH. Assim, ele pode identificar melhor quem fará diferença na equipe. Supondo que a empresa não tenha condições de contratar agora, uma opção é pedir a contribuição de pessoas de fora. Não estou falando de contratar consultores simplesmente. Essas pessoas podem ser estagiários, por exemplo.

Mesmo um time heterogêneo não corre o risco de passar a pensar de forma semelhante e monótona com o passar do tempo?
Sim. Quando as pessoas passam a conviver muito, elas ficam vulneráveis ao que chamamos de group thinking (pensamento de grupo). Para evitar esse problema, o gestor de inovação deve colocar novos membros na equipe, construir novos times a cada novo projeto ou etapa ou mesmo expor os integrantes daquela equipe a novas experiências. A Best Buy [rede americana de artigos eletrônicos] fez isso. Levou alguns de seus funcionários para a Coreia do Sul e para o México para que eles entendessem o comportamento dos consumidores. Foi uma forma de tirá-los de uma zona de conforto.
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Reportagem por Karla Spotorno
Fonte: Revista Epóca NEGÓCIOS on line, outubro/2011

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